postado em 12/11/2010 07:38
Os verões da Califórnia não perderam o encanto: ainda reluzem, mesmo que com certa nostalgia, na imaginação dos roqueiros que procuram o refrão perfeito. Mas, tradições à parte, o paraíso dos surfistas talvez decepcione aqueles que ainda sonham em viver a vida sobre as ondas. Em 2010, o estado norte-americano produziu uma onda musical que se refugia literalmente à sombra dos clichês ensolarados da cena local. Defendida por mulheres nada bronzeadas, a safra indie troca a doçura pelo mal-estar.Existe, é fato, uma certa leveza no ;dream pop; do Best Coast, nos ruídos acolchoados do Dum Dum Girls e nas paisagens surreais do Glasser. É o Warpaint, no entanto, que revela as reentrâncias mais misteriosas (e até assombradas) da Califórnia. Nada de brisa, água fresca ou de feminices que a indústria do rock ; um clube ainda predominantemente masculino e conservador ; exige das ;bandas de garotas;. Em vez disso tudo, um inverno rigoroso.
Ao rejeitar o tom meigo dos grupos vocais sessentistas ou a fúria feminista das ;riot grrrls; (nos anos 1990), o quarteto exige ser tratado sem distinções de gênero. Rock de mulherzinha? Elas tomam esse tipo de rótulo como ofensa. ;O único exemplo que queremos dar às garotas é muito simples: sejam sinceras e façam o que quiserem;, comentou a baixista e vocalista Jenny Lee Lindberg, em entrevista ao site BRM.
Na adolescência, as amigas Jenny, Theresa Wayman e Emily Kokal não se deixavam arrebatar pelas ousadias de musas rebeldes. Preferiam as criações muitas vezes enigmáticas do The Cure, do Depeche Mode e do Radiohead. Essa paixão juvenil pelas agonias do rock envenena a estreia do grupo, The fool, e reforça a impressão de que a Califórnia deste quarteto é mais arrepiante do que as outras. Para o semanário britânico New Musical Express, elas gravaram um dos melhores discos do ano.
Após seis anos de depuração, o estilo do Warpaint enfrentou mudanças de formação (hoje, Stella Mozgawa assume as baquetas) e sofreu desvios bem-vindos. O primeiro compacto, Exquisite corpse (2009), foi produzido por John Frusciante, ex-guitarrista do Red Hot Chili Peppers (e ex-namorado de Emily). Soava potente, mas sem muitas sutilezas. Em comparação, The fool é uma esfinge: sedutor e elegante, conquista lentamente o ouvinte. Pode lembrar a finesse dos britânicos do The XX, que saíram em turnê com as americanas.
As texturas econômicas, sem excessos, escondem versos pesados, pessoais, divididos entre Jenny, Theresa e Emily. ;Na cidade onde eu caminho, me sinto uma sombra;, elas avisam, em Shadows. Com referências espertas a ídolos como Kurt Cobain (na ótima Undertow, que rouba a melodia de Polly, do Nirvana) e Beatles (em Baby, com trecho de Long long long). Escalado para o Lollapalooza de 2010 e com um currículo que inclui shows de abertura para o Vampire Weekend, o Warpaint desponta com um disco que, avesso do pop perfeito, cobra paciência e atenção. A recompensa não é pequena.
WARPAINT
Conheça o quarteto de Los Angeles em www.myspace.com/
worldwartour e www.warpaintwarpaint.com. O disco The fool é um lançamento da Rough Trade Records. Importado. ****
Se gostou, ouça
Conheça o pop ruidoso de outras meninas venenosas de Los Angeles, Califórnia.
Dum Dum Girls
; O quarteto (formado por Bambi, Dee Dee, Jules e Sandy) assinou com a Sub Pop e lançou o saboroso I will be. Prepare-se para uma colisão entre vocais graciosos e uma produção noise. Sujeira com estilo. Ouça em www.myspace.com/ dumdumgirls.
Glasser
; A cantora Cameron Mesirow apareceu na lista de 50 novos artistas de 2010, publicada pelo semanário britânico New Musical Express. A definição da revista é de dar água na boca: ;Uma combinação electro de Joni Mitchell com Cocteau Twins;. Ouça em www.myspace.com/glasssser.
Best Coast
; O trio, que já apareceu aqui no Garagem, lançou este ano o
elogiado Crazy for you. A banda ainda tem uma estradinha para caminhar, mas a vocalista Bethany Cosentino já é, dos pés à cabeça, uma musa indie. Ouça em www.myspace.com/bestcoast.