Diversão e Arte

Biografia e DVDs revelam versatilidade e reveses da carreira de Paul Newman

postado em 16/11/2010 07:29
Paul Newman no sucesso O mercador de almas, de 1958: morte de James Dean, três anos antes, abriu espaço para o novo galãPara entender o homem por trás dos lendários olhos azuis, o livro Paul Newman: uma vida, lançado praticamente dois anos após a morte do astro, resgata a história dos antepassados dele ; imigrantes europeus em busca do tal sonho americano. O contexto, elaborado pelo crítico de cinema e biógrafo Shawn Levy, vem ao lado da descrição da trajetória do ator em um subúrbio próspero de Cleveland: a pequena, elitista e arborizada Shaker Heights, a qual o biografado chamou de ;convento;. Simultânea ao lançamento do livro, a chegada de dois filmes inéditos em DVD (O mercador de almas e Doce pássaro da juventude) mostram a embrionária construção da imagem do astro de O indomado, enquanto um galã dotado de imperfeições, com altas doses de ambição e pitadas de sarcasmo.

Apesar do temor de não corresponder às expectativas do pai, Newman fugiu dos negócios da família para seguir a carreira de ator. Depois de batalhar no teatro e na televisão, teve sua chance de brilhar no cinema graças a um trágico acontecimento: a morte de James Dean num acidente de carro. Como era a segunda opção para o personagem, recebeu o papel de Rocky Graziano em Marcado pela sarjeta (1956). Daí, estava aberta a galeria de interpretação de tipos atormentados e anti-heróis carismáticos em filmes como Rebeldia indomável (1967), Butch Cassidy (1969) e Um golpe de mestre (1973).

Paul Newman: <br> uma vida.  De Shawn Levy (tradução de Regina Lira). Editora Agir,  496 páginas. Preço:  R$ 59,90.Mais rentável da dobradinha lançada em DVD, O mercador de almas se tornou a sexta maior bilheteria para a Fox, em 1958, comprovando o poder de chamariz do astro. Pouco aprofundado, nos termos da tensão econômica e racial que acompanhavam a produção literária do prêmio Nobel William Faulkner, fonte para o roteiro que funde cinco contos e um romance (A aldeia) dele, o filme dirigido por Martin Ritt ficou muito famoso por marcar o primeiro encontro cinematográfico entre Paul Newman e Joanne Woodward, que sustentariam, na vida real, um casamento de meio século. A incerteza da união arranjada entre Clara Varner (Woodward), filha do magnata que domina a aldeia Recanto Francês, e o protagonista Ben Quick (Newman), ;mau e corrompido;, como ela tacha, por causa dos ;frios olhos azuis;, embala a trama de O mercador de almas, ambientada nos arredores de Memphis (Mississipi).

A resistência da heroína, que lê romances de Jane Austin, serve na verdade como estímulo para o espírito predador de Quick, numa caracterização prevista inicialmente para Marlon Brando e Robert Mitchum. O papel de Quick, um rapaz de caráter ambíguo, seguiu a primeira projeção de Newman, alcançada em Marcado pela sarjeta. À frente do arrogante forasteiro (acusado de depredar o patrimônio alheio) e com duas cenas que expunham demais a boa forma física dele, o futuro astro de A cor do dinheiro faturou o prêmio no Festival de Cannes. Num contraponto ao debochado Quick, a lânguida Clara vem a reboque da composição original de Joanne Woodward, que acentua tanto o sotaque sulista quanto o caráter enfastiado da personagem. Ciente das ;armadilhas femininas;, Clara chega a alertar o pretendente Alan (Richard Anderson) de que ;é inútil continuar fingindo que as garotas não pensam em sexo;, evidenciando os contornos eróticos do filme.

Brilho reservado
Pelo que descreve Shawn Levy, no livro Paul Newman: uma vida, o caráter vaidoso cunhado pelo astro não ressonava na vida real. Newman sempre se recusou a tirar proveito da boa-pinta de galã. Um dos maiores astros de Hollywood, contrariou a fama, com acirrada tendência à vida reservada. Modesto, transformou a filantropia em cartão de visita muito antes do modismo entre as celebridades. Ao definir a carreira de Newman, Levy é pontual: ;Não foi o maior ator americano, nem mesmo o maior ator da sua safra. Mas, sem dúvida, foi o ator mais americano, o sujeito cujos papéis e personas melhor captaram a tendência da sua época e de seus contemporâneos;.

Para se libertar do alvoroço inerente ao ofício, Newman focava objetivos pessoais em atividades paralelas como a do automobilismo. Nem as críticas pelo ingresso tardio no mundo da velocidade o refrearam. Obstinado, alcançou conquistas notáveis como piloto amador, profissional e chefe de equipe. Como biógrafo, Shawn Levy demonstra admiração pela porção humana do astro. De forma honesta, porém os defeitos, como marido e pai, não são camuflados: há registros desde o alcoolismo à morte do filho por overdose, passando pela gênese do casamento com Woodward, alicerçada em caso extraconjugal. Escrito em uma linguagem simples e acessível, o retrato único que Levy conseguiu permite conhecer a fundo um astro, por excelência, resguardado: ;O papel mais difícil para mim é o de Paul Newman. Minha personalidade é tão insípida e afável que preciso roubar as personalidades dos outros para ser notado;, admitiu o ator, em raro momento de descontração.

O mercador de almas (1958), de Martin Ritt
; A compulsão sexual representada no filme ; que foi vendido, enganosamente, como aparentado do escandaloso A caldeira do diabo ; se limita ao texto, como quando há cobrança de que a mocinha faça ;algo inadequado; ou quando personagens são definidos como ;animais jovens e saudáveis; capazes de ;sentirem o cheiro; de outros. O excesso de situações comportadas, num final assemelhado a novela, reforça a estreita visão do pai dominador da mocinha, interpretado por Orson Welles (à beira do clássico A marca da maldade). Com direito a uma amante sem futuro (Angela Lansbury), o machista Will Varner (Welles) alardeia que ;sem um homem, uma mulher é só metade do que pode ser;. Decadente, na medida exigida pelo personagem, o astro de Cidadão Kane teria se desentendido, nos bastidores, com a trupe em ascensão ; Newman, Woodward e Lee Remick ;, integrada por ex-alunos do diretor Martin Ritt (no Actors Studio), que dava a volta por cima, passado o processo de caça a comunistas.

Doce pássaro da juventude (1962), de Richard Brooks
; Com a moderação do caudaloso teor lascivo do autor Tennessee Williams (em que o longa é baseado), o personagem de Newman, Chance Wayne ; um gigolô com evidentes aspirações de ator ; é relativamente eclipsado, dada a escalação de peso do elenco (todo indicado para prêmios Oscar de interpretação): Geraldine Page encabeça a fita como a diva de cinema Alexandra del Lago (explorada por Newman), enquanto a maior rival dela, Shirley Knight, compõe um antigo amor de Chance que é completamente dominada pelo tipo durão criado por Ed Begley (melhor coadjuvante, com a estatueta da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas), um ricaço sem polidez e ética.

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