postado em 04/12/2010 08:00
Diversificada. Esse é, sem dúvida, o substantivo que mais se adapta à gastronomia brasileira. Cada cantinho do país contribui com ingredientes e hábitos diferentes de comer, nomear e preparar receitas. E são essas peculiaridades que tornam a culinária do Brasil uma das mais ricas e saborosas. Um exemplo é a forma de preparar o milho branco. Enquanto na Bahia o mungunzá é doce e leva leite de coco, também chamado de canjica no Sudeste, em Pernambuco a iguaria é salgada e preparada com as carnes da feijoada. Não é à toa que obras relacionadas ao assunto são cada vez mais comuns nas livrarias e restaurantes se adaptam a fim de oferecer o melhor dessa cozinha.Com a intenção de partilhar o conhecimento sobre essa imensa variedade, a artista plástica Eva Ribenboim Steinbruch reuniu no livro Brasil ; Gastronomia, cultura e turismo (Bei) 60 receitas arraigadas de tradição e simbolismo. Tudo muito bem ilustrado com fotos e gravuras. A cada capítulo, uma história da região e dos estados que a compõem. As receitas foram escolhidas por serem, aos olhos da autora, as mais representativas e com o uso de ingredientes regionais. Todos os pratos foram testados.
Pelas páginas da obra, um apanhado da tradição culinária de Norte a Sul. Entre as seleções da Região Norte, estão ali a caldeirada de tucunaré (Amazonas) e o doce de buriti (Tocantins). Já as receitas do Nordeste incluem o ensopado de caranguejo (Maranhão) e a tapioca como gostam de preparar os piauienses. Mais ao sul, receitas como o lombo de porco à paulista, a sopa de cambuquira (Minas Gerais) e o arroz de carreteiro, tão querido dos gaúchos. Da região Centro-Oeste, a autora escolheu iguarias como a paçoca de banana, muito apreciada em Mato Grosso, e a pamonha goiana.
Para o historiador e coordenador do Centro de Pesquisa em Gastronomia Brasileira da Universidade Anhembi Morumbi Ricardo Maranhão, a cozinha tupiniquim, como em todos os lugares, é uma importante forma de manifestação cultural. Segundo ele, cada região tem uma especificidade, e são esses produtos tidos como nativos que formam a identidade do país, seja na forma de preparar ou de comer. É o caso da Região Sul. ;Foram eles que implantaram a tradição do jeito especial de preparar a carne;, conta. O professor recorda que no Sudeste, a carne era muito temperada com várias especiarias. ;Após a tradição do sul, só se usa sal grosso;, esclarece. No Centro-Oeste, o professor lembra que o fato de a região ser banhada por muitos rios, há uma forte tradição de pescados. E Goiás, com seu cerrado, popularizou pratos com frutos do bioma, como o pequi e a cagaita. Ambos servem como base de molhos, sucos e sorvetes.
Uma característica que chama a atenção no livro de Eva é o fato de se tratar de uma edição bilíngue, numa clara preocupação em atender a curiosidade cada vez maior dos estrangeiros pela cultura brasileira, incluindo a culinária. Maranhão ressalta que os produtos da região amazônica, caso das frutas substanciosas e de sabor acentuado, como o açaí e o cupuaçu, já são conhecidos mundialmente. ;Hoje, você pode andar pelas ruas de Nova York e encontrar açaí na tigela e bombom de cupuaçu;, afirma.
Mistura
Espécie de caldeirão cultural do Brasil, o Distrito Federal reúne grande parte da múltipla cozinha brasileira. Um dos donos do restaurante Panelinha, o paulista Ademar Gudrim explica que a essência da comida brasileira é aquela preparada com paixão, afeto. É a comida que busca lembranças da infância. Seguindo essa linha, ele desenvolveu um cardápio que explora bem todos os ingredientes brasileiros. ;Temos uma variedade de pratos regionais como o picadinho de filé e os escondidinhos;, conta. Já a estrela da casa, o nordestino arrumadinho, é servido com queijo coalho, paçoca de carne e feijão-verde.
