Diversão e Arte

Em Ao coração da tempestade, Will Eisner fala da juventude, família e EUA

postado em 10/01/2011 08:00

Mestre da narrativa gráfica, o autor usa e abusa de recursos cinematográficosSentado à janela do trem, Willie assiste a paisagem. Os olhos fitam o cenário, mas a mente está distante, a quilômetros dali. Mais do que por outro lugar, seus pensamentos vagueiam pelo passado. O jovem está a caminho de um campo de treinamento onde será preparado para participar da Segunda Guerra Mundial. O futuro é incerto, por isso ele passa a vida a limpo: as dificuldades financeiras e os preconceitos enfrentadas pela família, os anseios da adolescência, as decepções, os aprendizados e as alegrias.

Protagonista de Ao coração da tempestade, Willie é o pseudônimo usado pelo quadrinista americano Will Eisner (1917-2005) para narrar acontecimentos marcantes de sua juventude. A graphic novel, umas das mais representativas da carreira do autor, ganhou nova edição pelo selo Quadrinhos na Cia., da editora Companhia das Letras. Publicado originalmente em 1991, o título chegou ao Brasil cinco anos depois pela Editora Abril com o título de No coração da tempestade ; primeiro dividida em duas edições e depois relançada em um só volume.

Viagem de trem
A republicação é muito bem-vinda, já que Ao coração da tempestade é um dos grandes trabalhos de Eisner. A viagem de trem é o ponto de partida para o mestre dos quadrinhos falar não só de si e sua família, mas do momento social e cultural dos Estados Unidos ; em particular, na cidade de Nova York ; na virada do século 19 para o 20.

A mãe de Will Eisner era filha de romenos e teve uma criação humilde. Muito jovem, ela teve que se virar para não passar fome. O pai do autor nasceu na Áustria e ambicionou a carreira artística antes de ir para os Estados Unidos. Ao longos dos anos, a família oscilou entre períodos de estabilidade e de vacas magras ; em parte, devido à postura um tanto ingênua do patriarca nos empregos.

William Erwin Eisner nasceu no bairro do Brooklyn (Nova York) e durante a infância e adolescência viveu na pele o preconceito contra os judeus. Negociar ao invés de brigar foi uma das lições que ele aprendeu com o pai. E foi usando a inteligência, a perspicácia e o talento para o desenho que ele começou a trabalhar como ilustrador de histórias em quadrinhos.

Eisner, usa a viagem para o campo de treinamento como fio condutor da história. Enquanto olha para trás, ele relembra os acontecimentos. Mestre da narrativa gráfica, o autor usa e abusa de recursos cinematográficos, como a fusão e o flashback. Mas, trabalhando em uma linguagem distinta como são os quadrinhos, ele consegue resultados únicos, que apenas esse meio permite.

Muitas histórias em quadrinhos de Will Eisner estão à venda nas livrarias brasileiras. Ainda assim, Ao coração da tempestade é não só um recomendado ponto de partida para se conhecer o trabalho do autor, como uma das melhores HQs feitas por ele.

Ao coração da tempestade
De Will Eisner. 216 páginas.
Quadrinhos na Cia. R$ 42.

Uma aventura dos sentidos
Birdland é repleta de situações surreais, bem-humoradas e românticasJunto com o irmão Jaime, o roteirista e desenhista Gilbert Hernandez é criador da revista Love & Rockets, uma das mais queridas, aclamadas e influentes dos quadrinhos americanos surgidas na década de 1980. O nome de Gilbert voltou às prateleiras brasileiras com o recente lançamento de Birdland ; uma aventura dos sentidos. Título do selo Eros Comix, divisão de quadrinhos eróticos da editora americana Fantagraphics, a obra (publicada originalmente em 1994) é uma HQ repleta de situações surreais, bem-humoradas, com um pouco de romance e, claro, muito sexo.

Entre os personagens, estão as strippers Inez e Bang Bang (esta, abduzida por extraterrestres desde a infância), a psiquiatra Fritz Herrara (que se satisfaz hipnotizando seus pacientes) e seu marido, Mark (que não tem pudor algum em pular a cerca). Com seu traço inconfundível, Gilbert narra uma história ágil e divertida. No entanto, em determinado momento surge de forma abrupta um turbilhão de acontecimentos que deixam a conclusão da trama um tanto confusa.

A HQ, aliás, não é a melhor porta de entrada para o universo do autor. Sopa de gran peña e Pés de pato, lançados no Brasil pela Via Lettera há alguns anos, são mais representativas da carreira de Gilbert. Ainda assim, a obra é muito divertida e um ótimo cartão de visitas para conhecer as ilustrações do desenhista.

Birdland é o primeiro lançamento da editora Arte Sequencial, mais uma a investir no mercado de quadrinhos no Brasil. O editor Ricardo Kozesinski não revela o nome dos próximos lançamentos (;ainda em negociação com os autores;), mas adianta que serão publicações ;voltadas para o consumidor adulto, de hábito de consumo considerado alternativo ao mainstream Marvel, DC e Image;.

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