postado em 01/11/2010 08:00
Num registro mais refinado do que o empregado pelo famoso pai cineasta (Michel, acusado de popularesco), Jacques Audiard consegue, apesar do rude ambiente carcerário visitado em O profeta, estabelecer um vínculo de interesse profundo entre os espectadores e o intrincado jogo de manobras de bandidos disposto na ambiciosa trama.Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, ganhou o Bafta (o mais vistoso na Inglaterra), o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes e mais outros nove prêmios César (considerado o topo na indústria francesa). No exame de seis anos na vida do jovem detento de origem árabe Malik El Djebena (a revelação Tahar Rahim, melhor ator pelo European Film Awards), estendido por duas horas e meia nas telas, o diretor enfoca o bê-á-bá (nada didático) da deformação imposta ao rapaz.
Na cadeia, há desespero ignorado (na horrível cena do assassinato, que impõe um constante convívio de culpa por parte de Djebena) e descomunais preconceitos que atropelam a centelha de redenção esboçada pelo jovem. Com o par de tênis roubado na prisão, logo de cara, ele ; a princípio, analfabeto ; tomará contato com a gramática da sobrevivência, que inclui a indispensável proteção do assombroso corso César Luciani (Niels Arestrup, talhado por mestres, como Alain Resnais e Claude Lelouch).
Embutida com naturalidade na trama, a violência empregada choca (a primeira morte, por exemplo, é um teste para o público), mas o longa ainda vem salpicado por imagens oníricas (casos do minucioso treino com a lâmina, que lembra Pickpocket, e o inesperado corpo em chamas de Reyeb), além de contar com a libertadora trilha sonora de Alexandre Desplat (A rainha). O profeta é, no fundo, um tratado sobre a habilidade no desvencilhar de limitações (sociais e econômicas), sobre o declínio de estruturas apodrecidas e sobre o impedimento de resiliência ética e moral para o protagonista.