Diversão e Arte

Zéllo Visconti celebra 40 anos de carreira com a mostra ArteTropiPop

postado em 20/01/2011 08:00
Diante da nudez de um suporte ainda inviolado por linhas e texturas, Zéllo Visconti raciocina muito pouco. Adepto fervoroso da intuição e avesso ao raciocínio, deixa-se levar por cores saltitantes, traços de desenho que mais parecem rabiscos, e intervenções aparentemente desconexas, que, de fato, não parecem ter saído de uma mente que prefere a razão à emoção. O carioca, que vive há 38 anos em Brasília, é ;artista credenciado; desde os 30, quando exibiu seus primeiros trabalhos. Hoje, aos 70, comemora quatro décadas dedicadas às artes plásticas com a exposição ArteTropiPop e a oficina de colagem Sicolacolou, na Caixa Cultural, em parceria com o projeto Gente Arteira.

Sem preocupações comerciais, já que trabalhou como desenhista da Caixa Econômica Federal, Zéllo pôde exacerbar seus impulsos criativos com liberdade. ;Tinha o salário do meu trabalho. Ajudou a não me envolver com essa parte financeira da arte. Eu fazia arte porque era meu alimento, meu suor, um suor diferente do trabalho assalariado. Arte nunca me deu estresse, nunca teve ;bom-dia, boa-tarde;, horário de chegar. Tive o privilégio de ser amparado por ela;, diz.

Em 1969, ele começou a frequentar o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e estabeleceu contato com a comunidade artística carioca. Quando era apenas Zelu, alcunha de José Luis Visconti, inscreveu, com sucesso, trabalhos no Salão de Belas Artes, em 1971. ;Comecei a me achar importante;, brinca. ;Eram peças mais voltadas para o desenho, a colagem era muito tímida.;

O aprendizado obtido com os professores do museu é comparado à amizade com a cantora Marlene, estrela da Rádio Nacional e quem o apelidou de Zéllo. ;A rádio foi a minha grande escola. Tinha de tudo: teatro, entrevista, música e uma madrinha maravilhosa, a Marlene. Fazia desenhos dela cantando, ela em cena e depois passei a acompanhá-la no teatro. Ela me disse: ;Vamos te batizar de Zéllo, com ll, que fica esnobe;;, relembra.

Em 1974, visitou a Casa do Brasil, em Madri, com a exposição individual Danças e visuais. Para Zéllo, uma colagem ainda ingênua. ;Eram aquarelados com colagem e desenho. Não tinha nada ainda estruturado no sentido da forma. Apenas explosões de emoção da brasilidade, muita cor, muitas linhas;, define. Chegou da Europa e veio morar no Planalto Central.

Sem moldura dourada
Foi na capital que a colagem de Zéllo encontrou temas e personagens definitivos: carnaval, índios, futebol e moda. Com exposições individuais, o carioca conseguia contatos e recursos para mostrar seus trabalhos nos Estados Unidos e, principalmente, na Europa. Irrequieto, Zéllo só sabe criar ao som de música e adora iniciar suas exposições com performances de teatro. E despreza mostras com quadros emoldurados, presos à parede. ;Não quero catálogo. A minha carreira não foi em busca de moldura dourada. Nunca me incomodei de expor em lugar pequeno, afastado, que não fosse galeria. A proposta é o público chegar e ver o que é, ver o que não é;, diz.

As colagens, elaboradas numa profusão de pinceladas e recortes de papel, são fragmentos de uma espontaneidade nunca refreada. ;Eu era um cômico, sou um cômico. Meu trabalho é picadeiro, exige envolvimento. Meu chão é de serragem de circo. Sempre fui um menino de ficar com pé no chão, na terra, circo, parque, campo de futebol, bloco de rua no carnaval;, descreve.

No foyer da Caixa Cultural, material impresso de boa parte da carreira de Zéllo está exposto ao lado da obra mais recente. ArteTropiPop interrompe um hiato de seis anos sem novas individuais, com intervenções sobre máscaras das Cavalhadas de Pirenópolis, e resgata material gráfico da carreira do artista.

Durante os anos em que ficou sem mostrar seu trabalho em Brasília, ele andou pelas ruas de Pirenópolis, encantado com as Cavalhadas, festividade que ocorre após a Festa do Divino. As máscaras da celebração, de papel machê, receberam novos adornos e cores. ;Comecei a pensar assim: o suporte é a máscara, e o tema? Pensei em colocar o boi visitando lugares que não costuma visitar, como o Boi Bebum, o Boi Baco, com rolhas, taças e cachos de uva na cabeça;, explica.

Apesar de inserções em coletivos, Zéllo passou mais de meia década sem apresentar trabalhos individuais na capital federal. Preferiu observar a cidade a distância durante algum tempo, e decidiu se afastar. ;Picuinha de associação, de briga de artista, de vaidade mal canalizada. Agora estou chato. Porque acho que ter 40 anos de arte não é envelhecer, é ter consciência do que estou fazendo. Se você não pode fazer, vai diminuindo. Até não fazer.; O momento atual, porém, é de farta produção, com a intuição corajosa de suas primeiras exposições. ;Minha alegria está na arte. Cada um procura a sua. Se colar, colou;, acredita.


ARTETROPIPOP
Exposição de Zéllo Visconti, aberta até 28 de janeiro, das 9h às 21h, no foyer da Caixa Cultural (SBS, Q. 4, Lote 3/4). Oficina Sicolacolou: de terça a sexta, das 15h às 18h. Informações: 3206-9892.


De Brasília À França

Entre as mais de 100 mostras de que participou, Zéllo Visconti destaca três marcantes. Marilyn Miranda... sacudindo os balangandãs (1988) foi um estouro na extinta Itaú Galeria. ;As duas desceram, baixaram e começaram a brigar. A Marilyn roubou o turbante da Carmen, a Carmen arrancou o vestido da Marilyn;, diz, rindo. No ano seguinte, a mostra invadiu o Museu Carmen Miranda, no Rio de Janeiro, e levou o artista a outros cantos do Brasil e do mundo. Alguns anos depois, Zéllo se colocou ao lado da musa numa colagem autobiográfica, em Carmen de Zéllo (1997).

Terceira incursão pela cultura indígena, Séchoir (1997) instalou no Museu Municipal Mougins, sul da França, e em Salzburgo (Áustria) colagens ambientadas com gravação de um coro xingu e incenso. ;A pessoa entrava e via tudo pendurado e tinta no chão, pra mostrar que a cultura estava sendo lavada;, recorda. A ousadia atraiu espectadores que saíam das projeções do Festival de Cannes, cidade próxima a Mougins.

Zéllo viria a aprontar novamente com Se a moda pega (1999), no shopping Conjunto Nacional. Na abertura, mulheres vestindo grifes diversas, homens trajando lingerie, e garçons servindo Cuba Libre só de gravata borboleta e sunga. E ainda havia espaço para um severo comentário social. ;Foi na época em que morreu o índio Galdino. Coloquei lá em cima gaiolas dependuradas, com manequins amordaçados. No chão, uma gaiola quebrada com coisas de índio queimadas. Pensei: se a moda pega...;, conta.

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