Ricardo Daehn
postado em 19/12/2010 08:00
;A realidade é previsível e chata. A vida espiritual é curiosa e enigmática, como a morte.; Em tom de certeza, Tizuka Yamasaki, diretora de Aparecida ; o milagre, dá pistas sobre o crescente interesse do público brasileiro pelo ecumênico mostruário de fitas religiosas que invadem as telas, no rastro de Nosso lar e Chico Xavier. À frente do culto a um ícone católico, a cineasta é categórica: ;As pessoas é que estão se aproximando dessa temática. Não é o cinema que determina, mas o público que deseja;. Sem religião, ela diz que não fez ;um filme doutrinário;, mas endossa coro com a atriz Maria Fernanda Cândido, que vê na força da narrativa a chance de ;redescobrimento da fé abandonada;.Diretora contratada pelos produtores Gláucia Camargos e Paulo Thiago, Tizuka, aos 61 anos, se apoiou em certo distanciamento, mas contou ;com sensibilidade, respeito, muita observação e bons assessores;. Após uma terceira versão ; ;para não criar nenhuma heresia; ;, o roteiro passou às mãos de Maria Sena (de Gaijin: Ama-me como sou). A determinação também foi fundamental na apropriação do drama do empresário Marcos (o brasiliense Murilo Rosa), que, descrente, vê a vida pessoal desmoronar. ;Esse filme é meu, você não vai encontrar alguém para comandá-lo. Ou é todo mundo hippie ou é todo mundo comunista;, brincou, em decisivo telefonema para a produtora.
Crucial também foi a queda do suposto tom catedrático das negociações do projeto junto à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, uma vez que há até rompantes de ofensas à santa, por parte do personagem central. ;O pessoal do CNBB é esclarecido, moderno, e entendeu que era preciso o Marcos ir às raias da rejeição para chegar ao processo de recuperação da fé;, conta.
No traçado do primeiro tipo masculino da filmografia ; ;as personagens femininas sempre eram mais fortes; ;, Tizuka remodelou o perfil a ser interpretado por Murilo Rosa. ;Entendo que o homem tem a desvantagem de carregar uma imagem de ser forte, poderoso. Isso é um peso muito grande. Então, gosto de revelar o outro lado. Em nenhum momento ressaltamos o fato de o homem ser forte. Da mesma forma, senti a necessidade de modernizar as mulheres descritas para o filme;, observa.
No elenco, veteranas do cinema como Bete Mendes e Leona Cavalli dividem a cena com atores menos experimentados, como Jonatas Faro, Rodrigo Veronese e o menino Vinícius Franco (que interpreta o protagonista, na primeira fase). Nesse momento inicial, muito ligado ao futebol, Marcos aprende a valorizar o trabalho do pai, completamente absorvido pelas obras de construção da Basílica de Nossa Senhora Aparecida.
Além do relato da origem da santa, que remonta ao século 18, o longa, em muito ambientado no Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, traz imagem viva da padroeira (na verdade, nunca vista). ;Na estética local, buscamos a identidade dela a partir da determinação da visão que o povo tinha dela;, explica a cineasta. Ela não realizou o desejo de ter a presença de Roberto Carlos no fim do filme, mas outros adornos foram incorporados à produção, como a trilha do pianista clássico Paulo Francisco Paes e o paisagismo de Burle Marx, que decora antiga casa da família do político Severo Gomes (morto em 1992).
; Três perguntas // Tizuka Yamasaki
Você percebe influências dos colegas cineastas?
Influência estética eu não vejo. Tive grande diálogo com o Nelson (Pereira dos Santos), de quem fui assistente, mas depois busquei um caminho próprio. Poderia ter sido uma cria do Cinema Novo, repetindo um modelo, até por ter trabalhado com Glauber Rocha. Minha vantagem foi, na estreia em longas, ter abraçado um história muito pessoal ; em Gaijin ;, bem mais ligada à cultura japonesa do que à brasileira. Isso me deu uma libertação, em termos estéticos. Quero contar histórias para aprender mais sobre a vida.
Como você analisa os trabalhos, em cinema, com Xuxa e Renato Aragão?
Quis chegar perto deles, por serem figuras que tinham uma multidão em torno, num caso muito particular. Como cineasta, queria decifrar isso. Acho que o cinema não pode ficar longe do grande público. Ele apareceu assim: feito para o grande público. Por mais autoral que seja um filme, ele deve ser para espectadores. Não tem coisa pior do que ver apenas meia dúzia de pessoas assistindo ao seu filme. Entendo, porém, que o grande público não seja burro. Posso não sofisticar para o público infantil da Xuxa, mas sempre me preocupo com os pais. Tenho que descer da minha autoridade de autora para compreender fenômenos como a Xuxa.
Qual o saldo da tevê na sua carreira?
Novelas e minisséries influenciaram o meu trabalho. Televisão não é uma arte menor, à qual me dediquei menos. Gosto de filmar com vontade. Para ser popular, não precisa ser pobre. Em Aparecida ; o milagre quis escancarar tudo, sem pudor para revelar emoções. Queria as coisas mais claras: foi uma estratégia de construção porque a temática toca o grande público ; agora, sofisticamos a linguagem cinematográfica: a música, a fotografia e a direção de arte. Não fizemos um filme comercial direcionado ao lucro. O público da novela, por exemplo, não tem que ter referências, nem querer parar, justo naquela hora da novela, para refletir sobre os grandes problemas do mundo.