Nahima Maciel
postado em 10/11/2010 08:23
Eles não são raros, embora sejam pouco comuns. Frequentam os palcos, muitas vezes, como acessórios e por isso passam despercebidos. A celesta nunca chegará aos pés do piano e a espineta não substituirá o cravo, assim como a trompa natural não terá projeção para entrar no lugar de sua irmã moderna ao lado de uma sinfônica. Mas a família é nobre e esses instrumentos têm lugar muito específico e pontual na música. O Diversão & Arte garimpou algumas dessas peças inusitadas que muitas vezes nem são percebidas pelo público ou, como no caso da espineta, permanecem mesmo nos bastidores, com funções técnicas como possibilitar o estudo e a prática.
Espineta
A cravista Ana Cecília Tavares comprou a pequena espineta quando morava em Paris. Não dispunha de espaço para um cravo - tão grande quanto um piano de cauda - e optou pelo teclado pequenino como um instrumento de brinquedo. O sistema é idêntico ao do cravo: as cordas são pinçadas. A diferença é o tamanho. A espineta pode ter entre 17cm e um metro. Algumas podem até ser colocadas sobre a mesa. "O cravo tem três registros e dois teclados", explica Ana Cecília. "E a espineta só tem um. A grande vantagem é a praticidade, por causa do tamanho." Na ausência do cravo, o pequeno instrumento pode até servir de substituto, mas os músicos evitam porque o alcance sonoro é pequeno. Em Brasília, Ana Cecília só usa mesmo para estudar, em casa, quando o cravo não está disponível.
Flautim
Quando Heitor Villa-Lobos quis reproduzir o canto do uirapuru no poema sinfônico que leva o nome do pássaro, usou um flautim. Com menos da metade do tamanho de uma flauta transversal e normalmente construído em ébano, produz um som mais agudo ao qual nem todos os flautistas se adaptam. Ariadne Paixão, flautista da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, se interessou pelo flautim exatamente por causa do timbre. "Ele exige uma preparação específica, não tem como estudar tanto quanto a flauta, o som fere e desgasta", conta. Geralmente, quando o agudo pequenino do flautim desponta nos concertos da orquestra brasiliense, é Ariadne quem está por trás do instrumento. "O repertório dele é basicamente orquestral, mas tem alguma música de salão e alguns concertos feitos pra ele", lembra.
Sinos tubulares
São os responsáveis por aquela sonoridade de sinos de igreja. O instrumento faz parte da percussão em grandes orquestras e consiste em 18 tubos de metais dispostos lado a lado em duas carreiras. Com uma baqueta, o músico obtém os sons. É muito comum na música do século 20, especialmente a new age. É dos sinos tubulares que sai a angustiante sequência de notas que virou tema do filme O exorcista. A trilha leva o título de Tubular bells e foi escrita por Mike Oldfield, em 1973, especialmente para o instrumento. Compositores contemporâneos, como Pierre Boulez e Olivier Messiaen, utilizaram muito os sinos em intervenções pontuais. Wellington Vidal, professor de percussão na EMB, conta que é um instrumento muito requisitado para casamentos. "Para fazer os sons dos sinos de igreja", explica.
Teremim
Inventado em 1911 pelo russo Lev Sergeivitch Termen enquanto pesquisava para construir um dispositivo de alarme eletrônico, o teremim foi o primeiro instrumento a produzir som eletrônico. Hoje, sintetizadores modernos dão conta do recado e a egenhoca de Termen é mais uma curiosidade que uma necessidade. "É uma peça de museu, é antigo e rudimentar", explica o maestro e compositor Jorge Antunes, que construiu o próprio teremim em 1961 para desenvolver pesquisas em música eletroacústica. Compositores como Edgar Varèse, Bohuslav Martinu e o próprio Antunes chegaram a escrever peças para o instrumento. O som emitido pelo teremim é conhecido como senoidal, considerado um som puro e sem harmônicos.
Celesta
Muitas peças sinfônicas incluem a participação da celesta, um teclado com uma mecânica diferente do piano e cuja sonoridade lembra um sino. Em vez de cordas, o martelo da celesta, quando acionado pela tecla, bate em lâminas de aço. Obras famosas como o Quebra nozes, de Tchaikovsky, e o balé Daphne e Chloé, de Maurice Ravel, incluem solos do instrumento. O som é fraquinho e as teclas precisam ser pressionadas com uma certa força. "É um instrumento da época barroca, com menos recursos que o piano e que tentava reproduzir a voz. A vez dela já está passando, vai para no museu", constata o pianista André Kakoviwc, que eventualmente toca a celesta do Teatro Naciona
Marimba, xilofone e vibrafone
Os três irmãos variam no tamanho e na frequência com que são usados na percussão seja em uma orquestra erudita ou numa banda popular. De origem africana, a marimba existe desde o século 16 e consiste em lâminas de madeira tocadas com ajuda de baquetas de ponta redonda. Já o vibrafone foi inventado no século 20. Também tocado com baquetas, conta com tubos de ar responsáveis pela sonoridade e raramente é visto em orquestras. Costuma ter mais destaque no jazz. Dos três, o xilofone é o mais solicitado na música erudita. George Gershwin escreveu solos de xilofone para Porgy and bess. "Mas hoje em dia existe solo para tudo", brinca Wellington Vidal, professor de percussão na Escola de Música de Brasília (EMB) e percussionista da Orquestra Sinfônica
Harmônica de vidro
É dramática e romântica a história deste instrumento. Construída com copos de cristal preenchidos com diferentes níveis de água e tocada com o dedo molhado, a harmônica de vidro era letal no século 17. Quem tocava morria. Durante muito tempo se atribuiu uma aura mística ao instrumento. No entanto, o tempo e a ciência mostraram que as mortes decorriam da composição tóxica da tinta usada para marcar a afinação. Desde então, o instrumento evoluiu e foi modernizado por Benjamin Franklin que, no século 18, inventou a versão mecânica: os copos são encaixados em um torno de madeira e girados graças a uma manivela. O músico Fernando Corbal, encantado pela sonoridade etérea do vidro, resolveu construir a própria harmônica com um conjunto de 25 taças de cristal herdadas da avó. Cada taça guarda uma nota. "Para as crianças, é mágico", conta. De tão delicado, o instrumento precisa de muito silêncio para ser tocado. Corbal gosta de usá-lo em todos os gêneros, do erudito ao popular. Muitos compositores escreveram para o instrumento, inclusive Wolfgang Amadeus Mozart, que fez o famoso Adagio & Rondo para harmônica de vidro e quarteto.
Trompa natural
Sem chaves, a trompa natural exige total controle da respiração, já que as notas só podem ser construídas com a variação do sopro. É um instrumento difícil de tocar e praticamente inexistente nas grandes orquestras. Era muito usado no período barroco, antes de lutiers inventarem as chaves para criar os tons e as notas das trompas. O trompista Iuri Zavanov resolveu investir no instrumento. "Ele é mais humano, tem um som mais suave, menos cheio", conta.