Irlam Rocha Lima
postado em 03/12/2010 07:20
;Precisava desvencilhar da ideia afetiva musical. Já estava virando quase uma obsessão. O mais puro sentimento de gratidão e reconhecimento era tudo o que eu queria escrever em forma de poema musical. A história da cidade-monumento seria contada através de notas e ritmos por um compositor que cresceu aos pés do santo céu.; O texto escrito por Hamilton de Holanda é uma espécie de síntese do que o músico propõe em Sinfonia monumental, a peça criada por ele para celebrar Brasília na passagem do cinquentenário. Bandolinista virtuoso com prestígio nacional e internacional, formado em composição pela Universidade de Brasília, Hamilton havia se radicado na França no começo desta década. ;Morando em Paris, longe da família, dos amigos, bateu uma grande saudade da cidade. Nas minhas reflexões senti que estava em débito com Brasília. Precisava devolver parte do muito que, generosamente, ela me possibilitou. Só não atinava a maneira como poderia colocar em prática o sentimento de gratidão;, lembra.
Ao voltar ao Brasil, com agenda cheia de compromissos, a história ficou adormecida. Até que em 2008, numa mesa de bar, veio o insight. ;Eu estava no Beirute Norte, tomando cerveja com alguns amigos, e por um momento me desliguei por completo do papo que rolava. À cabeça me vieram sons e imagens de minha vivência na capital;, revela. ;Saí dali com uma certeza: compor uma peça sinfônica para homenagear Brasília, que dois anos depois comemoraria 50 anos;, acrescenta.
Com a decisão tomada, o instrumentista aprofundou-se num processo de pesquisa. ;Busquei me deter mais na Sinfonia da Alvorada, não apenas a oficial, de autoria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, como também nas compostas por Claudio Santoro e Guerra Vicente, que participaram do concurso, em 1959. Voltei a ouvir, também, Sinfonia n; 5, de Gustav Mahler, e composições de Heitor Villa-Lobos, Pixinguinha e Radamés Gnattali;, comenta.
Trabalho de pesquisa
Hamilton percebeu que a Brasília descrita musicalmente por Tom Jobim na Sinfonia da Alvorada era um lugar ainda vazio. Livros escritos pelo médico Ernesto Silva, por Vera Brant e Juscelino Kubitschek (Por que construí Brasília) e matérias jornalísticas publicadas quando das comemorações dos 100 anos de JK igualmente serviram de subsídio para o músico em seu trabalho de pesquisa, antes de começar a escrever Sinfonia monumental.
O passo seguinte foi criar ao violão os primeiros acordes. ;Gravei, mostrei para o Daniel Santiago (violonista que integra o quinteto liderado pelo bandolinista) e o chamei para ser meu parceiro. Seis meses depois, com a peça pronta, passei para a parte mais trabalhosa, a da orquestração, que terminei em 8 de agosto do ano passado;, conta. Depois de conseguir recursos junto ao Fundo de Apoio à Cultura (FAC), Hamilton chegou à fase da execução do projeto.
Quarenta e sete músicos da cidade foram arregimentados para formar a orquestra ; denominada de Orquestra Brasilianos ;, à qual se juntaram André Vasconcellos, Gabriel Grossi e Márcio Bahia, músicos que integram o grupo dele, além de Rafael dos Anjos, do Choro Livre. Sob a regência do maestro Gil Jardim, as gravações foram feitas em 5 e 6 de junho deste ano, no auditório da Casa Thomas Jefferson.
A sinfonia, com quase 50 minutos de duração, é dividida em cinco movimentos, que ganharam os seguintes títulos: Primeiras ideias, A marcha dos candangos, Prece ao santo céu, JK proibido e Caos e harmonias. ;No primeiro, me reporto ao vazio, na visão da Missão Cruls. O segundo busca mostrar a chegada dos pioneiros e a construção da cidade. Depois vem o ecumenismo religioso, resultado da presença de diferentes religiões e seitas no Planalto Central. O exílio de JK e a proibição de ele voltar à cidade estão presentes no quarto movimento. No encerramento, busco passar a ideia de uma cidade cosmopolita, com os problemas e as coisas boas que advêm disso;, relata.
Samba no museu
; Hamilton de Holanda se apresenta amanhã no projeto Sambrasil, que comemora o Dia Nacional do Samba com shows na área externa do Museu Nacional. O bandolinista, com seu quinteto, vai acompanhar o cantor Pedro Luis em músicas de Noel Rosa. Dhi Ribeiro e o grupo Adora Roda também participam da festa, que tem entrada franca e início marcado para as 14h. Hamilton faz o show de encerramento, previsto para as 21h.
Um gigante brasiliano
; Gustavo Falleiros
A energia das mentes e dos braços que ajudaram a construir a aventura candanga permanece latente no ar seco do cerrado. De vez em quando, relampejam obras bonitas e ambiciosas como esta Sinfonia monumental, incursão de Hamilton de Holanda na música de concerto. Em cinco movimentos, que guardam um certo paralelo com a Sinfonia da Alvorada (de Tom Jobim e Vinicius de Morais), o bandolinista propõe um voo que cobre dos rabiscos de Lucio Costa à capital de nossos dias ; complexa, ruidosa, perigosamente próxima da distopia.
Como traduzir essas impressões em sons? São muitas as veredas. Primeiras ideias e Caos e harmonia têm uma qualidade percussiva que as aproxima das peças de Camargo Guarnieri e do candomblé estilizado de Radamés Gnattali. Mas quando a instrumentação é reduzida ao mínimo ; e o bandolim fala mais alto ;, sentimos o pulso do choro e do afrossamba.
O talhe de A marcha dos candangos, de Prece ao Santo Céu e de JK proibido é mais lírico. Hamilton redimensiona um lamento sertanejo com cordas e metais que remetem a Claus Ogerman. Em outro momento, assume uma sensibilidade meditativa, quase barroca. O reconhecimento, porém, interrompe aí: o Hamilton compositor é território agreste, à espera de quem queira habitá-lo.