Ricardo Daehn
postado em 28/12/2010 08:10
Mais de 112 mil espectadores: é por esse montante de ingressos vendidos que o cineasta brasiliense Erik de Castro tem muito a comemorar, no ano em que fez a estreia em longa-metragem de ficção, com Federal ; atração ainda em cartaz no Cine Brasília. A película ; que como brinca o diretor, permanece ;em turnê pelo país; ; ainda tem fôlego para mais cinco meses de projeção nas telas de cinema, como indica a estratégia da distribuição. ;Na última vez que conferi, ele era o 13; filme mais assistido, entre 70 nacionais em cartaz. O filme tem uma pegada autoral e também de mercado. Sinto que as pessoas entram na história e Brasília conta com a interação de espectadores que veem refletida a sensação de orgulho que eles carregam;, comenta o diretor.
Com orçamento de R$ 5 milhões, Federal, num primeiro momento, chegou a 26 cidades, e, até agora, já foi exibido em mais outras 34. ;A previsão inicial de 40 cópias teve que contar com acréscimo de outras 23 cópias, por causa da demanda. É um ponto alto para a gente da BSB Cinema Produções, que contou com a distribuição independente da Europa Filmes;, comemora Erik de Castro.
Na sequência do sucesso alcançado pelo filme policial, para 2011, o diretor prevê o encerramento da trilogia sobre os motivos da entrada brasileira na Segunda Guerra, com o documentário O Brasil na Batalha do Atlântico.
Outro nome, já estabelecido, que trouxe projeção para o cinema local foi José Eduardo Belmonte. Ele chegou ao fim do ano, homenageado com duas retrospectivas: uma no Belas Artes (São Paulo) e outra no Cine Glória (Rio de Janeiro). Além disso, 10 cidades já puderam conferir cópias digitais de Meu mundo em perigo, terceiro longa-metragem dele que finalmente entrou no circuito comercial, pela nova distribuidora Vitrine. ;Estreou em dezembro e foi muito bem recebido. Só de ser exibido, já é um sucesso;, avalia Belmonte.
Depois de retornar à cidade, com as filmagens do curta 50 anos em 5 (mostrado há um mês no festival de cinema da capital), Brasília está na rota de Belmonte, com as filmagens de Billi Pig, em março. ;O filme será uma aventura na área comercial, mais divertido e leve. Só mudarei um pouco meu registro, com uma comédia dark de erros;, adianta. Grazi Massafera e Selton Mello farão um casal que chega a ser aconselhado por um porco de pelúcia.
Também atrelado a bom humor, e com referências à cultura pop, o curta Ratão (que antecede as sessões de Federal, no Cine Brasília, até 30 de dezembro) rendeu ótimo resultado para o diretor brasiliense Santiago Dellape. Além da segunda colocação na Mostra Brasília (integrada ao Festival de Brasília), o curta participou da 34; Mostra Internacional de Cinema em São Paulo e conquistou o prêmio de melhor filme do júri popular no 38; Festival de Cinema de Gramado. ;Fiz o curta com intenção de me aproximar do público, tanto que submeti ao Teste de Audiência (no Teatro da Caixa). Ali, trocamos muito com os espectadores, que ajudaram a definir os ajustes finais. Recebemos um relatório superdetalhado com estatísticas e ideias ; foi uma experiência maravilhosa;, comenta Dellape.
;Me descolei do peso da trama, e me concentrei na humanização dos personagens. No Ratão, falamos de sentimentos comuns, de amor, de timidez e afeto familiar;, avalia o cineasta. Além do humor, o filme (selecionado para a 14; Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais) explora referências a clássicos da Sessão da Tarde e a jogos de videogame, tudo ao som de Novos Baianos e Jethro Tull. Na sequência deste sexto curta-metragem, Dellape, ;em retiro na casa da avó;, prepara o roteiro do primeiro longa, Licença prêmio. ;Com dose de realismo fantástico, vou misturar romance, ficção e comédia para contar o relacionamento de um funcionário público com as mulheres;, diz.
Poesia valorizada na telona
[FOTO2]Ainda no segmento dos curtas-metragens brasilienses, um dos destaques foi a cineasta Danyella Proença, que abriu o ano de 2010 com duas preocupações imediatas: terminar os estudos do mestrado e concluir o filme Braxília. ;Só não queria esmorecer. Como o ano foi muito além do que esperava, então, para 2011, só tenho a agradecer e nada mais a ser pedido;, brinca a diretora, que viu o curta (em torno do poeta Nicolas Behr) valorizado com três premiações no 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: melhor roteiro, júri popular e prêmio especial do júri.
Na análise autora do documentário, a obra teve conexão com o público, em muito por causa do carisma atrelado a Behr. ;O valor está na maneira de ele retratar a cidade, de modo verdadeiro e orgânico. A reflexão sobre a cidade desemboca numa Brasília mais subversiva e underground;, conta a cineasta, que já selecionada para a Mostra de Cinema de Tiradentes, objetiva emplacar Braxília no festival É tudo verdade. Também no próximo ano é possível que Danyella Proença esteja à frente da direção de um filme dedicado aos bastidores do Concerto Cabeças.
