Diversão e Arte

Depois de 8 anos, Milton Nascimento lança álbum ...E a gente sonhando

postado em 07/11/2010 08:00
<b>... E A GENTE SONHANDO</b><br>Disco de Milton Nascimento, produzido por ele e Marco Elízeo.<br>Lançamento  EMI Music, 16 faixas.Milton Nascimento ficou pasmo quando viu Três Pontas no livro The brazilian sound: samba, bossa nova and the most popular music of Brazil, de Chris McGowan e Ricardo Pessanha. Era a única não capital apontada no mapa desenhado pelos gringos. Quando se deu conta de que milhares de turistas vão lá só para conhecer a cidade onde ele cresceu ; e tem gente que sai até do Japão para isso ;, e que provavelmente não havia nada de muito interessante para esse pessoal ver além da casa da família dele, tratou de procurar o amigo trespontano Marco Elízeo: ;E aí, o que a gente faz?;.

Elízeo não pensou duas vezes. Pegou o carro e seguiu com o cantor por uma estrada de terra, ;onde não se via nada, só as estrelas;, rumo a uma vendinha da região. Não queria conhecer gente nova? Pois a rapaziada estava toda lá, entre a mesa de sinuca e a de jantar, tocando rock;n;roll. Pink Floyd, rock progressivo, aquelas coisas que o próprio Milton adorava ouvir na juventude. ;Uh, e como!”, lembra o cantor. ;Foi um barato porque só naquela noite descobri 15, todos cantores e instrumentistas. No outro dia, numa fazenda, foram mais 15, e no seguinte, um pianista.; Estava ali a nova cena musical da cidade. Uma turma grande, jovem e talentosa para ele apresentar ao Brasil e ao mundo.

... E a gente sonhando, o CD que agora chega às lojas, reúne essa turma toda em 16 faixas gravadas durante um ano, entre julho de 2009 e julho de 2010. Tem um quê de Clube da Esquina, por revelar novos compositores, mas Milton diz que não pensou nisso. Não queria comparar nada, só descobrir os talentos de sua cidade. ;Eu sempre fui a Três Pontas, meus pais moravam lá, minha irmã ainda mora. Mas eu ia rápido, para ver a família e os amigos, e logo voltava. Por isso não conhecia os novos músicos de lá;, explica. ;Depois que conheci, não larguei mais (risos).;


Milton foi apresentado por Marco Elízeo aos ;meninos; (alguns tinham apenas 16, 17 anos) quando gravava o DVD Pietá, em 2006. Fez de conta, aliás, que só queria uma faixa com eles (o que realmente o fez, com o registro de Paciência, de Lenine). Mas já tinha em mente um disco inteirinho com os rapazes. Só precisava ;testá-los; um pouco mais. Demorou mais tempo do que ele queria. Foram quase três anos viajando pelo mundo ; apresentando-se com o Jobim Trio e com os irmãos franceses Lionel e Stéphane Belmondo ; até poder se dedicar ao projeto. ;No ano passado, quando a turnê terminou, falei: ;Chega! Agora quero trabalhar só no Brasil.;

Repertório
Bruno Cabral, 19 anos; Ismael Tiso Jr., 24, e Paulo Francisco, 27, são as três vozes revelações do álbum. Os dois últimos são parentes de Wagner Tiso, o segundo trespontano mais famoso do planeta ; que toca piano em 11 das 16 faixas e assina os arranjos, ao lado de Milton e Marco Elízeo (o cicerone também é coprodutor do CD e autor, com Heitor Branquinho, da música Olhos do mundo). Bruno divide com o anfitrião os vocais da faixa-título, composta por Milton nos anos 1960 (foi a segunda canção que ele escreveu inteira, letra e música). Ismael assina (com Miller Rabello de Brito) Do samba, do jazz, do menino e do bueiro. Outra dos meninos de Três Pontas é Eu, pescador, de Cleyton Prosperi e Haroldo Jr.

Além de ... E a gente sonhando, Milton entrou com seis composições, três em parceria com Fernando Brant (Espelho de nós, Me faz bem e O ateneu). Sorriso, só dele, foi inspirada num rapaz que ele encontrou numa dessas reuniões em Três Pontas, dono de um dos sorrisos mais bonitos que já viu na vida, de ;penetrar a alma feito um filme de Truffaut;. As outras da lista são Gota de primavera, escrita com Pedrinho do Cavaco, e Amor do céu, amor do mar, feita com Flávio Henrique e com citação a Elis Regina. ;Elis é o grande amor da minha vida. Na época em que ela estava aqui, todas as músicas que eu fazia era para ela cantar;, comenta.

E, sim, há regravações no repertório. Estão lá O sol, sucesso do Jota Quest; Adivinha o quê, de Lulu Santos; Resposta ao tempo, de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc (que ele era doido para gravar desde que a ouviu na voz Nana Caymmi, na abertura da minissérie Hilda Furacão); Raras maneiras, de Tunai e Márcio Borges; Flor de ingazeira, de João Bosco e Francisco Bosco (que, desde a primeira vez que escutou, ele não conseguiu tirar da cabeça); e Estrela, estrela, que até parece dele, mas é de Vitor Ramil.

;Algumas músicas parecem ter sido feitas para me dar de presente;, brinca Milton, que de fato podia ter gravado a canção do gaúcho muito tempo atrás. ;Foi uma loucura minha, porque quando Vitor Ramil fez, os irmãos dele, Kleiton e Kledir, trouxeram a gravação pra mim. Eu adorei, mas perdi. E esqueci. Aí, quando eu estava conversando com o pessoal, chegou um e disse: ;Vamos cantar Estrela, estrela? Na hora, falei: ;Meu Deus, claro!” Melhor que isso, só a vibração, o entusiasmo dos meninos com ele, e vice-versa. ;Olhar para trás e ver aqueles sorrisos é uma delícia.;


Milton Nascimento, cantor" />Três perguntas - Milton Nascimento

Estar com os meninos de sua cidade lhe trouxe uma sensação nostálgica, de volta às origens? Ou trouxe Três Pontas para os dias de hoje?
Trouxe para os dias de hoje. Eu não me via neles. Eu me via com eles. E chamei todo mundo para trabalhar comigo. Porque todos são instrumentistas, cantores, compositores, letristas e fazem tudo muito bem. Foi fácil trabalhar com eles nesse disco. Todos tinham ideias, fizemos os arranjos juntos.

Você diz que demorou a fazer este CD porque passou um bom tempo fora do país, com o Jobim Trio e o Belmondo. Está sempre viajando?
Viajo muito, mas não gosto de ficar só no exterior. Gosto mais de estar aqui, com o pessoal do Brasil. E tem uma coisa acontecendo agora, muito legal, que são esses shows nas praças. Falam que o povo não entende isso, não entende aquilo, mas é a maior mentira. O povo entende tudo, só não tem dinheiro pra pagar esses shows caros. Nos lugares abertos, os shows ficam lotados, todo mundo canta comigo. É uma alegria.

Hoje, se um japonês chegar a Três Pontas, vai encontrar a turma tocando? Porque muitos desses garotos já não moram mais lá...
Vai ter sempre gente tocando. Música ali nunca vai faltar. Igual a planta que você colhe hoje e amanhã já está lá de novo. É um tal de músico aparecendo, aparecendo... Cantor, então, é uma loucura. Parece que em Três Pontas todo mundo nasceu para cantar (risos).

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