Diversão e Arte

Arnaldo Antunes lança CD e DVD gravados em casa, às vésperas de aniversário

postado em 21/12/2010 08:15
Tomé, 9 anos, arregala os olhos ao entrar no quarto do irmão: ;Nossa, está muito diferente!”. Caçula dos quatro filhos de Arnaldo Antunes, ele se diverte com a casa de cabeça para baixo, às vésperas da gravação do DVD do pai. Seu quarto não mudou muito, mas o de Brás virou técnica de som; o de Rosa, camarim; e o de Celeste, com monitores de vídeo, foi transformado em sala do diretor Andrucha Waddington. O terraço, então, contando ninguém acredita. Virou palco. Cheio de luzinhas, o varal de camisetas como cenário, uma parafernália danada. Do alto da laje, enquanto a banda passa o som, Tomé acha graça de tudo. ;E a plateia, vai ficar lá embaixo?;, quer saber. Vai. ;Nooossa!”

Arnaldo e a banda no terraço transformado em palco: reflexões sobre a passagem do tempo

As cenas estão no making of de Ao vivo lá em casa, o ótimo DVD que Arnaldo Antunes gravou em agosto, poucos dias antes de completar 50 anos. Fazia tempo que ele pensava num show assim: em casa, cercado de amigos. Quando surgiu a oportunidade de registrar o show do Iê iê iê exatamente onde queria, lá foi ele fazer algumas adaptações na casa. Pintou os portões, podou a pitangueira (para que os ramos não cobrissem uma parte do palco), trocou os lustres, pediu autorização da subprefeitura para estacionar o gerador e o caminhão, avisou os vizinhos.

;O furacão, mesmo, foram os três dias que antecederam a gravação, quando uma equipe de umas 30 pessoas invadiu a casa e começou a montagem dos equipamentos (mesa de som, cabos, cenário, estruturas para as câmeras, gruas, monitores etc.);, conta. ;Aí tivemos que dormir fora uns dias, pois a casa virou uma bagunça. Tiraram uma parte do telhado para montar passarelas por onde os câmeras se moveriam, para poderem captar o palco/terraço de todos os ângulos possíveis. A tudo isso se somavam os preparativos da festa (o bufê, as máquinas de chope, as latas de lixo, os banheiros químicos?). Mas foi uma bagunça divertida.;

E não é que deu certo? ;Fiquei bem à vontade, não só por ser em minha casa, mas também pelo público ser formado só por amigos, músicos e familiares. Queria, desde o início, que a gravação tivesse essa informalidade. Eu realmente me senti em casa;, diz o cantor, que chamou os Demônios da Garoa para abrir a festa, cantando Já fui uma brasa (de Adoniran Barbosa e Marcos César) no jardim, entre convidados de três gerações (entre eles, Wanderléa, Marina Lima, BNegão, Romulo Fróes e Paulinho Boca de Cantor).

Três gerações
E assim como fez com a plateia, ele também reuniu três gerações no palco. Ao lado de sua banda (formada por músicos entre 20 e 30 anos, à exceção do guitarrista Edgard Scandurra, 48), recebeu Fernando Catatau (líder da banda Cidadão Instigado e produtor de Iê iê iê) para tocar guitarra em Invejoso e dois convidados muito especiais: Erasmo Carlos e Jorge Ben Jor. Com o Tremendão, cantou a antiga Sou uma criança, não entendo nada e a recente Jogo sujo (do CD Rock;n;roll, lançado por Erasmo em 2009). Com Jorge, duas canções que eles fizeram juntos: As árvores e Cabelo. ;Acho legal isso de poder ter parcerias musicais com pessoas mais velhas e mais novas que eu, contra a ideia estreita de que uma geração deva necessariamente substituir a anterior.;

Ao vivo lá em casa, aliás, tem tudo a ver com isso. ;Foi uma coisa interessante, que pintou inconscientemente e só depois do trabalho pronto eu me dei conta: várias músicas desse CD e DVD acabam tematizando de alguma forma a passagem do tempo;, comenta Arnaldo. Estão lá, por exemplo, As melhores coisas e Vem cá (com discurso adolescente), Já fui uma brasa (sobre a diferença de gerações), Sou uma criança não entendo nada e, evidentemente, Envelhecer (;Não quero morrer pois quero ver como será que deve ser envelhecer/(...) Eu quero que a sirene soe/ e me faça levantar do sofá/ Eu quero pôr Rita Pavone/ no ringtone do meu celular/ (;) E quando eu esquecer meu próprio nome/ que me chamem de velho gagá!”).

