postado em 28/01/2011 08:00
O nome é conhecido: Bart Simpson. Ele não é norte-americano nem o personagem travesso do famoso desenho animado, mas é igualmente sorridente. Produtor do documentário A corporação (2003), exibido e premiado no Festival Internacional de Cinema (FicBrasília) e em Sundance, o canadense está na capital há uma semana e meia. Sua quarta viagem à cidade revela propósitos criativos: com o apoio de Thiago Moysés (do longa Síndrome de Pinnochio ; Refluxo), na função de diretor de fotografia, ele faz testes de filmagens e materializa ideias para um documentário sobre Brasília.Bart Simpson planeja rodar o filme (ainda sem título) em 2011, e lançá-lo no ano que vem. ;O Fic foi o meu primeiro encontro com Brasília. E, como todos que vêm aqui, fui imediatamente impactado com a originalidade do lugar. Fiquei muito curioso e pensei que seria interessante fazer um filme aqui;, conta, em entrevista ao Correio, sob a sombra generosa de uma árvore entre a 104 e a 105 Norte. O calor tem sido um tormento para ele. Numa quadra esportiva ali perto, quatro meninos jogam bola e são captados pela lente de Moysés. Os primeiros registros de um projeto que acaba de começar.
Ele evita dar detalhes ; ;para não criar muitas expectativas; ;, mas adianta que será um documentário que explora a visão de um estrangeiro sobre a cidade. ;Vai olhar para princípios fundadores de Brasília, utilizando pessoas que vivem aqui como exemplo de como a filosofia da cidade evoluiu. E se evoluiu. É um momento tão interessante no Brasil; Estive aqui em 2004, mas percebo que a energia de hoje é diferente. É mais otimista, as pessoas estão mais felizes ; há problemas, claro, como em qualquer outro lugar. Parece que algo está acontecendo;, explica.
O período de observação é curto, e as filmagens oficiais ainda não têm data programada. Simpson vai trazer do Canadá talvez uma ou duas pessoas ; ;para que elas me lembrem de que não sou daqui; ;, e pretende rodar o documentário com uma equipe local. O mistério que ainda rodeia a produção é o mesmo que hipnotiza o estrangeiro. ;Estou tentando fazer justiça à cidade e às pessoas daqui, para que o resto do mundo se relacione com ela, entenda-a.;
A experiência no Planalto Central marca seu retorno à direção. ;Produzo há 12, 13 anos. Adoro. Mas sentia falta de dirigir e de estar imerso num projeto do ponto de vista do contador de histórias;, diz. ;Vou coproduzir. Estou em contato com algumas produtoras brasileiras;, completa, sem especificar nomes.
Por enquanto, é certa a presença do brasileiro Alexandre Klinke, à frente da trilha sonora. ;Ele é um guitarrista experimental, vive no Canadá. Vai ser uma música original um pouco exótica, mas que vai honrar o lugar. É uma tentativa de fazer algo reconhecível, mas único, como a cidade,; revela.
Capitalismo na mira
Além de A corporação, dirigido por Mark Achbar e Jennifer Abbott, Bart Simpson trabalhou como produtor em Bananas* (2009), do sueco Fredrik Gertten, filme favorito do público na última edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), na Cidade de Goiás. Os dois documentários abraçam um tema delicado: a natureza das empresas capitalistas. A corporação analisa, com apoio de entrevistas e dramatizações, a atuação de instituições privadas na sociedade (do século 18 ao mundo globalizado), e desvela o lado ganancioso e doentio dos negócios. ;É ligeiramente político. Estávamos, basicamente, perguntando: ;É isso que queremos?;. Causa debate, que é o mais importante;, comenta o canadense.
Bananas*, por sua vez, denuncia a irresponsabilidade da companhia alimentícia Dole Food. Bananeiros da Nicarágua, a serviço da empresa, foram expostos a um pesticida que os deixou estéreis. Há quatro meses, segundo Simpson, os trabalhadores ganharam na Justiça uma indenização de US$ 200 mil. ;É um drama de tribunal sobre esse grupo de pessoas, que se juntou a um advogado de Los Angeles e tentou conseguir compensação da Dole: a primeira vez que trabalhadores estrangeiros processaram uma companhia norte-americana num tribunal dos Estados Unidos. Se eles (da empresa) tivessem nos deixado quietos, seria um daqueles documentários que ninguém iria ver. Mas eles tentaram nos processar, argumentaram que dissemos mentiras e perderam. A luta dessas pessoas foi inspiradora. Acho que é um alerta pra nós. Precisamos disso;, destaca.
TRÊS PERGUNTAS-BART SIMPSON
Qual é a sua avaliação da atual cena do documentário?
Houve uma virada há oito, nove anos, pelo menos na América do Norte e na Europa, quando começamos a ver documentários com mais frequência no cinema. Mas tivemos o colapso econômico. É interessante, porque realmente houve um momento em que as companhias distribuidoras estavam injetando dinheiro nos documentários. Na minha opinião, não por causa da qualidade desses filmes. Eles pensavam mais ou menos assim: ;Ah, é barato fazer um documentário. Nós vamos investir e depois teremos um grande lucro;. Não acho que os distribuidores deram realmente atenção aos tipos de documentários que eram feitos na época. Entre A corporação e Bananas*, a cultura mudou um pouco. Você já não vê a mesma quantidade de dinheiro sendo colocada na distribuição para as cadeias de cinema. Parece que perdemos esse barco por pouco. Talvez ele volte.
Você acha que hoje as pessoas têm mais interesse em produções do gênero?
Acho que as pessoas estão mais conscientes, mas não sei se elas verão os filmes com mais frequência. O estigma de que documentário é chato está caindo. Documentários esportivos, musicais e históricos já têm um público tradicional. O gênero social-político é o mais humanista de todos. Mas nós, os realizadores, precisamos inovar.
Que espaço o documentário tem ocupado no cinema atual?
É um argumento velho, mas vale a pena dizer. Os conglomerados midiáticos controlam boa parte da imprensa. O documentário independente tem um lugar importante na democracia, porque você tem a chance de conhecer outros temas e pensar sobre eles por mais tempo. Os noticiários exercem muita pressão e preferem histórias curtas, geralmente com um final divertido. Na tevê e no rádio, você não tem mais tanto tempo. No impresso, é um pouco diferente. O independente é a chance de permanecer mais tempo na discussão. Acho que as pessoas querem entender as coisas, por isso veem documentários.