Diversão e Arte

Professora de Olhos D'Água cria projeto para atrair crianças à leitura

postado em 27/12/2010 08:00
;Tombei, tombei, tombei, tombá. A história já vai começar;, anuncia a professora Nilva Belo pelas ruas de Olhos D;Água (GO). Com livros gigantes, uma égua cheia de laços e uma carroça toda enfeitada, a professora canta o hino para atrair as crianças da região. Ao ouvir a música e o trote do cavalo, crianças vão aparecendo nas janelas e saindo de suas casas para acompanhar a ;mulher da carroça;, como eles a chamam. O som do pandeiro e o apito avisam que vem história por aí. Nilva conta que, quando está à paisana e passa pelas ruas, as crianças cochicham umas para as outras se ela seria a mulher da carroça. ;Eles se perguntam: ;É ela?, ; e começam a cantar o hino da leiturégua e eu respondo ;a história já vai começar;;, orgulha-se .

Nascida em Olhos D;Água ; cidade conhecida por sua Feira do Troca; , distrito de Alexânia, Goiás, Nilva Belo é funcionária da prefeitura e sentiu a carência de leitura nas crianças da cidade. Arregaçou as mangas e propôs a criação de um novo cargo: contadora de histórias. Mas só contar histórias seria muito vago para a determinada professora. Aos 34 anos, mãe de duas filhas e familiarizada com ritos culturais, Nilva teve a ideia de criar a carroça literária, a Leiturégua.

;Eu comecei sendo agente da mala do livro, era muito bom, mas senti que faltava algo;, conta. Segundo ela, é muito mais atraente as crianças aprenderem se divertindo do que aprenderem por obrigação. Este ano, o projeto completa oficialmente dois anos.

Galeria de clássicos
Com o apoio da Secretaria de Cultura de Alexânia, a carroceira conta com o acervo de 10 personagens e muitos livros confeccionados, entre eles, os clássicos Branca de Neve, Cinderela e A Bela Adormecida. ;Ela cria os personagens e a gente dá o apoio material;, conta o secretário de Cultura, Demerval Alves. Em relação à quantidade de personagens, Demerval brinca: ;Só o Chico Anysio ganha dela;.

A professora pesquisa, concebe e cria fantasias, livros e personagens. O sucesso da carroça literária é tão grande que a égua de Nilva muitas vezes não suporta o ritmo acelerado. Dessa necessidade surgiu então a ideia de criar uma minicarroça. A miniatura reproduz a original e pode ser carregada no carro para possíveis apresentações em lugares distantes . ;Às vezes, tenho espetáculos em Alexânia e Olhos D;Água no mesmo dia. Com esse ritmo, a égua ficava muito cansada . Já cheguei a percorrer 30km em um dia.;

Polivalente, Nilva não ostenta apenas o cargo oficial de contadora de histórias; ela também é catireira e participa do grupo Os Mano Bão no Pé desde o ano passado. Nas expedições no meio do mato, o grupo, formado por sete homens e apenas ela de mulher, passa por fazendas realizando shows e disseminando a dança folclórica pelas redondezas. Mas quem pensa que acabou, se engana. Ela participa também do grupo Meninagem. Ao lado de mães e colaboradores o grupo faz encenações com bonecões e fantasias. ;O fato de ser catireira me ajuda na hora de cantar músicas e tocar os instrumentos;, explica Nilva.

A satisfação das crianças é clara. ;Eu conheço a tia da carroça desde os seis anos. Eu não tinha aprendido a ler e ela foi me ajudando a aprender e gostar de leitura;, conta Elias Costa dos Santos, nove anos. O secretário de Cultura também não esconde o resultado do investimento. ;Depois que ela iniciou o projeto, as crianças se interessaram muito mais pela leitura;, confessa Demerval.

A parceria e os personagens
Quando menos esperava, a carroceira se deparou com uma acreana empolgada querendo ser voluntária do Leiturégua. Era hora de expandir o projeto.

Silene Farias é bonequeira e sua aparição aumentou a produtividade da carroça literária. Ela criou, com as crianças, oficinas de montagens de bonecos e instrumentos. ;Quando cheguei na cidade e fiquei sabendo da Nilva, eu me apaixonei na hora. Lá no Acre eu mantinha um trabalho muito parecido com esse;, enfatiza. Silene, como seus personagens, chegou a Olhos D;Água para conhecer a Feira do Troca e nunca mais saiu de lá.

De mamulengos a fantoches e marionetes surgem personagens como o David Bag Dubiniquim, em homenagem ao jogador inglês David Beckham. ;O nome ficou Dubiniquim porque as crianças não conseguiam pronunciar a palavra certa;, conta a bonequeira. Muito estiloso, o boneco ostenta piercings e cabelo moicano. ;Ele veio para trocar os brincos na Feira do Troca e não quis partir;, completa Silene sobre a origem do personagem.

Calango palhaço
Calango é um palhaço que foi confeccionado pelas crianças menores. Ele foi feito com garrafa PET, papel machê, vara e retalhos de roupa. Bem colorido, como um palhaço deve ser, ele demorou um pouco mais no processo de confecção: ;Entre histórias e pinturas, as crianças foram aprendendo o valor da leitura;, explica Silene.

De todos os personagens, o que chama mais a atenção ; de longe ; é a Maria Preta Antônia dos Olhos D;Água. Destaque da apresentação de Nilva e sucesso absoluto entre as crianças, a negra mede 2m de altura. A personagem foi criada em homenagem a uma árvore de Alexânia (da espécie Maria Preta), que colecionou histórias de amantes, brincadeiras e festas na cidade. ;Por ser uma figura histórica decidi criar a personagem. A árvore foi destruída pelo tempo. As pessoas também faziam fogueira embaixo dela. Ela não aguentou e morreu;, explica Nilva.

Na hora que a professora veste a fantasia, os gritos de felicidade das crianças são ensurdecedores. ;É uma alegria só;, afirma. Quando perguntadas sobre qual personagem é o favorito da meninada, a resposta é em conjunto: ;A Maria Preta".

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação