Diversão e Arte

Atriz Clarice Niskier comemora o sucesso do espetáculo A alma imoral

postado em 07/11/2010 08:00
Com a peça, Clarice Niskier virou Há cinco anos ela se desnuda diante de uma multidão que, somada, já ultrapassa a marca de 110 mil espectadores. Mais do que a nudez corporal, há quem garanta vislumbrar o universo interior da atriz Clarice Niskier, sempre que ela sobe ao palco para se deleitar em mais uma sessão da peça A alma imoral, adaptada por ela mesma a partir do livro homônimo do rabino Nilton Bonder. Só em Brasília, são três temporadas, que se encerram hoje, no Teatro Eva Herz, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi.

O sucesso é tanto que, desde que pisou nos palcos com os ensinamentos, fábulas e tradições do judaísmo e de crenças milenares, ela se prepara para tirar férias pela primeira vez, entre dezembro e janeiro. ;Meu filho de 11 anos é beatlemaníaco e quer conhecer Liverpool (cidade natal do grupo, na Inglaterra), mas eu gostaria de ir a um spa em meio à natureza, pra descansar;, admite. O spa seria no Brasil, para que Clarice não tenha de enfrentar mais uma vez um problema que precisa administrar constantemente: o medo de avião. ;Viajei para o exterior pela primeira vez aos 36 anos. No período em que houve um grave acidente aéreo, cheguei a fazer a distância entre o Rio e São Paulo de ônibus, toda semana, com a peça em cartaz;, reforça. Um tratamento homeopático a ajudou a lidar com a tensão e hoje ela controla o medo que sente sempre que precisa voar para apresentar a peça.

Além do poder de administrar a ansiedade nas alturas, A alma imoral alargou a capacidade de visão da atriz. Clarice acredita ter lido o livro certo na hora certa, quando se sentia em um lugar estreito, como se tivesse atingido o limite de sua capacidade artística. A busca era por algo que falasse de si mesma e do mundo. ;Quando li, pensei: é isso. Descobri muita energia e muito sentimento. Sabe a bolsa da Mary Poppins? É exatamente isso. Você puxa, puxa e nunca tem fim;, relata. A fascinação foi tão forte que se estendeu a toda família: o marido, o músico José Maria Braga, não só compôs um tema para a peça como se tornou diretor de produção do espetáculo. Apesar da complexidade do tema, o filho adolescente, fã dos Beatles, viu tantos ensaios que sabe trechos inteiros de cor.

Intimidade
O encantamento vem se espalhando por quem compartilha desses encontros por teatros do Brasil. Frequentemente, a atriz sai da sala de espetáculos direto para um café, com espectadores. ;Muita gente me conta coisas íntimas, como se fôssemos amigas de infância. Na nudez me coloco desarmada, vulnerável. Talvez por isso as pessoas se irmanem nesse sentimento e se abram comigo;, acredita. Aqui em Brasília mesmo, um casal decidiu procurá-la depois de uma sessão para falar das dificuldades de se adaptar à aposentadoria e a uma vida mais austera. Eles chegaram a revelar o quanto ganham para a atriz. Na semana seguinte, voltaram ao teatro para comemorar com ela o último dia de vida profissional.

Há pessoas que vão além de uma conversa intimista. Uma vez, uma senhora procurou Clarice para presenteá-la com um anel, porque gostaria de nunca ser esquecida. A joia, avisa, está guardada com o maior carinho. Uma joalheria decidiu contratá-la para apresentar a peça a um seleto grupo de clientes. Segundo a explicação da rede, a alma é uma joia e uma peça que trata dos desvãos da alma só pode ser joia também. Dentre os agradinhos que recebeu de fãs nessa trajetória, há muitos cristais, ametistas e pedras variadas. Uma estátua do Buda a segue sempre, enfeitando o camarim.

A cooperação do rabino Nilton Bonder, autor do texto, foi fundamental para o sucesso. Hoje, os dois conversam com frequência e pensam em desenvolver projetos em parceria. Um deles seria a complementação de A alma imoral. ;O livro fala da tensão que existe entre a alma imoral e o corpo moral, mas, nesta peça, optei por apresentar a ideia da alma. Também é importante falar das reivindicações do corpo moral, que clama por sua liberdade;, esclarece.

Enquanto a inspiração não se concretiza, ela segue com o texto atual pelos palcos do país, atuando e, surpreendentemente, observando a plateia. A atriz nota reações, incômodos, gente que olha, gente que desvia os olhos da encenação. ;Há casais que começam a peça abraçados e vão se separando no decorrer do espetáculo. Em outros casos, vão se aproximando;, comenta. Enquanto desfia o novelo de sua alma, Clarice percebe os fragmentos de almas imorais que também se revelam, diante dela.

A PEÇA
A alma imoral desconstrói conceitos milenares das civilizações. Com base em histórias do Velho Testamento, judaísmo e antigas tradições o texto analisa as oposições entre corpo e alma, tradição e traição, obediência e desobediência, na tarefa de transcender a si mesmo e se reinventar.

QUEM É ELA
Carioca, 51 anos, Clarice Niskier não se sentia predestinada a viver sobre o palco. Devoradora de jornais na juventude, ela se via como repórter investigativa. Formada em comunicação na PUC do Rio de Janeiro, fez estágio em jornal alternativo, foi repórter e fotógrafa do Jornal do Brasil. Mas a frustração com as matérias escritas e nunca publicadas acabou por gerar uma gastrite. Aos 21 anos, Clarice buscou um curso de teatro no Tablado como terapia. Nunca mais saiu. Apesar da pressão familiar para que retomasse a carreira no jornalismo, os convites para atuar se sucederam. Depois de atuar na TV, no cinema e em diversas peças de teatro, pelas mãos de diretores como Aderbal Freire-Filho e Domingos Oliveira, Clarice ganhou o prêmio Shell de melhor atriz, em 2007. Pôde, então, admitir à família: a carreira como jornalista estava encerrada.

A ALMA IMORAL
Hoje, às 19h, no Teatro Eva Herz (Livraria Cultura do Shopping Iguatemi, Lago Norte; 3577-5000). Último dia. Ingressos: R$ 60 e R$ 30 (meia). Não recomendado para menores de 18 anos.

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