A banda dos sonhos
Se Iê iê iê já era um discão, o show consegue ser melhor ainda. No palco, Arnaldo canta o repertório dele e músicas afins, como Americana (Frank Carlos) e Quando você decidir (Odair José), muito bem acompanhado por Edgard Scandurra (guitarra), Chico Salem (guitarra e violão), Betão Aguiar (baixo), Curumin (bateria) e Marcelo Jeneci (teclados). ;Eles me dão segurança total;, afirma. ;Além de serem grandes instrumentistas, têm trabalho solo e um convívio íntimo com o ato da composição. Também cantam muito bem, fazem vocais incríveis. Todos fazem só o necessário. E o necessário de cada um é muito especial e inspirador para os outros.;

Edgard (Ira) já é um parceiro de 15 anos, tocou em todos os discos de Arnaldo após a saída dos Titãs. ;É um dos guitarristas mais versáteis e inventivos que já conheci;, ele elogia. ;Curumin é o rei das viradas, toca de um jeito simples e suingado pra caramba. Chico é o rei das harmonias e preenche o corpo dos arranjos com eficácia, sem excessos. Betão tem um som de baixo único, fraseados marcantes que dão o chão firme pra pisarmos. E o Jeneci é um supermelodista. Suas frases nos teclados acabam se tornando tão marcantes quanto as próprias melodias das canções.;

Com a convivência na estrada, e a máquina cada vez mais azeitada, eles hoje, quando fazem um novo arranjo, nem precisam falar muito. ;É sair tocando e as ideias aparecem;, garante Arnaldo. É mesmo um cara de sorte, você não vê?

QUATRO PERGUNTAS-ARNALDO ANTUNES

No DVD você diz que tinha vontade de fazer um show em casa havia um bom tempo. A ideia sempre foi esta, de fazer um registro afetivo, cercado de família e amigos?
Essa ideia é antiga mesmo. Eu a tive quando me mudei para esta casa, há uns oito anos, e vi que o terraço daria um palco perfeito. Associei de alguma forma com aquele filme dos Beatles tocando no terraço do prédio da gravadora, que eu achava que tinha uma magia especial. Imaginei a situação das pessoas assistindo lá de baixo, do jardim, e pensei que um dia gravaria um DVD assim, com esse nome (Ao vivo lá em casa). Seria também uma continuidade interessante do meu outro DVD, Ao vivo no estúdio.

Erasmo e Jorge Ben Jor foram nomes que surgiram assim que pensou no DVD?
O Erasmo eu quis chamar pela conexão evidente com o conceito do iê-iê-iê; ele que é de certa forma um dos inventores do gênero. Além disso, houve essa coincidência simbolicamente interessante, de ele, que começou sua carreira nos anos 60, dentro do que chamavam de iê-iê-iê, haver lançado um disco chamado Rock;n;roll no mesmo ano em que eu, que comecei nos 80, dentro do que chamavam de rock, lançava o meu Iê iê iê. Por conta disso, além de minha admiração por suas canções e por tudo que ele representa para o rock nacional, quis convidá-lo para participar, fazendo uma espécie de homenagem.

E Jorge?

O Ben Jor sempre foi um ídolo para mim e tenho a enorme felicidade de ter algumas parcerias com ele. Como já tocávamos Cabelo no bis do show, quis chamá-lo pra apresentarmos ela juntos, e também As árvores, outra música nossa, que eu havia gravado no CD Um som. São canções que eu adoro e fiquei muito honrado de ele ter topado cantá-las aqui comigo.

Você acabou de completar 50 anos. Dedica, inclusive, Envelhecer a si mesmo. Você lida bem com isso? Como diz a música, acha que a coisa mais moderna que existe na vida é envelhecer?
Claro que já sinto alguns sintomas da idade ; a necessidade de óculos de leitura, o crescimento dos filhos, a perda de alguns fios de cabelo, a morte de amigos mais velhos etc. Mas essa canção foi feita com um tanto de curiosidade e um tanto de enfrentamento em relação ao que virá. Acho que essa postura dá uma certa segurança para receber as novidades que a passagem do tempo traz. Fizemos essa música um pouco para exorcizar o medo de envelhecer, dizendo: ;Que venha!”, ;Quero ver qualé!”. Não recebendo a sua chegada como sinônimo de conformismo, mas tentando manter a inquietação de sempre nessa nova fase da vida.

; Assista vídeo de A casa é sua

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