postado em 17/01/2011 08:26
A ascensão de Dilma Rousseff à presidência da República trouxe à baila mais uma vez a discussão sobre a abertura dos arquivos secretos da ditadura militar brasileira e a necessidade de investigação acerca dos desaparecidos políticos. Ex-guerrilheira e integrante de organizações clandestinas, a chefe maior do Estado viveu um período que ainda é obscuro para a maior parte dos brasileiros. Enquanto vizinhos, como a Argentina, levam à justiça crimes, cujas marcas moldaram a trajetória do país, o Brasil se pergunta o quanto deve ser revelado do período entre 1964 à 1985, ainda nebuloso nos livros de história. Por enquanto, a imagem de Dilma Rousseff no período do combate à ditadura virou imagem pop que toma conta de camisetas
O deputado e jornalista Emiliano José (PT-BA), autor de livros sobre a época, a exemplo de Lamarca, o capitão da guerrilha e Marighela: Inimigo número um da ditadura militar, acredita que a demora em abrir os documentos sigilosos do governo militar aumenta o risco de perdê-los, em episódios como o da suposta queima de arquivos ocorrida na Base Aérea de Salvador, em 2004. Para ele, que foi preso e torturado pelo regime, o julgamento dos crimes contra a liberdade e a punição dos torturadores é um dever do Estado. "Vivemos uma ditadura sanguinária e precisamos olhar isso com toda a sua nitidez, para não nos fadarmos a repeti-la", diz.
Longe desse clima de revanchismo, há os que defendam a abertura não-ideológica dos arquivos secretos, como o historiador Antônio José Barbosa, professor do departamento de história da Universidade de Brasília (UnB). "O regime militar não acabou por força de armas, mas por negociações que atingiam tanto os militares quanto os revolucionários", explica. Para o professor, a ideia de que os guerrilheiros pegavam em armas pela democracia é questionável. "Sem dúvida, eles lutavam por justiça, mas o objetivo político era a instauração de uma outra ditadura, nos moldes de Cuba", considera, e conclui: "A lei da Anistia foi a lei possível naquele momento. Buscar a punição de um lado agora é negar a história".
O documentarista Jorge Oliveira acredita que não há interesse dos governos brasileiros, passados e atuais, em resgatar a história. "Os crimes de tortura não deveriam estar contemplados na Anistia. O Brasil é o país da tolerância, do conformismo", critica o diretor de Perdão, mister Fiel, sobre a morte bárbara do operário Manoel Fiel Filho. "Uma nação não se constrói ignorando suas tragédias", emenda Emiliano José. No contraponto, O professor Antônio Barbosa ensina que a ideologia é uma forma de entender a realidade a partir de quem a orienta. "O que não pode acontecer é a desvirtuação dos fatos", avisa.
Enquanto não se estabelece um consenso político, o Correio elabora um guia de livros e filmes essenciais para entender o conturbado período. Afinal, a arte tem feito o seu papel de repensar a realidade.
Obras indicadas
Livros
A ditadura envergonhada (Companhia das Letras)
Primeiro volume da coleção As ilusões armadas, produzida pelo jornalista Elio Gaspari, cuja intenção inicial era a de escrever um ensaio chamado Geisel e Golbery, o sacerdote e o feiticeiro sobre o desmonte da ditadura militar feito pelo ex-presidente e seu chefe de gabinete. Patrocinado pelo instituto Wilson Center for International Scholars com uma bolsa de três meses, o trabalho de Gaspari acabou se tornando uma coleção de cinco volumes, escritos ao longo de 18 anos.
Marighella: Inimigo numero um da ditadura militar (Casa Amarela)
O livro do jornalista e pesquisador Emiliano José conta a história de Carlos Marighella, dirigente do PCB e líder da Aliança de Libertação Nacional (ALN), a partir do momento de sua morte. Emboscado e executado a comando do delegado Sérgio Paranhos Fleury, Marighella é o ponto de partida para a descrição do clima de medo da época e a insistência das famílias em resgatar a história e a imagem dos desaparecidos.
Dos filhos deste solo (Boitempo)
A partir de relatos recolhidos pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), Nilmário Miranda e Carlos Tibúcio descrevem as circunstâncias de morte e desaparecimento de mais de 400 pessoas presas e torturadas por participarem de organizações de resistência aos militares. O livro revela a crueldade dos meios usados pelo regime e comprova a responsabilidade do governo por grande parte dos casos de assassinato.
Filmes
Perdão Mister Fiel
2010. Dirigido pelo jornalista alagoano Jorge Oliveira, radicado em Brasília, o documentário parte da morte de Manoel Fiel Filho, operário brasileiro morto sob tortura em 1976, acusado de pertencer ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), para discutir a intervenção dos Estados Unidos na América do Sul, em caçada aos comunistas. O filme reúne depoimentos de personalidades como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso, bem como de outros personagens históricos.
Batismo de sangue
2006. Dirigido por Helvécio Ratton e baseado no livro homônimo de Frei Betto, Batismo de Sangue traz a história dos freis dominicanos que apoiaram a Ação Libertadora Nacional, comandada por Carlos Marighella. Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão), Ivo (Odilon Esteves) e Tito ( Caio Blat) foram perseguidos e torturados por oficiais brasileiros sob as ordens do famigerado delegado Fleury (Cássio Gabus Mendes).
Hércules 56: o Brasil sob ditadura militar
2007. O documentário longa-metragem conta a história do sequestro do embaixador Charles Burke Elbrick por grupos da luta armada em setembro de 1969. Pela libertação do embaixador americano, foi exigida a libertação de 15 presos políticos, encaminhados ao México no avião FAB Hércules 56. O filme é formado a partir dos relatos dos prisioneiros ainda vivos e dos idealizadores da ação, como José Dirceu e Franklin Martins.