Finalizado neste ano, o curta Senhoras trouxe ótimos dividendos para a taguatinguense Adriana Vasconcelos, com direito à visibilidade até no exterior. ;Na sessão, em Cuba, foi divertido ver como os espectadores ;pensam em voz alta;: interativo, o público falava no meio da exibição;, diverte-se Roger Madruga, o produtor de Senhoras, que esteve no 32; Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano, em Havana. A integração no Los Angeles Latino International Film Festival (organizado por Edward James Olmos) foi outra vitória de Adriana Vasconcelos, numa edição que trouxe apenas nove títulos brasileiros.
Para 2011, a cineasta encampa a responsabilidade do primeiro longa, com Maternidade em 3x4. ;Falaremos de mães diferentes. Trataremos da impressão de que nem toda a mulher deveria ser mãe. Será uma visão não muito romântica da maternidade;, adianta Adriana Vasconcelos.
A premiação como melhor ficção, no 10; Curta-SE (Festival Iberoamericano de Cinema de Sergipe, um evento que valorizou a produção local Zé[s], do diretor Piu Gomes, como melhor documentário e melhor filme, pelo júri popular), trouxe enorme satisfação.
ARTIGO
Parada Federal
Vladimir Carvalho
O thriller policial, desde o seu surgimento, vincula-se às matrizes da velha e catártica tragédia, que tem a sua vigência a partir dos gregos, embora muitas vezes o gênero que consagrou clássicos diretores de Hollywood e dos estúdios europeus se apresente de maneira espúria para não dizer cretina. O público em geral passa ao largo dessas implicações e nivela tudo ao seu desejo de consumo, que reduz um filme e sua forma de narrar ao mero divertimento. O que se quer saber é se estão lá o assalto, os automóveis em disparada perseguição, a chuva de balas, o sexo, as drogas e o sangue que escorre, enfim o bem e o mal em duelo permanente. O resto fica %u2014 cada vez mais %u2014 por conta da parafernália técnica e tecnológica.
Federal, o filme de Erik de Castro, em cartaz com as bênçãos auspiciosas da crítica e os aplausos do público, tem outra diretriz. Ele segue a risca o figurino presente, por exemplo, em Chuva negra, Os intocáveis e Operação França, que têm em comum o cenário de uma grande metrópole onde se desenvolvem os seus dramas. Contando com razoáveis meios de produção, o realizador do excelente documentário Senta Pua, seu primeiro filme, demonstra uma mão muito firme na condução de sua história, estabelecendo rapidamente as ligações necessárias ou perigosas com os amplos espaços de Brasília, incluindo a vasta periferia "das satélites" em cujos meandros se escondem os vassalos do crime e do tráfico de drogas.
O protagonismo, é ocioso dizer, pertence aos representantes da lei, sendo esta quase sempre a do mais forte, o mais violento. O enfrentamento entre federais (Carlos Alberto Ricceli, Selton Mello e o novato Cristovam Neto, muito bons, em conluio com Michael Madsen, uma feliz escalação) e a turma de Béque Batista, este, vivido em estilo classudo pelo versátil Eduardo Dussek, apresenta momentos de alta tensão, mas sem nenhuma concessão à chamada estetização da violência. E assim vai até o ajuste de contas final. Erik não se deixa levar pelas tentações do gênero e acompanha os seus personagens bem de perto, no entanto, sem ceder a firulas de linguagem, pois seu objetivo maior é a comunicação, longe de pretensões autorais, doença infantil de iniciantes. A sua direção, em contraste com os conteúdos dramáticos do filme, caminha tranquila e envolvente como na estratégia da aranha, e assim vai enredando o espectador até o implacável desenlace. Tudo acontece na hora certa e no ritmo certo. Justo é destacar a contribuição de seus colaboradores: Cezar Morais muito feliz na excepcional captação das imagens de Brasília; Heber Trigueiro, como editor de justo time, Eugênio Matos e Philippe Seabra, soberbos na elaboração da trilha sonora.
Federal também marca um tento importante: reinsere em boa hora a discussão do movimento cinematográfico de Brasília ao mesmo tempo em que o recoloca no circuito comercial de 63 cinemas, feito talvez só comparável a Brasília 18º, o thriller político de Nelson Pereira dos Santos, de alguns anos atrás. Este fato vem confirmar mais uma vez a vitalidade e o potencial do cinema realizado na capital do país.
Agora, depois de um giro, que ainda não cessou, pelos cinemas de 50 cidades brasileiras, e tendo já ultrapassado a marca dos cem mil espectadores %u2014 um feito inédito na história da produção brasiliense %u2014 Federal retorna à nossa capital. Desta vez será exibido no Cine Brasília, em mais uma oportunidade para que o público local aprecie as qualidades do filme de Erik de Castro.