postado em 26/11/2010 08:00
Relações conflituosas entre pais e filhos rendem pano para manga em tablados teatrais do mundo inteiro. Vem da Bélgica uma história que soa realista em qualquer país: um pai e um filho vivem às turras, não conseguem compartilhar momentos de intimidade, mas depois de um encontro intenso e recheado de catarses, resgatam um amor mútuo. O texto do dramaturgo Serge Kribus ganhou várias montagens pelo mundo e, aqui no Brasil, conta com o reforço dos atores Rodrigo Lombardi e Fulvio Stefanini, indicado ao Prêmio Shell de melhor ator este ano pelo papel. Depois de estrear em maio na cena paulistana, o espetáculo passou por algumas cidades brasileiras e é a atração da Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional neste fim de semana. A chegada em terras brasileiras se deu pelas mãos de Paulo Autran. Em 2001, ele se encantou pelo original e começou o que seria o seu último trabalho de tradução, mas a montagem Visitando o sr. Green acabou por desviar sua atenção. O plano original era Autran interpretar o pai, e o ator Marco Ricca, o filho. Após a morte de Autran, Ricca assumiu a direção e escalou os colegas para a função. ;Como Kribus é um autor-ator, ele faz um texto muito teatral, que possibilita diversas leituras. Paulo Autran também era um homem do teatro, tinha consciência das possibilidades cênicas e colocou sua experiência na tradução. O resultado é um texto fluente e gostoso;, destaca Stefanini. ;É um texto sem barreiras, universal. Com frequência ouvimos na plateia: ;Olha você ali; ou ;ele se parece com seu pai;;. ;O público se identifica;, completa Lombardi.
O veterano Stefanini dá vida a Boris Spielman, um ator decadente que consegue o papel de Rei Lear, épico de Shakespeare, numa peça. Como a calefação de seu apartamento está com defeito e ele não quer se arriscar a perder a chance de atuar caso pegue uma pneumonia, pede abrigo na casa do filho, o publicitário Henrique, vivido por Lombardi. O cenário que encontra na visita surpresa é desolador: abandonado pela mulher, que levou embora o filho do casal, Henrique acaba de ser demitido. No intervalo de um dia, eles se digladiam, repassam a relação e acabam se conhecendo melhor. ;Boris é extremamente anarquista, irreverente, chega a ser inconsequente. Mas há cenas comoventes. Os dois têm pontos em comum, são apaixonados pelas mulheres, falam desse amor e, em um determinado momento, parece não haver distância entre as gerações deles;, revela Stefanini.
Para Lombardi, as transformações que os personagens enfrentam são resultado do fim das diferenças que eles acreditam ter. ;Essas diferenças se aproximam, fazem com quem ambos se identifiquem e percebam que, no fundo, são praticamente iguais;, explica. Apesar da carga emocional que carrega, a peça garante momentos mais leves e engraçados. Como no momento em que o ator resolve interpretar Shakespeare para uma plateia improvisada. Os diálogos são ágeis e carregados de ironia.
A ação se passa em três ambientes: o apartamento do filho, uma praça e uma cadeia. Para variar de um a outro, o cenógrafo André Cortez optou pela simplicidade: dois painéis se movimentam no palco, como se fossem paredes transparentes, revelando e escondendo ambientes. A iluminação de Maneco Quinderé completa o jogo cênico.
A GRANDE VOLTA
Texto de Serge Kribus e direção de Marco Ricca. Com Fúlvio Stefanini e Rodrigo Lombardi. Dias 27 e 28 de novembro, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro (Setor Cultural Norte - Via N2 - 3325-6239). Sábado, às 21h, e domingo, às 20h Ingressos a R$ 60 e R$ 30 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos
Três perguntas - Fulvio Stefanini
Por que o espetáculo se chama A grande volta?
O texto original se chama O grande retorno de Boris Spielman e é bem focado na retomada da carreira pelo ator. No nosso caso, além de abordar o aspecto do retorno aos palcos, o título pode representar a grande volta que a vida dá, a volta na relação deles. Nosso título ficou híbrido para que as pessoas possam enxergar ali o que elas quiserem. Essa história poderia ser feita de várias formas e escolhemos o caminho humano, verdadeiro, sincero, identificável pelas pessoas, comovente nos momentos em que precisa ser, com toques de comédia.
A peça lhe trouxe novas reflexões como ator?
É uma coisa curiosa. Sinto que amadureci como ator. Hoje tenho muito mais segurança nas coisas que faço, estou mais ciente da minha carreira. Essa peça me deu a oportunidade de avançar, de trabalhar bem o personagem, e isso é fruto de tantos anos de atuação. Personagens mais velhos são poucos e quando cai um bom na sua mão é preciso aproveitar.
Esse papel lhe rendeu indicações a prêmios?
Sim. Esse personagem é um prato cheio, dá margem a uma composição de tipos, se você souber aproveitar, e parece que eu soube. Além de ter sido indicado ao prêmio Shell de melhor ator, que já ganhei em outra ocasião, estou concorrendo ao Prêmio Quem 2010 (da Revista Quem). Não faço teatro para ganhar prêmio, mas fico envaidecido. Se vier, será ótimo, mais um na minha carreira.