Diversão e Arte

Baryshnikov e Ana Laguna apresentam o espetáculo Três solos e um dueto

Nahima Maciel
postado em 04/11/2010 08:00
Aos 62 anos, Mikhail Baryshnikov mantém uma rotina controlada quando está em turnê. Faz aulas de balé e viaja sempre com a fisioterapeuta, responsável pelos exercícios diários que ajudam a manter em forma o corpo do bailarino. ;Luto com meu corpo todo dia, porque não é fácil. É automático porque fiz isso a vida toda, mas não é uma experiência agradável, na maior parte do tempo é dolorosa.;

Um dos maiores nomes da história da dança clássica na segunda metade do século 20, Baryshnikov mantém postura de astro. É meticuloso nos ensaios e reservado, mas gosta de falar. ;Sou um artista nervoso. Estar no palco ainda é assustador;, confessa. É também bastante ríspido. Durante coletiva de imprensa em São Paulo para a estreia do espetáculo Três solos e um dueto, que apresenta hoje em Brasília, Baryshnikov ficou zangado com um celular que tocou no momento em que falava e monopolizou a palavra. Ana Laguna, de 54 anos e companheira de palco no espetáculo, pouco falou. Apesar de extrovertida e brincalhona com a equipe da companhia, recolhe-se à timidez quando se trata de conversar com jornalistas.

De certa forma, a personalidade da dupla é o anúncio do que se pode ver durante o espetáculo que já passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires. Baryshnikov confunde-se com o compositor Mikhail Glinka, autor da Valse-Fantaisie, que embala a primeira coreografia. Glinka compôs a peça para uma paixão que o fez deixar a Rússia em busca da cura de um amor não correspondido. Ao voltar, os sentimentos pela moça já não existiam mais.

A coreografia de Alexei Ratmansky mostra um sujeito inicialmente apaixonado antes de cair em irônica indiferença. Baryhsnikov faz a plateia rir na pele de um grande artista ; metáfora dele mesmo ; desligado do sentimento que um dia o derrubou. Na coreografia seguinte, Solo for two, o bailarino está ao lado de Ana Laguna. Dessa vez, quem assina é o sueco Mats Ek, marido da bailarina. Aqui, o palco é de Ana. Dança sozinha durante boa parte da peça e parece esperar alguém que não vem. Baryshnikov faz singelas interferências, pontuações capazes de apontar contradições naquela personagem.

Somente na coreografia seguinte, criada pelo francês Benjamin Millepied e com música de Philip Glass, Baryshnikov está de volta. Years later é o momento mais delicado do espetáculo. ;É uma peça conceitual;, avisa. O bailarino contracena com imagens de si mesmo muito jovem. Na tela, um Baryshnikov adolescente realiza passos com uma virtuose e uma velocidade impensáveis para o homem de 62 anos que o observa no palco. Sem saudosismo ou melancolia, o bailarino provoca novos risos na plateia quando demonstra um certo descaso pelas imagens.

Adiante, outro Baryshnikov, este mais velho, convida o bailarino para um desafio que acaba em desistência. Funciona como uma constatação: quem já foi primeiro bailarino das maiores companhias do planeta não precisa mais desafiar a si mesmo. ;É uma experiência doce. Quando olhamos para trás sempre temos lembranças de coisas boas e ruins e foi por isso que desenvolvi essa peça. Vejo a mim mesmo há 40, 50 anos e lembro de coisas mais doces ou mais amargas;, diz.

Baryshnikov e Ana Laguna: coreografias para dois mitosE chega a vez de Place, outra peça concebida por Mats Ek, agora para o dueto do título do espetáculo. Dois personagens maduros e a delicadeza da vida a dois, da divisão do espaço e da intimidade pontuam as situações. Entende-se então o que Baryshnikov quer dizer quando defende que os personagens, no palco, são os próprios bailarinos. ;Não estamos fazendo nenhum papel, não temos mais idade para isso. O aspecto físico está ajustado ao que podemos fazer com nossos corpos;, explica. ;É uma peça metafórica a partir do ponto de vista de que não há história. Não somos mais jovens e todos esses elementos foram incorporados em nossa parceria.; Place tem um total de 22 minutos e é a peça mais longa de um programa pontuado por pausas. A cada coreografia, as cortinas se fecham e a dupla faz rápido descanso. ;Quando terminamos, estamos exaustos;, revela Ana.

TRÊS SOLOS E UM DUETO
Com Mikhail Baryshnikov e Ana Laguna. Hoje, às 20h30, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Ingressos: R$ 300 e R$ 150 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

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