postado em 24/10/2010 08:00
Os escritores da Geração Beat influenciaram incontáveis autores nos Estados Unidos e no mundo. O roteirista de histórias em quadrinhos Harvey Pekar foi um deles. Assim como a produção dos beats, a de Pekar era inovadora. Um encontro entre esses dois universos, se não necessariamente inevitável, seria no mínimo muito bem-vindo. E, um ano antes da morte do roteirista, em 12 de julho deste ano, essa ideia acabou vingando. Os beats ; graphic novel reúne histórias com roteiro de Harvey Pekar e arte de diversos desenhistas. Nancy J. Peters, Penelope Rosemont, Joyce Brarner, Trina Robbins e Tuli Kupferberg colaboram com o texto para histórias curtas. Ed Piskor, antigo colaborador de Pekar, assina a maioria dos desenhos. O restante fica a cargo de Jay Kinney, Nick Thorkelson, Mary Fleener, Anne Timmons e Jeffrey Lewis, entre outros. O lançamento nacional é da Editora Saraiva pelo selo Benvirá.
O título é dividido em duas grande partes. A primeira enfoca a vida de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs. Cada um deles ganha uma minibiografia com relatos da vida pessoal e artística. Na segunda parte, Perspectivas, é a vez de outros autores menos conhecidos, mas não menos influentes e importantes para o movimento, serem lembrados em breves perfis.
Na teoria Os beats ; graphic novel teria tudo para funcionar. O resultado, no entanto, deixa muito a desejar. Começando pelo subtítulo acrescido à edição nacional. Uma graphic novel é nada mais nada menos do que um romance gráfico, contado no formato de histórias em quadrinhos. A origem do termo é creditada ao roteirista e escritor americano Will Eisner para escapar da denominação comics, considerada muito limitadora para os novos trabalhos que ele queria publicar nos anos 1970.
Recentemente, especialmente no Brasil, a expressão graphic novel tem sido usada indiscriminadamente para qualquer história em quadrinhos com uma proposta levemente diferente da dos quadrinhos de super-herói encontrados em bancas de jornal. Os beats não se encaixa exatamente no conceito de graphic novel. O subtítulo original, A graphic history, seria mais adequado.
Pouco inspirado em seu texto, Pekar limita-se a listar acontecimentos biográficos dos beats. Faltam ritmo, emoção e qualquer tipo de gancho para prender o leitor à narrativa desenvolvida pelo roteirista. Kerouac, Ginsberg e Burroughs nunca pareceram tão desinteressantes. Quem nunca leu uma obra beat vai continuar conhecendo pouco sobre as inovações de seus autores depois de ler a HQ.
No quesito gráfico, o livro sai-se ainda pior. Ed Piskor é um desenhista no limite do amadorismo. Seus quadros apenas reproduzem o que as palavras acabaram de dizer. Geralmente, apresentam apenas um personagem parado no meio de um cenário, com pouquíssima ação. Os outros desenhistas que participam do projeto também chamam pouca atenção, com exceção de Jerome Neukirich, Lance Tooks e Jeffrey Lewis, que exprimem alguma personalidade visual e que poderia ter ganhado mais destaque no projeto.
Quem nunca leu Harvey Pekar faz bem em começar por outro título do autor. Caso contrário, pode chegar a conclusão de que ele não merece todo o culto e o respeito que adquiriu em sua carreira ; que rendeu, inclusive, o ótimo filme Anti-herói americano.
O herói do cotidiano
Durante muitos anos, Harvey Pekar (1939-2010) trabalhou no almoxarifado de um hospital. Para não ser sufocado por um cotidiano opressor, começou a fazer textos para histórias em quadrinhos sobre os pequenos acontecimentos de sua vida. Suas histórias foram ilustradas por vários artistas, inclusive por Robert Crumb. Em 1976, Pekar lançou a cultuada revista American Splendor, que, em pouco tempo, o transformaria em celebridade e referência para outros autores de quadrinhos graças ao tom confessional e bibliográfico de suas histórias.