Assombrado pela crise política que se instalou no Governo do Distrito Federal em 2010, o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro não perdeu o gosto pela resistência. A mostra mais combativa do país está pronta para, a partir de hoje, confirmar um hábito antigo: a defesa de filmes inquietantes, muitas vezes radicais, que convidam o público a refletir (e reagir) diante das imagens projetadas nas telas. O perfil da 43; edição, no entanto, promete ressaltar uma outra marca do evento ; o poder de renovação. Os seis longas-metragens que concorrem ao Candango são assinados por cineastas que estreiam na sessão principal da mostra competitiva em 35mm.
A ausência de diretores veteranos faz deste ano um capítulo atípico na história do festival. Em 2003, por exemplo, a lista de diretores de longas selecionados incluía Rogério Sganzerla, Júlio Bressane e Sylvio Back ; mas nenhum novato. No ano passado, nomes familiares aos habitués da mostra, como Evaldo Mocarzel e Geraldo Moraes, circularam no Cine Brasília. Em 2010, cada noite instigará novas expectativas. Pode-se esperar surpresas de um time de autores cujos estilos ainda não são reconhecidos pelo público do festival. O desafio de marcar território une as ;estreias; de Felipe Bragança e Marina Meliande (A alegria), Tiago Mata Machado (Os residentes), Sérgio Borges (O céu sobre os ombros) e Marcelo Lordello (Vigias).
Mesmo os realizadores com maior visibilidade no cinema nacional trazem a Brasília obras que, concentradas em grande parte no eixo Rio-Minas Gerais, têm ares de début. Eryk Rocha (de Rocha que voa) e João Jardim (de Janela da alma e Pro dia nascer feliz) se aventuram pela primeira vez no universo dos longas de ficção com, respectivamente, Transeunte e Amor? ;É uma curadoria muito interessante, corajosa. A maioria dos selecionados é de uma geração que começou a fazer filmes na mesma época e hoje tem entre 30 e 40 anos. Nenhuma dessas obras trabalha com modelos convencionais de produção ou narrativa. É, por isso mesmo, um momento instigante;, resume Eryk, 32 anos.
[SAIBAMAIS]Juntos, os seis escolhidos apresentam uma safra com traços em comum. Um deles é a familiaridade com a tecnologia digital. Outro, e que deve se tornar um tema recorrente nas mesas de debate do festival, se revela no desejo por ignorar os limites entre a ficção e o documentário. ;Eu diria que Amor? é o primeiro filme de ficção que faço. Só tem uma imagem de arquivo. Mas ele foi todo desenvolvido a partir de entrevistas;, exemplifica João Jardim, 46 anos. A colaboração entre equipes também se mostra uma onda inevitável: o fotógrafo e montador de O céu sobre os ombros, Ivo Lopes Araújo, também fotografa Vigias. Já a roteirista do longa, Manuela Dias, colabora em Transeunte.
Fricção
Para Sérgio Borges, 35 anos, que estreia na direção de longas, a teia de festivais brasileiros encurtou distâncias entre os novos cineastas. ;Uma marca desta geração é o acesso farto à produção contemporânea do mundo inteiro. Existe um novo cinema que está fazendo uma fricção entre a realidade e a ficção. A visibilidade do festival vai evidenciar ainda mais essa tendência no Brasil;, aposta. Tiago Mata Machado, que está no segundo longa (o anterior, O quadrado de Joana, estreou em Tiradentes, em 2006), identifica uma outra característica da ;turma;: a disposição para o risco. ;Parece que é uma geração com um perfil mais autoral. Os filmes são um pouco mais arriscados;, afirma. ;É um cinema liberto de amarras;, reitera Marcelo Lordello, 29 anos, estreante em longas.
Com escala no Festival de Cannes, onde apresentou A alegria, Felipe Bragança prefere entender sob outra perspectiva as escolhas da comissão de seleção ; de que participaram, entre outros, os diretores Bruno Safadi (Meu nome é Dindi) e Jeferson De (Bróder). ;Se há concentração de filmes de novos diretores, pode ser um sintoma da lista de inscritos. Acho que foram escolhidos os melhores filmes, simplesmente;, observa o diretor de 29 anos, que codirige o segundo longa da carreira novamente ao lado de Marina Meliande (com quem filmou A fuga da mulher gorila). Para o público, os novos olhares representam algo mais: a possibilidade se surpresas a cada sessão.
Colaboraram Mariana Moreira, Ricardo Daehn, Yale Gontijo e Regina Bandeira (especial para o Correio)
Os longas que concorrem ao Candango serão exibidos no Cine Brasília em duas sessões, às 20h30 e 23h30, com reprises no CCBB e no Cinemark Pier 21.
Quarta
A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande (106min, RJ)
Quinta-feira
Transeunte, de Eryk Rocha (100min, RJ)
Sexta-feira
Os residentes, de Tiago Mata Machado (120min, MG)
Sábado
O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges (72min, MG)
Domingo
Amor?, de João Jardim (100min, RJ)
Segunda-feira
Vigias, de Marcelo Lordello (70min, PE)
43; FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
Nesta terça, cerimônia de abertura na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro, às 20h30, para convidados, com exibição do curta 50 anos em 5, de José Eduardo Belmonte, e da cópia restaurada de Lilian M: relatório confidencial, de Carlos Reichenbach. Mostra competitiva em 35mm começa nesta quarta no Cine Brasília (106/7 Sul), em sessões às 20h30 e às 23h30. Ingressos a R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.