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Francês defende que vinho deve ser apreciado com emoção

postado em 27/11/2010 08:00
Apreciar um vinho não é um ato racional, apesar de, geralmente, vir acompanhado de meticuloso ritual ; verificar a cor do líquido contra a luz, mexer o copo, sentir o aroma e depois, com um gole, perceber o sabor. A bebida pede também paixão, defende Pierre de Benoist. ;Quando você prova um vinho com a cabeça, pensa: ;Ele é benfeito e obedece a todas as regras;. Porém, quando degusta com seu coração, com seus sentidos, aí sim pode dizer: ;Eu amo esse vinho;;, diz o francês, um dos maiores especialistas de seu país no assunto. Aos 37 anos e muita experiência, ele comanda a tradicional vinícola Domaine Villaine, na região da Borgonha, e sua família produz um dos vinhos mais caros que existem, o Romanée Conti.

A relação dos Benoists com os vinhos começou há quase dois séculos. Pierre bem que ensaiou fugir da tradição familiar, ao se tornar advogado em Paris, mas acabou se rendendo. Ele aprendeu tudo o que sabe com o tio Aubert de Villaine, dono da marca Romanée Conti, produzido na vinícola de mesmo nome, também na Borgonha. Foi Villaine que convenceu Benoist a se dedicar ao negócio da família. Juntos, mantiveram a tradição e produzem a bebida com as mesmas técnicas criadas pelos monges da região durante a Idade Média. Foi depois de pesquisar o método de produção dos religiosos que Villaine e o sobrinho decidiram apostar na aligote, uma uva pouco valorizada na França.

Um dos vinhos da Domaine Villaine em frente à área  de 23 hectares da vinícola:  técnicas de produção que remontam à Idade MédiaMais uma vez a família acertou. O terreno de Bouzeron, comuna da Borgonha onde fica a vinícola, é perfeito para a fruta. Os rótulos de brancos produzidos ali com aligote e chardonnay estão entre os mais elogiados do mundo. A Domaine Villaine produz também um prestigiado tinto com pinot noir. Para chegar à excelência, a produção é feita com esmero. O cultivo é 100% orgânico e o respeito pela terra é identificado no produto final.

Durante um jantar realizado na semana passada no restaurante Piantella, organizado pela importadora Expand para apresentar os quatro vinhos produzidos por Benoist, o francês mostrou o quanto pode ser perfeccionista. Opinou na escolha dos pratos que harmonizariam com os rótulos e quis saber a procedência dos ingredientes, como se o roquefort servido era mesmo francês. Quando soube que o prato principal seria escargot, ficou desconfiado. Admitiu que não imaginava que um dia comeria o prato francês nos trópicos. Mesmo surpreso, foi rigoroso na avaliação. ;Está bom, mas a manteiga apagou o sabor natural;, disse. Em entrevista ao Correio, Benoist falou com orgulho de seu trabalho, mostrou-se interessado pela fabricação da cachaça e confessou que provou um vinho produzido na Região Sul do Brasil, mas não gostou. Elogiou, porém, o sabor do tambaqui que provou na capital federal.

Como é fazer parte uma das famílias mais importantes da Borgonha?
Aubert de Villaine é irmão de minha mãe. Em 1961, ele e meu pai decidiram comprar um vinhedo, em Sancerre, e eu vivi lá toda a minha infância. Quando cresci, quis me afastar daquilo e fui para Paris. Me tornei um advogado. Meu irmão mais velho já trabalhava com sucesso com meu pai e eu achava que não existia lugar para mim. Mas fazia alguns negócios em Paris para a família. No começo de 2000, meu tio me ligou e me perguntou se eu não queria trabalhar para ele. Como ele não tem filhos, queria que a gente fizesse parte daquilo. Ele disse: ;Você conhece o vinho, volte, por favor;. Depois de tomar uma garrafa de vinho da vinícola que ele queria que eu comandasse, resolvi aceitar.

Como é o trabalho que vocês desenvolvem na Domaine Villaine?
Para trabalhar com vinho, é preciso usar as mãos, a inteligência e o coração. A vinícola é muito simples e pequena. São 23 hectares de plantação de aligote, chardonnay e pinot noir. Uma de suas principais características é a riqueza do solo. Quando meu tio comprou aquela terra, em 1971, entendeu que o terroir (relação entre o solo e a planta) era para esses tipos de uva, e isso é muito importante. A planta expressa sua qualidade nas frutas.

Como foi a decisão de apostar em uma uva tão diferente como a aligote?
A aligote é muito usada na França para fazer o vinho básico; tem muita acidez e é mais agressiva. Mas na região de Bouzeron, ela cresce de maneira diferente, por causa da qualidade do solo e também porque decidimos manter cultivá-la da forma tradicional, como os monges faziam. Eles provavam a terra, literalmente, antes de plantar, não tanto para garantir a qualidade, mas para poder se adaptar às condições. Quando fizemos a pesquisa, descobrimos que eles costumavam fazer a plantação mais perto do topo da colina, onde o solo é rico e não muito profundo. Então tivemos a oportunidade de manejar bem o rendimento da aligote.

A França valoriza muito o terroir, qual é a importância dele para o vinho?
O terroir não é tão importante para a qualidade, mas para a identidade do vinho. É com ele que você cria uma história, uma cultura para a bebida. Na Borgonha, o terreno é essencial, mas a implementação do sistema pelos monges medievais é que distinguiu a área. E o trabalho do passado foi renovado por causa desse tipo de vinho único. Não é apenas a terra, mas o ar puro, o brilho do sol, as flores, toda a atmosfera.

Vocês produzem vinhos orgânicos há mais de 20 anos. O que faz um vinho orgânico ser tão especial?
Manter tradição é uma das maiores caraterísticas da vinícola. Então, usamos a cultura orgânica, que consiste em juntar a energia mineral, a vegetal, a dos astros e, é claro, dos homens, no caso eu (risos). Eu não faço o vinho com a minha cabeça, e sim com meus sentidos. A ideia é proteger essas energias e usar apenas o trabalho manual. Encontrar soluções naturais para preservar as vinhas e fazer com que elas estejam conectadas com a biodiversidade. Tudo isso é essencial para a complexidade do vinho.

O senhor já experimentou algum vinho brasileiro? O que achou?
Engraçado que no Brasil provei apenas meus vinhos. Provei um vinho do Sul uma vez e não gostei. Não conheço muito os vinhos feitos na Argentina e no Chile, mas vejo que eles estão por toda a parte aqui. Deve ser por causa das taxas de importação. A presidente Dilma não gosta de vinhos? Talvez ela possa facilitar a importação dos vinhos franceses (risos).

Muitos especialistas dizem que o melhor vinho do mundo é o que a pessoa mais gosta. O senhor concorda?
Não. Para começar, vinho não é para beber, mas para degustar. Quando você prova um vinho com a cabeça, pensa: ;Ele é benfeito e obedece a todas as regras;. Porém, quando degusta com seu coração, com seus sentidos, aí sim pode dizer: ;Eu amo esse vinho;. Isso é um pouco difícil para mim, porque sou profissional. Mas tento deixar as regras de lado para apreciar. É claro que você precisa ver as características, mas para dizer que você gosta mesmo de um vinho, é preciso sentir emoção. Um grande escritor dizia que temos que tomar o vinho em silêncio e só depois falar. Eu concordo plenamente.

O senhor tem algum rótulo favorito?
Na verdade, não. Eu sou um curioso. Quando eu entro em um avião, bate aquele frio na barriga e penso: ;E se esse avião cair e eu morrer?; Depois, me pergunto, qual foi o último vinho que eu tomei? Por isso sempre procuro fazer boas escolhas. Estes dias, tomei um vinho japonês com safra de 1973 e fiquei muito surpreso. Também gostei como o meu vinho combinou com a gastronomia brasileira. Vocês têm uma diversidade impressionante. A harmonização foi muito fácil, é uma comida que combina com um vinho elegante e fino. Tive sorte de conhecer bons restaurantes em São Paulo, no Rio e em Brasília.

O que faz os vinhos da sua família serem cultuados pelos especialistas e desejados pelos milionários do mundo inteiro?
Concordo com o meu tio quando ele diz que para alcançar um alto nível de qualidade é preciso vender pouco, fazer poucos rótulos. Fazemos apenas 5 mil garrafas do Rully (feito com uvas selecionadas de chardonnay), por exemplo. Produzir um vinho de qualidade é um grande desafio e queremos sempre chegar à perfeição. O problema do Romanée Conti é que as pessoas começaram a querer comprar o vinho porque ele é o mais caro, e muitas vezes não estão atentas ao sabor.

A gastronomia francesa acaba de ser considerada patrimônio imaterial da humanidade. Acha que o vinho francês deveria receber o mesmo status?
Estamos lutando também para fazer da Costa Chalonnaise, na Borgonha, um patrimônio mundial. Afinal, são mais de 2 mil anos de técnicas para fazer vinhos. Há registros desde a civilização romana. É uma área única. E uma paisagem maravilhosa.

O senhor acredita que o vinho francês tem perdido espaço nos últimos anos com a entrada no mercado dos vinhos do Novo Mundo?
Não temos o monopólio da qualidade no mundo. Com a globalização, a qualidade de fato aumentou. O que os produtores estão tentando fazer é preservar a identidade e a qualidade e oferecer o melhor custo-benefício para os consumidores. Minha regra é preservar, trazer na garrafa a personalidade das uvas. Ela precisa ter aquele sabor da Borgonha.

Para poucos
O Romanée Conti, um dos vinhos mais famosos do mundo, foi notícia nos jornais brasileiros quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva venceu as eleições de 2002 e comemorou a vitória com uma garrafa que valia cerca de R$ 6 mil na época. Hoje, o valor pode chegar a R$ 15 mil.

Produção
Confira os rótulos produzidos na Domaine Villaine e seu preço médio no Brasil

Côte Chalonnaise la Digoine Tinto - R$ 198,00
Rully Les Saint Jacques Branco R$ 198,00
Bouzeron Aligote Branco - R$ 148,00
Chalonnaise Les Clous Branco - R$ 178,00

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