Nahima Maciel
postado em 10/01/2011 08:00
Para Robert Capa, uma coisa era certa: se as fotos não estivessem boas o suficiente, o fotógrafo não estivera perto o suficiente. E foi para ficar bem perto da guerra que o fotógrafo deixou Nova York em 1943, rumo a Londres. De lá, acompanhou as movimentações dos exércitos aliados pela libertação da Europa tomada pelos nazistas. Capa já era nome importante na história da fotografia. Cobrira a Guerra Civil Espanhola nos anos 1930. A obsessão em ;chegar perto o suficiente; rendera clássicos como o soldado espanhol de fuzil na mão, fotografado no exato momento em que levava um tiro.A Segunda Guerra renderia outro clássico. Capa estava nas balsas do desembarque no Dia D, quando os americanos chegaram à costa da Normandia (França) e começaram a operação de libertação. Desembarcou com as tropas e fez as fotos da batalha. Tremia tanto em meio ao tiroteio que perdeu o foco em muitas imagens, mas elas eram preciosas. O outro correspondente de guerra presente nos navios americanos ficou com tanto medo que não desembarcou. Capa seguiu os soldados, fotografou, retornou aos navios para deixar os filmes que seriam enviados a Londres e voltou para a praia na qual acontecia a carnificina.
[SAIBAMAIS]
Na capital inglesa, o laboratorista errou no preparo das químicas para a revelação e queimou as fotos. Dos 106 registros de Capa, sobraram oito. Eram os únicos da batalha mais importante do fim da Segunda Guerra e até hoje circulam pelo mundo. O episódio é o auge de Ligeiramente fora de foco, livro de memórias que Capa escreveu para contar a experiência de cobertura dos últimos anos da guerra. Inédito no Brasil, o livro sai pela CosacNaify acompanhado das imagens, em bela edição de capa dura e com prefácio de Cornell Capa, irmão do fotógrafo e também fotojornalista.
O título faz referência às fotos do desembarque na Normandia, mas o livro começa antes, em 1943, quando Capa deixa Nova York, onde estava exilado, para participar de incursões no norte da África, na Itália e na Espanha. Ser fotógrafo nunca foi a primeira opção de Robert Capa. Preferia a ideia de se tornar escritor, mas não contava com a própria obsessão pela guerra. Cobriu cinco e morreu depois de pisar em uma mina na Indochina. Como arma carregava um lote de câmeras fotográficas e muitos filmes. Ganhou o mundo numa época em que a fotografia levava semanas para chegar ao público e as guerras ainda chocavam.
Aposta
A força das imagens se dava, em parte, pela proximidade pregada como necessária pelo fotógrafo, mas apenas em parte. Humanista convicto, homem de esquerda, corajoso e profundamente preocupado com os rumos totalitaristas da Europa da primeira metade do século 20, Capa era também um fotógrafo de guerra nato. ;O correspondente de guerra tem sua aposta (sua vida) nas próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo, ou pode colocá-la de volta no bolso no último minuto. Eu sou um jogador. Resolvi ir com a Companhia E na primeira leva;, escreve.
Com um senso de humor admirável e uma postura depreciativa em relação a si mesmo, o fotógrafo faz da narração um texto despretensioso e leve para a sequência de situações trágicas vividas ao longo dos dois anos no front. Os primeiros capítulos dão conta de chegada dos aliados à Itália, mas não é ali que Capa encontra o material imaginado. ;Fazer fotografias de vitória é como tirar fotos de um casamento na igreja 10 minutos depois que os recém-casados foram embora;, narra.
A ironia refinada pontua até mesmo cenas de batalha: ;Ali, deitado como uma panqueca no chão frio entre duas linhas de guerra, só tinha duas alternativas: ficar apavorado de bruços ou apavorado de costas;. Também há romance na narrativa. As idas e vindas de Capa entre Londres e as frentes de guerra são marcadas pelo namoro com Pinky, uma inglesa cujo charme fascinou o fotógrafo anos antes de protagonizar um romance com a atriz Ingrid Bergman. Nascido na Hungria, em 1913, com o nome de Endre Friedmann, inventou o personagem de um fotógrafo famoso chamado Robert Capa para se autopromover na Paris dos anos 1930. Em 1947, ajudou Henri Cartier-Bresson a fundar a Agência Magnum, que revolucionaria a prática do fotojornalismo independente e reuniria os melhores profissionais da área no século 20.
Ligeiramente
fora de foco
De Robert Capa. CosacNaify,
296 páginas. R$ 60.