Wagner Hermusche estava com 27 anos quando escreveu que a década de 2000 seria o apogeu das artes em Brasília. Um pouco como Viena em 1900, arriscou. E lembra os slogans ouvidos desde a infância: capital da esperança, cidade do futuro. ;Coisa de menino de 30 anos;, comenta. Algo que Hermusche não gosta aconteceu com Brasília. ;Uma coisa alarmante aqui é a falta de compromisso. As pessoas não são participativas, são muito superficiais e têm essa falta de consciência de que somos uma família, uma comunidade.;
O artista, hoje com 53, passou um terço da própria vida na Alemanha. De 2007 para cá, resolveu se estabelecer numa chácara perto do Paranoá, um oásis verde com 80 árvores frutíferas, longe do asfalto e perfeitamente isolado para que consiga criar. ;Se não morasse aqui, não conseguiria ficar em Brasília;, conta. Em 2005, depois de uma longa temporada em São Paulo, voltou para a Alemanha por conta do desgosto com a corrupção do mensalão. Seis meses depois, estava de volta, com saudade do tucupi e da feijoada.
A chácara foi vital para Hermusche perceber outra coisa. Há uma geração de brasilienses que adora a cidade. E aí entendeu por que se envolve tanto com a paisagem de concreto do Plano Piloto. ;A visão da cidade pela ótica da arte me torna possível fazer o próprio drama da cidade o tema da arte.; Com as duas ideias na cabeça, o artista transformou em álbum de gravuras a exposição A cidade através das janelas, realizada em setembro na Caixa Cultural. Reproduziu os desenhos em pastel ; todos pertencentes a colecionadores privados ; em uma mistura de serigrafia com offset para um álbum de sete gravuras intitulado ;das noites brasilianas;, cujo lançamento acontece hoje na Livraria Dom Quixote do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Negro do céu
Os desenhos são resultado da observação da cidade durante três décadas. Muitos datam dos anos 1980, mas há também alguns exemplares realizados nos 1990 e 2000. Brasília à noite, colorida por amarelos, vermelhos e azuis ,que rasgam o negro do céu tão venerado quando se trata de pensá-lo banhado pela luz do sol. Décadas que amadurecem um olha crítico, às vezes irônico, incapaz de se desiludir porque ilusão nunca houve, mas totalmente apto a encontrar o bom e o ruim da cidade.
Nos letreiros do Conjunto Nacional, Hermusche estampa palavras como vida, perda, amor, sexo, carne, questões estruturais, segundo ele, na formação do indivíduo, da sociedade e, consequência natural, da cidade. O desenho é de 2004 e contrasta com outro, de 1980, no qual os mesmos letreiros são vistos ao longe por meio de uma janela florida. Ironia ou alegria, dependendo do estado de ânimo em relação à cidade.
Outra série dos anos 1980 traz o Teatro Nacional, a Torre de TV, a Rodoviária, ícones também responsáveis pela decisão de transpor os desenhos para gravuras. ;Esse álbum foi pensado para preencher uma lacuna que percebi aqui em Brasília. Existe uma geração que quer esses ícones, que diz eu amo essa cidade. Muita gente nasceu aqui e é daqui que quer imagens;, diz. Também pesou o fato de todos os desenhos estarem nas mãos de colecionadores privados que não pretendem se desfazer das obras. Hermusche queria dar a sua Brasília noturna e colorida um sopro de vida.
...DAS NOITES BRASILIANAS...
Álbum de gravuras de Wagner Hermusche. Lançamento hoje, às 20h, na Livraria Dom Quixote do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). R$ 700.