Diversão e Arte

Coletânea recupera os esboços da fase inicial de Bob Dylan

postado em 23/01/2011 10:56
Antes de engatilhar guitarras elétricas e se alistar no front do rock, Bob Dylan já havia liderado uma outra revolução musical nos anos 1960. Aos 20 anos de idade, ainda sob as luzes fracas dos pequenos bares de Nova York, o rapaz magro e branquelo de Duluth, Minnesota, sabotou um estigma da indústria americana. As convenções da primeira metade do século 20 determinavam que cantores gravassem as canções escritas por um time de compositores que agradava aos desejos e às necessidades das grandes gravadoras (uma fase simbolizada pela produção dos autores da Tin Pan Alley, em Manhattan). Mas, armado com um violão e uma gaita, Robert Allan Zimmerman fuzilou a tradição.
Dylan foi o primeiro artista a assinar todas as composições de seus discos: urgência de formar um repertório
;As companhias de disco se viram obrigadas a lidar com artistas que queriam fazer música nos próprios termos. Um novo mundo começou aí;, observa o escritor Colin Escott, no encarte do CD duplo The bootleg series 9 ; The Witmark demos. A coletânea lançada pela Warner recupera (felizmente, sem polimento) os esboços gravados por Dylan entre 1962 e 1964. Nessa fase de iniciações, o jovem devoto de Woody Guthrie ainda bradava contra as injustiças americanas em canções de protesto como Blowin; in the wind e A hard rain; a-gonna fall. Gradualmente, descobria um proseado mais pessoal e abstrato, com tons surrealistas que definiriam a segunda etapa da carreira, iniciada em 1965 com o disco Bringing it all back home.

As 47 faixas do disco, apresentadas em generosas duas horas e meia de duração e com um encarte de 60 páginas, iluminam a ;adolescência; de Dylan com um flash duro ; sem retoques ou efeitos de estúdio. Em setembro de 1961, na mesma época em que o New York Times publicou um artigo elogioso sobre um show do cantor, a Columbia Records cometeu o que era considerado uma ousadia ao apostar numa geração de artistas folk que contradiziam os padrões de ;sofisticação; reproduzidos pela indústria. Os lançamentos da Columbia eram arredondados, confortáveis. As canções de Dylan tinham a aparência de peças rústicas de madeira. ;Dois mundos estavam pensando no que fazer um com o outro;, resume Escott.

Havia os preconceitos da ;velha guarda;, que ainda lamentava a decadência das big bands. Mas o produtor John Hammond, cujo mito era engrandecido por trabalhos com Billie Holiday e Bessie Smith, viu em Dylan sinceridade. E convenceu a gravadora a fazer um álbum que vendeu apenas 2,5 mil cópias. Antes e depois do fiasco, no entanto, o cantor não parou de escrever. No pequeno estúdio da M. Witmark & Sons, editora de canções comprada pela Warner em 1929 e que mantinha controle sobre a produção do cantor, registrava cada uma das dezenas de criações num gravador rudimentar.

Versões oficiais
Desde o fim dos anos 1960, esse arquivo foi negociado por fãs em versões piratas, repassados de fãs para fãs. Nos anos 1990, três das canções apareceram nos primeiros discos da Bootleg series, que dá caráter ;oficial; ao contrabando sonoro. Uma delas, Don;t think twice, It;s all right foi incluída no sétimo disco da coleção, de 2005 (a trilha sonora do documentário No direction home, de Martin Scorsese). Em The Witmark demos, elas finalmente são reunidas em ordem cronológica, para o alívio dos colecionadores.

A curiosidade do projeto é alternar as versões prematuras de canções que se tornaram clássicos (como Masters of war, Girl from North Country e The times they are a-changing) com títulos que não sobreviveram à seleção para os discos oficiais. A qualidade dos registros oscila entre a limpidez de Don;t think twice com a névoa ruidosa de Mr. Tambourine Man, a faixa mais recente da safra. As interpretações domésticas para pedras lascadas (e belíssimas) como Baby, let me follow you down e I;ll keep it with mine provocam no ouvinte a sensação de descobrir um segredo bem guardado.

Em todos os casos, o que se nota é um Dylan tomado pela urgência de compor e gravar ; de erguer rapidamente um repertório que, a exemplo dos ídolos, dialogasse com uma América em transformação. ;Ele foi o primeiro artista que podia escrever um disco de 10 ou 12 canções e ser o compositor de todas as canções. Quando Nat King Cole escrevia um disco de 12 canções, 12 diferentes compositores participavam. Dylan iniciou uma era;, compara Escott. The Witmark demos mostra as cortinas se abrindo.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação