Diversão e Arte

Espetáculo mostra os instantes que antecederam fuzilamento de García Lorca

postado em 11/11/2010 07:35
O poeta espanhol Federico García Lorca foi um homem multifacetado. Ativo combatente das forças ditatoriais espanholas, socialista convicto, amigo de artistas surrealistas e de ciganos, grupos malvistos na sociedade de sua época, tinha uma preocupação especial com o universo feminino e ainda escancarava ao mundo sua homossexualidade. Tamanho arrojo acabou por transformá-lo em vítima fatal dos nacionalistas seguidores do ditador Franco. Mas os momentos finais de sua trajetória ainda inspiram artistas do mundo todo. Prova disso é que o autor Antônio Roberto Gerin escreveu a obra Uma última cena para Lorca, que acaba de ganhar sua segunda versão para o teatro, pelas mãos de André Amaro, diretor do Teatro Caleidoscópio. A peça estreia amanhã no espaço do grupo, localizado no Sudoeste, e segue em cartaz até 12 de dezembro.

Não se trata de uma obra realista, mas de uma fantasia sobre as horas de resistência que o romancista, poeta e dramaturgo enfrentou. Enquanto tenta se proteger do cerco policial na própria casa, com a ajuda de uma vizinha, o autor empenha-se em escrever a obra-prima. Gerin, o autor do texto, decidiu reunir, nessa obra dentro da obra, citações a várias personagens femininas que ganharam vida na imaginação do poeta. ;A presença das mulheres na obras de Lorca é sempre forte. O texto resgata esse regime da opressão feminina, um regime moral avassalador para as mulheres;, destaca André Amaro.

Luiz Alves/DivulgaçãoOs personagens de sua criação final transbordam do papel e ganham vida no palco. São mulheres interioranas ocupadas com os preparativos para uma festa municipal. Maria é a jovem que espera no portão pela chegada do pretendente e interage com suas parentes e vizinhas, algumas presas ao conservadorismo dominante, outras em vias de libertação. Do outro lado do portão, em uma referência à oposição existente entre as ideias de liberdade e prisão, um menino mantém a moça informada sobre as novidades da festa. Dividindo o mesmo cenário com seu inventor, cada personagem tem autonomia e liberdade de pedir a Lorca um final feliz. ;Eles acabam sendo um alterego dele, que sai de uma dimensão real para outra mais metafórica. Não é Lorca em conflito com seus personagens, mas com o mundo que o rodeia;, afirma Amaro.

Música castelhana
Além do clima e da temperatura visceral dos espanhóis, o diretor optou por compor músicas com forte sotaque castelhano. Na verdade, as composições são recriações de poemas do espanhol, recombinados e mantidos em sua língua mãe. Um deles, chamado Anda, Jaleo, foi incluído em sua versão original. Todas as músicas são executadas ao vivo, tendo o acompanhamento de violões e instrumentos de percussão. O elenco traz nomes fortes do teatro brasiliense como Dina Brandão e Vanessa Di Farias. Compõem a cena os intérpretes Da Mata, Dudu Bartholo, Elia Cavalcante, Flávio Monteiro, Lilian França, Pecê Sanvaz e Sheila Aragão.

O desejo de trazer o mítico poeta aos palcos brasilienses teve origens variadas. Depois de 25 anos de formado, André Amaro queria celebrar a data homenageando sua mestra, Dulcina de Moraes. Dela, guarda uma imagem forte: a diva encenando Bodas de sangue, de García Lorca, com a primeira turma que se formou na faculdade. No começo deste ano, lembrou-se de um texto de Antônio Roberto Gerin, sobre o poeta, que poderia ser útil no desenvolvimento de uma cena. O desempenho das atrizes envolvidas na encenação foi surpreendente e despertou a vontade de criar o espetáculo inteiro. Depois de conseguir autorização para a montagem. Amaro ainda pediu permissão para fragmentar as histórias da peça e alterar a ordem dos acontecimentos. Nada contra o texto. Apenas o desejo de também poder criar. ;Lorca é um excelente exemplo de boa literatura dramática e o texto parece ter sido escrito a quatro mãos: por ele e por Gerin;, elogia.

Caneta libertadora
Federico Garcia Lorca nasceu em Fuentevaqueros, em Granada, em 1898. Depois de estudar direito, ele se mudou para uma república de estudantes em Madri, onde entrou em contato com artistas como Salvador Dalí, Luis Buñuel e Rafael Alberti. Depois de uma passagem por Cuba e pelos Estados Unidos, Lorca volta à Espanha e funda um grupo de teatro chamado La Barraca, que evidenciava sua tendência socialista e a homossexualidade. As atividades dele incomodaram as vertentes conservadoras do país e o poeta teve a prisão decretada por um deputado que o considerou ;mais perigoso com a caneta do que outros homens munidos de armas de fogo;.

Em agosto de 1936, ele foi executado pelos nacionalistas com um tiro nas costas e seu corpo foi jogado na Serra Nevada. Depois de morto pelo regime do ditador Franco, Lorca teve a obra pouco divulgada e até mesmo censurada em seu país de origem, mas escritores do mundo inteiro se dedicaram a realçar sua figura. Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Murilo Mendes são alguns deles. Ao longo da carreira, ele escreveu obras de poesia, prosa e textos teatrais, alguns publicados após sua morte.

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