postado em 09/12/2010 08:00
Entre as muitas contradições que marcavam o temperamento de Michael Joseph Jackson, uma o acompanhou durante quatro décadas de showbusiness: o dançarino de passos leves, que flutuava na ribalta, dividiu a cena com um compositor exigente e irrequieto, que aparava obsessivamente cada uma das canções que escrevia. Os discos eram superproduções erguidas com suor, fortuna, efeitos especiais e muita ambição (às vezes desmedida). É por essas e outras que Michael, o álbum póstumo que chega às lojas na próxima terça-feira, deve provocar certa desconfiança nos fãs. Nos 40 minutos de raridades, quase não se encontra vestígios do perfeccionismo de Jackson.
Desde o irregular Invincible (2001), o astro pop não lançava um registro com faixas inéditas. Nesse hiato, Michael compôs, alugou estúdios, arriscou parcerias com celebridades pop. Mas não demonstrou verdadeira satisfação com as experiências. Numa temporada em que o hip-hop soprou os ares das paradas norte-americanas, o criador de Thriller (1982) se sentia deslocado. Daí a necessidade de trocar figurinhas com ;hitmakers; como Will.i.am (do Black Eyed Peas), Lenny Kravitz e o rapper Akon, com quem gravou em 2007 o dueto para Hold my hand, que abre a nova coletânea.
A dupla se encontrou em um estúdio de Las Vegas para gravar a canção, que seria incluída no disco Freedom (2008), de Akon. Michael aprovou com tanto entusiasmo os versos do compositor Claude Kelly ; sobre companheirismo ; que deixou uma recomendação por escrito: a música deveria ser ;faixa de trabalho; de um próximo projeto assinado por ele. Em 2008, no entanto, vazou na internet e foi excluída do disco. Ela reaparece logo na abertura de Michael, com vocais gravados recentemente por Akon, e no primeiro videoclipe do lançamento, que reúne fãs de Jackson selecionados via internet.
Já desvendado pelo público, o ;abre-alas; provoca uma inevitável sensação de reciclagem. E provoca a dúvida: qual é a profundidade real do baú de Jackson? ;Se este é o melhor disco póstumo de Michael, as coisas vão ficar feias daqui em diante;, observou Dan Martin, do semanário inglês New Musical Express. O acordo assinado entre a Sony Music e os administradores do espólio de Michael, que morreu em junho de 2009, é o mais caro na história da indústria fonográfica: US$ 250 milhões, que serão investidos em sete álbuns com material inédito. De acordo com a família do músico, que desaprova a coletânea, o astro arquivava cerca de 300 gravações, a maioria sem o polimento que o autor tanto prezava.
Homenagem polêmica
Desde o anúncio do disco póstumo, em novembro, esse legado parrudo provoca polêmica. A mãe, Katherine, foi à imprensa para denunciar que muitas das faixas de Michael foram interpretadas por um imitador. A Sony negou a acusação e garantiu a autenticidade das gravações. Entre as 10 músicas, a mais recente é Best of joy, escrita e gravada ainda em 2009. Duas delas, Behind the mask e a balada acústica Much too soon, datam do início dos anos 1980, auge do sucesso do cantor, e foram maquiadas por efeitos digitais. E (I like) The way you love me não chega a soar como uma revelação: numa versão anterior, ela aparecia na compilação The ultimate collection (2004) com o título The way you love.
Este ;balaio de gatos;, que vazou segunda-feira na web, soa como um suvenir para fãs: o repertório alterna momentos mais dançantes (como Monster, com participação de 50 Cent) com derivações de antigos sucessos (Breaking news, que destila rancor contra fofoqueiros, dá sequência ao tiroteio de Scream) e uma ou outra aventura sonora (I can;t make it another day, de Lenny Kravitz, apela para sintetizadores sombrios, abafados). Will.i.am, fã e colaborador de Jackson, considerou o lançamento ;desrespeitoso;. A Sony projeta que as vendas chegarão a 340 mil cópias na primeira semana só nos Estados Unidos.
Controvérsias à parte, faixas como Hollywood tonight e a arejada Best of joy explicitam a encruzilhada de um ídolo cada vez mais isolado e arredio, incapaz de se decidir sobre as fichas que iria apostar. A produção exagerada, que esconde as imperfeições de registros incompletos, acentua a impressão de artificialidade do projeto. ;Não é um disco de Michael. Ele não teria lançado uma coletânea como essa, cheia de faixas incompletas;, criticou Jody Rosen, da edição americana da Rolling Stone. ;Mas é um atestado do carisma do ídolo, com momentos de brilho;, relevou. Aos fãs, o julgamento.
MICHAEL
Álbum póstumo de Michael Jackson. 10 faixas. Lançamento Epic Records/Sony Music previsto para 14 de dezembro.**
; Faixa a faixa
Conheça as 10 raridades de Michael Jackson.
Hold my hand
O dueto entre Michael e Akon foi gravado em 2007 e vazou na internet um ano depois. Antiga conhecida dos fãs, reaparece numa versão com mais vocais do rei do pop. Clima de déjà vu.
Hollywood tonight
Pop para pistas. O arranjo hip-hop reveste uma faixa sobre os sonhos de uma candidata ao estrelato. ;Ela vai para Hollywood esta noite;, diz o refrão.
Keep your head up
Balada com violões dedilhados, melodia à R, coro e teclados chorosos: nos versos, Michael aconselha uma menina a manter a cabeça erguida. ;Tudo do que você precisa é amor;, diz.
(I like) the way you love me
Uma das mais simpáticas do disco, é uma canção de amor inocente com um quê de doo-wop e boa performance vocal de Michael. ;Eu estava sozinho no escuro quando te encontrei;, o rei confessa.
Monster
Com mil e um efeitos especiais (vidros quebrados, gritinhos, tiros e sintetizadores soturnos), é uma tentativa de atualizar as assombrações de Thriller. 50 Cent participa, mas não impressiona.
Best of joy
Balada primaveril, com ecos de Stevie Wonder, que adensa a voz de Michael numa camada de efeitos de estúdio. Momento mais leve e despretensioso do disco, de forte tom setentista.
Breaking news
;Todos querem um pedaço de Michael Jackson;, desabafa o ídolo, em uma faixa furiosa (mas sem muito impacto) que soa como Scream, parte 2.
(I can;t make it) another day
Cortesia de Lenny Kravitz, as guitarras finalmente aparecem num dos trechos mais inusitados do disco: os sintetizadores têm um quê dark, mas nada que assuste as criancinhas. Dave Grohl, do Foo Fighters, toca bateria.
Behind the mask
O melhor fica para o fim, nas faixas desenterradas do final dos anos 1970 e início dos anos 1980: um Michael enérgico, jovial, ameaçado por vozes de robôs. ;Eu não sei quem você ama;, ele ataca.
Much too soon
;Acho que aprendi minha lição cedo demais;, confessa Michael, na canção mais delicada do disco: em menos de três minutos, uma balada sem maquiagem ou excessos. Um desfecho surpreendente.