Diversão e Arte

Livro organizado por Bené Fontelles estabelece a dimensão de Luiz Gonzaga

Severino Francisco
postado em 13/12/2010 08:01
Quando vestiu a roupa de cangaceiro, formou um conjunto com os acordes da sanfona, a marcação metálica do triângulo e a pulsação rítmica da zabumba, Luiz Gonzaga inscreveu o seu nome da galeria dos inovadores da cultura brasileira. Estávamos na década de 1940 e só nos anos 1960 o Cinema Novo ousaria colocar o cangaceiro Corisco como protagonista de Deus e o diabo na terra do sol (de Glauber Rocha) e a Tropicália usaria as roupas de Hélio Oiticica como elementos de uma performance estética. Sem qualquer pretensão, Luiz Gonzaga foi o primeiro artista pop da cultura brasileira. E, finalmente, chega um livro para estabelecer a real dimensão de Gonzagão como inventor e não apenas repetidor ou mantenedor da tradição nordestina, como destaca o livro O rei e o baião, organizado por Bené Fonteles, com participações de Gilberto Gil, Hermano Viana, Antônio Risério, entre outros. A obra será lançada em Brasília, na próxima sexta-feira, às 11h, no Ministério da Cultura. Claro que Gilberto Freyre, Ariano Suassuna e Glauber Rocha já haviam colocado em primeiro plano a cultura nordestina no campo erudito: "Mas o Luiz era um inventor e um inovador no plano da cultura popular%u201D, enfatiza Bené. %u201CComo diz o Antônio Risério, ele é o cara que reinventou o Nordeste". Bené ficou impressionado com uma das primeiras fotos de Luiz Gonzaga, em que ele aparece vestido com roupa de cangaceiro, acompanhado pelos músicos Catamilho (zabumba) e Zequinha (triângulo), metidos em um traje de gala de vaqueiro como se fossem integrantes de um conjunto norte-americano prontos para se apresentar no antigo Cassino da Urca nos anos 1940. "Era preciso muita coragem para fazer isso naquele tempo. Ele foi proibido de cantar com aquela indumentária nordestina em um programa de rádio de 1940. Gonzagão descolonizou o Brasil, colocou o Nordeste dentro do debate cultural brasileiro. Pela primeira vez, o Sul passou a consumir a música nordestina, todo mundo só queria dançar o baião". Era estratégico que tenha reinventado o Nordeste a partir do Rio de Janeiro, modernizando os ritmos regionais, mas sem nunca perder o contato com as raízes de sua cultura. O acordeon chegou ao Nordeste pelas mãos dos mascates judeus sefarditas vindos de Portugal, que atravessavam os sertões poeirentos puxando o fole e chamando a atenção para os seus produtos. "Luiz Gonzaga inventou uma nova maneira de tocar a sanfona e harmonizá-la com os outros instrumentos. A sanfona e o acordeon só eram usados para tocar tangos e valsas". O livro conta a história de Seu Lua, como era chamado, e destaca a sua relevância na cultura brasileira por meio de um rico diálogo entre textos, fotos e xilogravuras. É a primeira vez que se faz, em livro, um levantamento da iconografia do cantor, de 1940 a 1960, seu período mais fértil. Um ensaio fotográfico de Gustavo Moura revela os personagens e a paisagem agreste. Além disso, Bené encomendou imagens a dois dos mais talentosos gravuristas da arte popular nordestina: José Lourenço e João Pedro de Juazeiro. "Realizei uma montagem entre os ensaios escritos e os visuais. Acho que o Gonzagão ficaria satisfeito em ver o povo dele no livro, sem distinção entre erudito e popular. O livro já inspirou dois documentários sobre Luiz Gonzaga, um de Sérgio Roizenblit e outro de Rosemberg Cariri." Na pele de Lampião "Naquela época, eu percebia que todo cantor regional, todo cantor estrangeiro tinha uma característica própria. O gaúcho, aquela espora, bombacha, chapelão. O caipira tinha lá o seu chapéu de palha. O carioca tinha a famosa camisa listrada e o chapéu-coco. Os americanos, os cowboys. Quando Pedro Raimundo veio pra cá vestido até os dentes de gaúcho, eu me senti nu. Eu digo: "Por que o Nordeste não tem a sua característifca? Eu tenho que criar um troço". Só pode ser Lampião. Apanhei por causa de Lampião. Eu digo: "Eu vou usar o chapéu de Lampião". Aí escrevi para a mamãe pedindo um chapéu de cangaceiro com toda urgência. No primeiro portador que ela teve, ela mandou o chapéu. Rapaz, quando eu botei o pé no palco da Rádio Nacional só faltaram me matar de raiva. "Como é que você, um mulato formidável, um artista fabuloso, se passa por um negócio desse? Reviver o cangaço, cangaceiros, facínoras, ladrões, saqueadores? "Eu disse: "Não se trata disso. É outra coisa. Eu agora sou um cangaceiro musical. Aí fique com essa característica". Depoimento de Luiz Gonzaga ao Pasquim O Rei e o Baião De Bené Fontelles (organizador). Lançamento, na sexta-feira, às 11h, no Ministério da Cultura. O livro não será vendido, mas há uma cota a ser distribuída para os que chegarem primeiro ao evento. No dia 13, o livro terá lançamento simultâneo em Recife, Caruaru (PE), Novo Exu (PE) e Campina Grande (PB).

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