Nahima Maciel
postado em 07/12/2010 08:00
A loucura transformada em saúde e a arte como medicamento nortearam a curadoria de Wilson Lázaro ao selecionar as 125 obras que integram a exposição Obra-vida ; sonho e realidade, em cartaz no Salão Branco do Congresso Nacional a partir de hoje. Arthur Bispo do Rosário viveu durante 50 anos no hospital psiquiátrico Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Entre 1939 e 1989, esteve internado com diagnóstico de esquizofrenia e paranoia. Começou a produzir durante os ateliês de arte destinados à terapia dos internos, mas foi além da simplicidade ao criar uma arte complexa, na qual procurava reinventar o mundo à sua volta com a construção obsessiva de peças montadas com objetos encontrados no próprio hospital. Bispo nunca tomou remédios e fez da arte seu medicamento particular, por isso Lázaro encara a seleção de obras como produto saudável de uma loucura doentia. ;É a primeira vez que a obra dele vem a Brasília em uma exposição individual e fiz um recorte que foge do padrão. Todo mundo conhece os mantos e estandartes, mas eu trouxe uma parte da obra que, para mim, é a principal. São objetos em tamanho pequeno em que ele refaz o cotidiano e cria a partir disso;, diz o curador. No lugar dos mantos ; grandes túnicas nas quais o artista bordava objetos significativos de seu dia a dia na colônia ;, Lázaro traz pequeninos objetos, muitos deles ensaios para as peças pregadas em obras de grande porte.
As obras fazem parte do acervo do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio, do qual Lázaro é também o curador, e a exposição foi idealizada para celebrar a 6; Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, que acontece no Senado até quinta-feira. Bispo do Rosário passou mais da metade da vida internado e produziu boa parte das obras dentro do hospital. Entre 1940 e 1960 chegou alternar períodos na Colônia Juliano Moreira e um sótão no Bairro de Botafogo, no qual se trancava para criar. Sucata e lixo eram as matérias primas coletadas para compor um relicário cuja referência era sempre o próprio universo.
Durante muito tempo, a loucura fez com que a obra de Bispo fosse considerada produto de uma terapia e não arte contemporânea. ;Hoje a loucura não é importante diante dessa criação toda que ele realizou. A loucura está na criação. Tem que ser louco para criar uma obra desse porte. Ele transformou a loucura em sanidade;, diz Lázaro. Na década de 1980, o psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart passou alguns dias na Colônia Juliano Moreira para realizar um filme e descobriu os objetos de Bispo. Encantado, fez o curta O prisioneiro da passagem, que será exibido durante a exposição. Foi o primeiro passo para a obra do artista começar e ganhar dimensão e se tornar referência na arte contemporânea brasileira.
Depois de realizar o filme, Denizart levou o crítico de arte Frederico de Morais para conhecer os trabalhos de Bispo. A qualidade e a simbologia da obra fez Morais organizar a primeira grande exposição do artista no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM/RJ). A maneira como as peças eram construídas inseriu Bispo no cenário artístico da época. Se Hélio Oiticica fez os parangolés para serem usados como túnicas, Bispo criou roupas para performances e chegou a ser fotografado por Walter Firmo com as vestimentas. ;Está na hora de ver que tem obras dele que mostram que passou pela arte concreta, pelo desenho, pela arte conceitual e que as pessoas não conhecem;, explica Lázaro.
A religiosidade também é presença importante no universo do artista. Alguns dos objetos de Obra-vida são confeccionados com o fio azul do uniforme usado pelos internos do hospital e a cor aparece em muitas peças. ;Esse azul é do uniforme, mas também é o azul do manto do menino Jesus.; O curador procurou obras capazes de sintetizar o pensamento de Bispo, mas também de traduzir o caminho criativo do artista. ;Todo o processo de criação dele está ali. Costumo dizer que essas peças são como uma caixa de joias que guarda as coisas preciosas do Bispo;, diz.