Durante seis anos o mundo pôde acompanhar pelos olhos da mídia a história de Ingrid Betancourt, sequestrada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), uma organização guerrilheira do país que nasceu como uma reação à guerra civil entre os partidos conservador e liberal, iniciada em 1940. Com o lançamento de Não há silêncio que não termine - Meus anos de cativeiro na selva colombiana (Companhia de Letras, 556 páginas) a própria Ingrid nos revela com riqueza e segurança os detalhes dos dias de cativeiro em poder dos guerrilheiros.
Mais do que um relato, o livro é uma reflexão profunda do ser humano e de seus sentimentos diante do sofrimento e dos que o rodeiam. "Descobri que o que os outros têm de mais precioso a nos oferecer é o tempo, ao qual a morte dá seu valor", confessa Ingrid Betancourt em um trecho do livro.
O drama da prisioneira teve início em 23 de fevereiro de 2002. Na época, ela era candidata à presidência da República da Colômbia pelo partido Oxigênio Verde, e acumulou alguns desafetos tanto do lado do presidente Andrés Pastrana quanto das Farc. Virou prisioneira da organização depois de cair em uma emboscada quando tentava ir até o município de San Vicente del Caguán em um chevrolet 4x4 coberto de adesivos de campanha para encontrar o atual prefeito que era aliado do partido. "Assim que nosso carro saiu do talude, eu os vi. Estavam vestidos dos pés à cabeça com roupas militares, fuzil a tiracolo, agrupados em volta do veículo da cruz vermelha. Por reflexo, olhei atentamente para os seus sapatos: botas pretas de borracha, muito usada pelos camponeses nas zonas pantanosas. Tinham me ensinado a identificá-los assim: se fossem botas de couro, eram os militares; se fossem de borracha, eram as Farc", conta.
Na obra, Ingrid não inicia a história do começo. Ela salta no tempo de fevereiro para dezembro de 2002 retratando sua maior obsessão durante o tempo de prisioneira: a fuga. A autora relata a quarta tentativa que realiza ao lado da ex-coordenadora de campanha e também refém Carla Rojas.
Ingrid é detalhista, conta cada pensamento, ideia e momento vivido com a maior riqueza. Como a primeira vez em que foi ao banheiro no acampamento das Farc: "Um ruído de máquina me chamou atenção. Perguntei a Isabel qual era o motor que funcionava nas redondezas. (...) Ela responde: - Que nada! São as moscas". É impossível não imaginar a cena e o som por meio do relato dela.
A obra também tem pontos delicados. Como, por exemplo, as referências ao pai falecido em outro dia marcante, 23 de março, e que só ficou sabendo quando lia a notícia em um pedaço de jornal que conseguiu do líder do acampamento da Farc. Esse tipo de contato com o mundo externo não é comum. Casualmente, Ingrid tinha acesso aos meios de comunicação, como o rádio em que ouvia o programa dedicado aos reféns da Farc.
Fala também do deterioramento da amizade com Carla. As duas, antes próximas e unidas pela política, viram o bom relacionamento terminar diante da situação extrema que viviam no cativeiro. Elas se desentendiam por tudo. Pelo espaço na cama e no mosqueteiro, tentativas de fuga e até pela decisão de Carla Rojas em ter um filho enquanto estava presa. "Vivíamos em mundos opostos. Ela procurava se adaptar, eu só pensava em fugir", revela Ingrid.
O acampamento
Enquanto era refém, Ingrid foi transferida diversas vezes para novos acampamentos. Na maioria das vezes isso acontecia porque os "chulos", como eram chamados os militares colombianos pelas Farc, estavam tentavam atacar a guerrilha.
Certa vez, o acampamento teve que se mudar para uma área na Amazônia. Ingrid se lembrou de um aviso recebido de uma vidente um tempo antes de ser levada pelas Farc. O medo tomou conta dela. "Sentia o perigo. Não o via. Não o reconhecia. Mas ele estava ali, na minha frente, e eu não sabia como evitá-lo", disse ao relembrar o fato.
Mas não é só dos momentos tristes que Ingrid lembra. Na obra, ela relembra as festas feitas no acampamento para comemorar mesmo à distância o aniversário de seus filhos, Melanie e Lorenzo, o conhecimento mais profundo da Biblía e até a amizade com dois guerrilheiros, Beto e Ferney.