Diversão e Arte

Sete meses após se assumir homossexual, Ricky Martin lança autobiografia

Nahima Maciel
postado em 14/11/2010 07:40
Ricky: Ricky Martin, 38 anos, decidiu escrever a autobiografia Eu por causa dos dois filhos. Queria ensinar aos meninos a crescer sem precisar esconder nada de ninguém. E preparou o terreno para fazer do livro um sucesso. Há sete meses, o cantor assumiu a homossexualidade em um blog e em entrevistas. Com o alvoroço causado pela revelação, estava pronto o caminho para Eu. Mas que o leitor não espere grandes revelações além da já batida tecla da homossexualidade. É comedida e em tom de autoajuda a autobiografia do ex-Menudo. Logo no início, ele avisa que não citará nomes e, de fato, não cita. Pelo menos quando se trata de situações mais íntimas ou comprometedoras.

Obviamente, autobiografias não costumam ser portadoras de notícias desagradáveis sobre seus autores. Em Eu, a trajetória de Ricky Martin parece acontecer em céu de brigadeiro cheio de pequenas lições para superar obstáculos e dificuldades em uma escrita infantil. ;Foi muito difícil, mas tornar-se homem é isto: enfrentar os desafios que a vida põe no nosso caminho e aprender a crescer com eles;, ensina. Para os fãs que fizeram fila na véspera do lançamento nas portas das lojas em San Juan (Porto Rico), terra do cantor, Eu é um evento muito aguardado.

<b>Eu</b><br>De Ricky Martin. Tradução: Maria Fernanda Cavallari e Pedro Barros.<Br>Planeta, 304 páginas. R$ 34,90.A homossexualidade pauta o livro do início ao fim. Na introdução, Martin avisa: ;Não sei dizer exatamente quando me dei conta disso, mas sei que cheguei ao ponto em que não podia mais viver sem enfrentar a minha verdade. Foi por isso que finalmente resolvi acabar com o segredo que guardei por tantos anos. Decidi contar para o mundo que aceito minha homossexualidade e celebro esse dom que a vida me deu;. Filho de uma tradicional família porto-riquenha, o cantor lembra como precisou lutar contra o ideal latino de masculinidade e as cobranças para assumir a orientação sexual. Desde a adolescência, ainda como integrante do Menudo, percebia o próprio interesse por meninos, mas preferia não dar atenção aos desejos.

Primeiros passos
Eu começa com a infância do artista e os primeiros anos no palco, ao lado dos integrantes da primeira boy band latina dos anos 1980. Quando deixou o grupo, no início dos anos 1990, Martin fez novelas no México antes de desembarcar para Los Angeles para trabalhar na novela General hospital. Foi o período em que viveu sua primeira paixão homossexual, por um apresentador de rádio pelo qual quase largou tudo. ;Um amor daqueles em que você mergulha de corpo e alma, e dessa vez foi um homem, por quem quase desisti de tudo;, escreve. ;Enquanto estava com ele parei de ter medo da minha sexualidade, e estava pronto para enfrentá-la e anunciá-la para qualquer um e para todo mundo que estivesse disposto a ouvir.; No entanto, o anúncio aconteceu somente este ano, depois de Martin vender 17 milhões de cópias do single Livin; la vida loca e de ganhar o Grammy Latino pelo álbum Vuelve, em 1998.

Escrito de forma simples, direta e infantil, Eu revela ainda curiosidades como a presença do também ex-Menudo Robby, hoje produtor, por trás do sucesso de María, primeiro hit como astro da música pop latina, e detalhes da apresentação realizada no Stade de France em 1998 no encerramento da Copa do Mundo. Martin foi convidado para escrever o hino do mundial naquele ano. La copa de la vida tocou em todas as televisões e rádios durante o campeonato e o cantor deveria ser o astro da festa de encerramento, mas deixou vazar para a imprensa que subiria ao palco do estádio e a Fifa não gostou. Martin acabou punido: cantaria na festa, mas sem palcos, bailarinos ou efeitos especiais. A solução foi realizar o show no gramado mesmo, com uma dezena de músicos vestidos de branco e preto. A ambição de se tornar o garoto-propaganda latino-americano, segundo o cantor, foi determinante em aceitar as condições.

A autobiografia traz ainda um capítulo dedicado à paternidade e ao nascimento dos gêmeos Matteo e Valentino. Martin conta o processo de escolher uma barriga de aluguel para gerar os filhos, mas não dá pistas sobre a receptora. Na época do parto, em 2008, revistas de celebridades especularam que o pai seria um ator latino-americano notório pela homofobia. Martin se limita a contar o quanto os gêmeos mudaram sua rotina e como se dedica diariamente aos cuidados com as crianças. O livro vale como o registro de uma década em que a música pop latino-americana conquistou as paradas norte-americanas, embora não traga nada de revelador sobre o artista.

Trecho de Eu, de Ricky Martin

"De qualquer forma, apesar de na época ser uma estrela por causa do Menudo, amadureci tarde. Muitos dos meus amigos já tinham feito o papel de arrasa-corações e até estado com meninas. Todos eles, na verdade, menos eu. Em outras palavras, de todos os meus amigos, eu era o único virgem, e era constantemente pressionado por eles. Ficavam me perguntando: "Quando vai acontecer? Quando você vai estar pronto?". Até que finalmente chegou o dia em que fiz sexo com uma menina. Ela era legal, mas minha decisão tinha muito mais a ver com a pressão dos meus amigos, assim como a da nossa sociedade, que diz que um homem nunca deve dizer nãos e tiver a oportunidade de transar. E ainda havia um acordo tácito entre nós, no Menudo, de que quem fazia mais sucesso era o que conseguisse mais garotas. Eu sabia que tinha que corresponder a essa obrigação. Mas não me senti à vontade e naõ consegui apreciar esse momento que, segundo minhas expectativas, deveria ter sido mais romântico, talvez com um pouco mais de lampejos."

"Não sei se, por causa do que represento, as pessoas com quem estou às vezes se sintam um pouco intimidadas, mas seja com homens ou com mulheres, sou sempre eu quem dá o primeiro passo."

"Pode ser que eu o amasse mais do que ele me amava, ou talvez ele ainda tivesse que se encontrar em alguns outros aspectos da vida dele. Quem sabe? O fato é que nós balançamos um ao outro. Enquanto estava com ele parei de ter medo da minha sexualidade, e estava pronto para enfrentá-la para qualquer um e para todo mundo que estivesse disposto a ouvir. Foi por causa desse relacionamento que me assumi para minha mãe. Quando acabou, ela percebeu que eu estava muito triste e perguntou: ;Kiki, você está apaixonado?;

;Estou, Mami;, respondi, ;totalmente apaixonado;.

;Aaaah;, ela disse. ;E é por um homem que você está apaixonado?;

;Sim, Mami. É um homem.;

Quando o relacionamento acabou, disse a mim mesmo que esse talvez não fosse meu caminho. Minha alma estava sofrendo; eu me sentia abandonado, sozinho, em pedaços. Tanto sofrimento não parecia ser natural, então meu instinto foi me convencer de que ficar com homens era um erro. Tranquei meus sentimentos mais profundamente ainda e comecei a namorar mulheres de novo, na esperança de que com uma delas finalmente encontraria o verdadeiro amor."

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