Para Gudrim, é importante que cada cozinheiro esteja adequado ao ambiente em que cozinha, dessa forma pode sempre lançar mão de ingredientes ricos e criativos. Ele, por exemplo, explora ;novos; produtos como o azeite de baru (castanha do cerrado), o pequi, o azeite de babaçu, e as raspas de buriti. No próximo ano, o cardápio contará com uma entrada que será a releitura do feijão com farinha servido na barquete de tapioca, salada de feijão fradinho e acelga, tudo temperado com cheiro-verde. Já o prato principal da casa é o escondidinho de jerimum com carne-seca.
Até mesmo tradições de estados mais distantes, como os do Norte, podem ser saboreados na capital federal. A dona do restaurante Raízes da Amazônia, a paraense Valéria Melo, explica que essa gastronomia é caracterizada pelo fato de não haver desperdício. ;Da mandioca, por exemplo, é extraído o amido, o tucupi e a polpa para farinha;, conta. Estrela da região, o pato no tucupi leva jambu, planta considerada afrodisíaca e que adormece a boca. No livro, Eva aborda em breve frase esse poder: ;Os paraenses dizem que, após comer esse prato, os beijos ficam aliciantes.;
Outra casa da cidade preocupada em abarcar a diversidade da cozinha brasileira é o restaurante Tammbaú, cujo foco é na oferta de um pouco da culinária de cada lugar. Uma forma, segundo a proprietária, Rose Vasconcelos, de agradar diferentes paladares. Para ela, uma característica do brasileiro é apreciar a comida com gosto de feita em casa.
;O brasileiro é muito ligado à família e, por isso, os restaurantes que servem a comida caseira são valorizados;, diz. Segundo Rose, o carro-chefe do estabelecimento é a feijoada, servida às sextas e aos sábados. No entanto, o prato mineiro galinha com quiabo é preciso ser citado como um dos preferidos pelos clientes. ;Usamos galinha caipira, temperamos com alho, sal, cebola e açafrão e servimos com agrião, polenta e quiabo;, explica.
Influência
A variedade da cozinha brasileira vem, em boa parte, da influência da cultura de diversos países. Veja a origem de alguns ingredientes ;tipicamente; brasileiros:
; Portugal e Espanha ; condimentos, temperos, embutidos, pão, açúcar e vinho
; Alemanha ; cerveja, carnes salgadas e defumadas
; Itália ; massa, farinha de trigo, molhos diversos
; África ; azeite de dendê, camarão seco, coco e o leite extraído dele, pimentas, quiabo
Receita de pato no tucupi (Pará)
Ingredientes
1 pato limpo
1 cebola ralada
1 dente de alho amassado
; xícara de vinho branco
4 colheres (sopa) de óleo
2 litros de tucupi
2 maços de folhas de jambu
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Pimenta-de-cheiro a gosto
Modo de fazer
Tempere o pato com a cebola, o alho, o vinho, sal e pimenta. Deixe de molho nesta vinha d;alho
na véspera para pegar gosto. No dia seguinte, coloque o pato em uma assadeira e regue com o
óleo. Leve ao forno quente (200;C), preaquecido, regue com o molho da assadeira até que fique
macio e dourado. Corte o pato em pedaços não muito grandes.
Em uma panela, coloque os dois litros de tucupi e os pedaços de pato. Leve ao fogo para fever
até que o pato esteja macio. Junte as folhas de jambu e cozinhe até que os talos fiquem macios.
À parte, prepare um molho com pimenta-de-cheiro e um pouco de tucupi. Sirva com arroz e
farinha de mandioca.
Rendimento: 4 porções
Segundo a autora, os paraenses dizem que, após comer este prato, os beijos ficam aliciantes.