postado em 07/11/2010 08:00
O Brasil pode bater no peito e dizer, com muito orgulho, que também pertence à história de Paul McCartney. Por quê? Foi naquele sábado (21 de abril de 1990) que ele viu fãs enlouquecidos e emocionados num Maracanã tomado por 184 mil pagantes ; recorde mundial de público. Aquela noite foi a segunda das duas apresentações do ícone do rock mundial no maior palco do futebol. O Brasil vivia um período de incertezas na política e o Plano Collor quase fez os produtores desistirem dos shows. Quase... Paul ainda retornou ao país três anos depois, mas não voltou à Cidade Maravilhosa ; apenas Curitiba e São Paulo receberam o ídolo. Beira-Rio
Vinte anos depois, o público brasileiro tem a chance de conferir mais um espetáculo do cantor. A turnê Up and coming no Brasil começa hoje, às 21h, no Estádio Beira-Rio, em Porto Alegre. São aproximadamente três horas de show. Depois, em 21 e 22 de novembro, Paul McCartney passa em São Paulo para duas apresentações (já com ingressos esgotados) no estádio do Morumbi. Nesse intervalo, o baixista e um dos vocalistas dos Beatles tem agenda cheia no Peru, na Argentina e no Chile.
A Up and coming tour é marcada pela expectativa em torno do repertório, que inclui clássicos de Paul com o quarteto de Liverpool. Yesterday, Hey Jude, Something, Day tripper, Let it be estavam em shows da turnê pela Europa e pelos Estados Unidos e é o que o músico promete para as apresentações brasileiras. Em mensagem enviada via internet aos fãs brasileiros, ele avisa: ;Vamos pegar vocês!”. E pensar que Brasília perdeu esse grande nome do rock mundial para a tal festa pelos 50 anos da capital...
O estadista do rock
Celso Loureiro Chaves
Fábio Prikladnicki
Do Zero Hora
Qual é o Paul McCartney que está em Porto Alegre? O ex-beatle? O líder do Wings? O compositor de músicas que todo mundo canta? O autor de oratórios eruditos e trilhas sonoras? O que derrapou tantas vezes na carreira? O estadista veterano do rock? Sim, provavelmente este. É difícil encontrar alguém que tenha tido tantos altos e baixos em 40 anos de carreira solo e que chegue aqui em curva ascendente, quase uma unanimidade, um estadista veterano do rock.
Nenhum dos Beatles caminhou por estrada tão longa e cheia de curvas. Não houve tempo para John Lennon ; o tiro numa rua de Nova York veio antes. George Harrison se afastou da música e morreu como uma sombra. A carreira solo de Ringo Starr é praticamente inexistente. Sobrou Paul. Não pela ausência dos outros, mas pela busca obstinada por uma vida pós-Beatles, um esforço para muito além da geração dos que eram jovens quando os vinis dos Beatles eram a onda e a palavra ;beatlemania; fazia sentido.
A carreira solo não poderia ter começado de modo mais desastrado. Let it be nem tinha saído e Paul quebrou o protocolo, lançando o disco McCartney, isso em 1970. A pressa custou caro: Paul tinha quebrado uma combinação com os próprios beatlemaníacos e agora, dissesse o que se dissesse, ele passara a ser o responsável pela dissolução dos Beatles. A raiz dos desentendimentos entre os quatro deixou de ser a ;japonesa; (como Yoko Ono era chamada) e passou a ser Paul. Isso era hora de lançar um disco individual? Para quem ousava o caminho sem volta da carreira solo, o primeiro vinil é um desastre. Mal cuidado, incompleto, quase um disco de sobras de estúdio. Logo depois, Ram ganhou uma crítica devastadora da revista Rolling Stone: ;É o buraco mais fundo da decomposição do rock dos anos 60;.
Chame-se isso de maldade ou rigor, mas foi aí que começou o purgatório de Paul. Para quem dizia que suas fraquezas musicais tinham se escondido atrás dos outros Beatles, Ram era a prova. Pouco importou que ele logo formasse um novo grupo, o Wings ; até John partiu para o ataque com How do you sleep, do vinil Imagine. Viúvos e viúvas dos Beatles são vingativos: o purgatório se arrastou pela década de 1970, com exceção talvez de Band on the Run. E de repente já era 1980, o Wings não existia mais, e Paul relançava a carreira solo com McCartney II, recebido com indiferença. Aí veio Tug of war, de 1982.
A mesma Rolling Stone que tinha arrasado os discos solo e os do Wings recebeu Tug of War assim: ;É a obra-prima que todos sempre souberam que Paul seria capaz de fazer;. Comparar um trabalho individual de Paul com os dois álbuns possivelmente mais importantes dos Beatles? De repente, a maré tinha virado, e a carreira individual começava mais uma vez, 10 álbuns depois. Veio o filme Give my regards to Broad Street, de 1984. Veio a excursão à União Soviética. A parceria com Elvis Costello. A diminuição de ritmo de trabalho e a depuração do estilo, a conquista da direção certeira da harmonia e da melodia.
Paul transformado em ;Sir; em 1997, a morte de Linda McCartney em 1998, o prêmio Gershwin da Canção Popular recebido de Barack Obama em 2010. E as canções? Há algo que se compare a Yesterday ou Hey Jude na carreira solo? Não com essa permanência na boca de todo mundo, mas a resposta é sim. Mesmo nos lugares mais inesperados há algo para lembrar. Maybe I;m Amazed, do primeiro disco solo, No more lonely nights, do filme de 1984, Live and let die, de um filme da série de James Bond, The world tonight, do CD Flaming pie, Dance tonight, do CD de estúdio mais recente.
Aos 68 anos, Paul segue a carreira de cancionista imperturbável, quase intocado pelo tempo e pelos vãos e desvãos da vida. Chaos and creation in the backyard, de 2005, é o melhor deles. Paul foi buscar o produtor Nigel Godrich, com seu tanto de serviços prestados ao Radiohead e a Beck, e a parceria evitou entrar para a lista dos encontros bizarros. O resultado é algo que se ouve do princípio ao fim com interesse e sem descaso, coisa que nem sempre acontecia nos discos mais antigos, tão irregulares.
Memory almost full é o primeiro enfrentamento de Paul com a velhice, sob a aparência de um álbum muito simples, cantável, dançável. É o álbum que leva diretamente ao ponto atual, no qual convivem a memória revivida das canções dos Beatles e a reflexão inevitável de um quase septuagenário que olha o caminho a trilhar mas sabe que ele é bem mais curto do que o caminho já trilhado.
BEATLEMANIA
Mesmo 40 anos depois do fim dos Beatles, o fenômeno da beatlemania continua. Como explicar que a coletânea 1, lançada em 2000, tenha sido, ao final de 2009, o disco mais vendido da década nos EUA, com 11,5 milhões de cópias? No princípio, era a histeria. Hoje, é a obsessão: é impossível ter tudo, mas vá convencer um beatlemaníaco disso. Uma rápida pesquisa por ;Beatles; na loja virtual Amazon.com indica mais de 31 mil itens (entre eles, 5 mil discos e 4,5 mil livros). E assim a banda se reinventa ; ou é reinventada. Depois de estimados 600 milhões de álbuns vendidos na história, os rapazes chegaram também ao videogame. O jogo The Beatles ; Rock Band, lançado em 2009, superou em quatro meses a marca do primeiro milhão de unidades vendidas.