Diversão e Arte

Audioliteratura ganha espaço nas grandes editoras e no gosto do brasileiro

Nahima Maciel
postado em 25/12/2010 08:17
A regra é ganhar tempo. Em um mundo pautado pela velocidade e pelo bombardeamento de informações em espaços de tempo cada vez mais curtos, o audiolivro surgiu como alternativa à angústia de se estar preso em tarefas cotidianas que impedem a leitura. No rádio do carro, no aparelho de MP3 ou até enquanto se executam afazeres domésticos é possível ouvir clássicos da literatura narrados por atores ou locutores, às vezes até mesmo com dramatização. O que, durante décadas, era considerado um mercado destinado às crianças virou também coisa de adulto nos últimos quatro anos. Com o pensamento voltado para esse nicho nasceram as cinco editoras que hoje produzem audiolivros no Brasil, uma prática há muito instalada nos circuitos literários europeus e norte-americanos. A tendência ainda engatinha, mas já é possível encontrar seções destinadas aos audiolivros em grandes livrarias e sites que vendem o produto para download. São bibliotecas variadas, cujos títulos incluem best-sellers e livros de autoajuda, mas também exemplares fundamentais da história da literatura, clássicos como Machado de Assis, Eça de Queiroz e Shakespeare. O tempo perdido em longos congestionamentos no trânsito paulistano fez o empresário Marco Giroto alimentar a ideia de montar a audionet. Há quatro anos ele gravou o primeiro livro e lançou O código Da Vinci (Dan Brown) e O monge e o executivo (James C. Hunter) durante a Bienal do Livro de São Paulo. Desde então, produziu 150 títulos. ;Quem compra é quem gosta de ler, mas não tem tempo;, acredita. Entre os mais vendidos da audionet estão 1808 (Laurentino Gomes) e Comer, rezar, amar (Elizabeth Gilbert), que beiram a marca dos 10 mil exemplares. Empenhado em dialogar com o leitor de toda as maneiras possíveis, o jornalista Laurentino Gomes acaba de lançar seu segundo livro, 1822, em audiolivro pela Plugme. A narração ficou a cargo de Pedro Bial, enquanto os diálogos e a leitura das cartas aparecem na voz do próprio autor. ;Eu achei que, por ter escrito o livro, seria fácil. Mas não é.; Laurentino é consumidor voraz de audiolivros e assina um site americano no qual pode baixar número limitado de títulos a cada mês. Para o escritor, há dois grandes mercados a serem explorados. O primeiro é o de deficientes visuais. ;O Brasil tem mais de um milhão de pessoas que não enxergam e têm acesso restrito à leitura porque o livro em braile é muito caro de se produzir e as editoras não querem fazer;, lamenta. Ainda assim, é preciso se adaptar ao formato, coisa que o escritor Salim Miguel, de 86 anos, e autor de Nur na escuridão, não conseguiu. Impedido de ler por um problema nos olhos, ele descartou o audiolivro por causa da voz mecânica. ;Me irritava. Prefiro que alguém leia para mim;, confessa. ;Deve ser uma deficiência minha. Sou um leitor que sempre viu o livro como um objeto que pode ser manuseado, que tem cheiro.; No segundo mercado apontado por Laurentino, o de motoristas em grandes cidades de trânsito complicado, ele mesmo se inclui. Com a mira apontada para essas pessoas, o médico Claudio Wulkan criou a Universidade Falada. O catálogo já conta com 400 títulos para download, dos quais 100 estão disponíveis também em CD. O foco de Wulkan são os clássicos da literatura e cursos de filosofia. O catálogo inclui títulos como A cidade e as serras (Eça de Queiroz), 20.000 léguas submarinas (Júlio Verne) e Escrava Isaura (Bernardo Guimarães). ;Ouço audiolivros há 20 anos, mas precisava trazer de fora;, conta o empresário, que criou a editora há quatro anos. ;É um mercado ainda pequeno e as pessoas estão se acostumando, mas numa cidade como São Paulo, o trânsito é responsável por nossa audiência.; Na Plugme, selo dos audiolivros da Ediouro, a estratégia é associar as gravações a nomes de atores famosos. O mago, biografia de Paulo Coelho escrita por Fernando Morais, ganhou narração do global José Mayer e O pequeno príncipe, de Saint Exupéry, pode ser escutado na voz de Thiago Fragoso. Autores também costumam ser convidados. É o caso de Zuenir Ventura, que gravou o seu Inveja. ;Decidimos trabalhar com best-sellers usando personalidades para poder ter um chamariz;, admite Maíra Oliveira, editora da Plugme. Foi uma solicitação do escritor Rubem Alves que levou o editor Paulo Lago, da Nossa Cultura, a produzir o primeiro audiolivro da empresa, há cinco anos. Alves queria permitir que uma professora deficiente visual pudesse ouvir seus textos e sugeriu a gravação à editora. Lago topou e, desde então, produziu 74 títulos. ;Foi atirar para o alto, não sabíamos nada sobre o mercado. Lá fora tem muito, só na Feira do Livro de Frankfurt há uma média de 10 mil lançamentos por ano;, conta. ONDE ENCONTRAR www.universidadefalada.com.br www.audiolivro.net www.livrosonoro.com www.nossacultura.com.br www.ediouro.com.br Narração profissional Uma gravação leva em média três vezes o tempo de duração de uma leitura normal e a qualidade depende do preparo e da origem dos narradores. A monotonia é sempre um risco, já que a audiência de algumas obras pode exigir até 10h do ouvinte. Para o editor de áudio Gabriel Góes, proprietário da Livro Sonoro, o ideal é contratar atores formados. ;Eles se dão muito melhor porque têm o comprometimento com o texto. Se não tiverem, o audiolivro não fica crível;, explica. A interpretação é tão fundamental quanto a direção de arte do produto, que pode ter trilha sonora e vozes diferenciadas para os personagens, embora nem sempre seja essa a regra. Quando produziu a gravação de O cortiço (Aluísio Azevedo), Góes contratou até um diretor de dramaturgia. ;Foram oito meses de trabalho e 25 atores, mas nem sempre as pessoas gostam, é um formato experimental e ainda não vendi o suficiente para pagar a experiência;, diz. O valor ; mais barato que um livro impresso ; também pode ser um estímulo para a compra. Alguns exemplares chegam a custar R$ 9, caso o ouvinte opte pelo download. Nas lojas, os CDs variam de R$ 19 a R$ 30. É uma alternativa interessante, embora esteja longe de substituir a leitura. ;É um caminho mais curto e mais pobre;, diz a escritora Lucília Garcez, professora da Universidade de Brasília (UnB). ;Não substitui a atividade mental da leitura, que faz múltiplas solicitações ao cérebro que só ouvindo o livro você não faz.; Para as crianças, é ideal e prepara os ouvidos para a concentração atenta nas narrativas. Mas para o adulto, Lucília acredita, pode ser uma experiência empobrecedora. O casal Onézio e Laupiene Rodrigues sabe disso. Não trocam a leitura pela escuta dos livros, mas gostam de ouvir os áudios durante caminhadas. ;Não é monótono e cria uma interação grande, parece que você tem alguém falando contigo;, garante Onézio, que comprou O código da inteligência, de Augusto Cury. ;Mas não substitui o livro. Eu gosto do papel. E só escuto para caminhar;, completa Laupiene.

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