Diversão e Arte

Cantora Arícia Mess volta à cena com um CD impecável

postado em 31/01/2011 08:00

Arícia Mess tem uma trajetória peculiar. A cantora e compositora niteroiense começou a aparecer na cena musical carioca nos primeiros anos da década de 1990. Transitava no mesmo meio em que estavam músicos como Pedro Luis (o da Parede), Carlos Trilha e Rodrigo Campello. Era bem recebida no circuito alternativo de shows da cidade. No entanto, o primeiro disco, Cabeça coração, só viria em 2000. Pouco tempo depois, Arícia (aparentemente) saiu de cena e só recentemente reapareceu com um novo (e ótimo) álbum, Onde mora o segredo. Com o disco veio a justificativa para esse provável recolhimento temporário.

;Eu me mudei do Rio para São Paulo mais ou menos em 2002. Quando você muda de cidade, acho que dá uma zerada. E deu uma zerada em minha vida. Tive que estruturar tudo de novo, casa, vida pessoal, trabalho; As pessoas não me conheciam tanto em São Paulo. Mas foi bom porque, nesse meio tempo, aprendi um monte de coisas que não sabia;, conta. Entre essas coisas, contabiliza o domínio de novas tecnologias de gravação, o que a permitiu produzir ela mesma o novo disco. ;O trabalho amadureceu, eu me envolvi mais na produção, tive acesso a novas mídias, programações, pude me aprofundar, me deu mais autonomia;, diz Arícia, que assina com Carlos Trilha e Fernando Morello a produção, a masterização e os arranjos e, sozinha, a direção musical do álbum.

Dedicado ;às índias e às negras;, Onde mora o segredo é carregado de referências à negritude nas letras e de influências da black music. Arícia não atribui essa dedicatória e a recorrência temática a uma militância. ;Aconteceu mais por um sentimento ligado a minha ancestralidade, às mulheres da minha família, negras e índias, a uma necessidade do meu coração de dedicar o disco a essas mulheres simples, sem história, que vêm do nada, como eu. Na verdade, às mulheres brasileiras, que somos todas índias e negras;, explica. Quanto à influência musical, ela acha que é inevitável: ;A música negra é muito ampla, é tudo, desde o samba, o reggae, o soul. E eu, na verdade, escuto tudo isso. Gosto de ouvir Michael Jackson, Stevie Wonder, Martinho da Vila, Clementina (de Jesus); Isso tudo me influencia;.

No resultado, chama a atenção, sobretudo, o apelo dançante de músicas como Porta aberta (de Arícia, Aurélio Dias e Suely Mesquita), Hora boa (de Arícia e Suely) e Preto Velho (de Marcus Cabeção). ;Isso é natural em mim, adoro dançar. Uma das coisas de que mais gosto na vida, depois de fazer música. E, naturalmente, faço música para dançar. É uma delícia!”, afirma a cantora e compositora. Arícia, aliás, parece levar a condição do prazer a todos os aspectos de sua música. Na escolha das parcerias, por exemplo.

;Suely é (a parceira) mais antiga, é quem conheço há mais tempo, é comadre, muito próxima ; embora atualmente nem estejamos tão próximas assim. Mas temos uma familiaridade, uma coisa em comum, gosto das letras dela, são fáceis de musicar. Quando leio, as músicas já saltam. Gosto dos temas, do que ela fala, bate com o que me interessa;, diz, referindo-se à conterrânea Suely Mesquita, que coassina quatro das 11 faixas do álbum ; uma delas, Interesse, com Pedro Luis. A mesma dinâmica acontece com Paula Pretta, parceira mais recente, com quem Arícia compôs Bate folha Jurema.

Prazeroso também é o processo de escolha de músicas de outros compositores incluídas no repertório. ;Escolho quando sinto que essa coisa é minha, que eu poderia ter feito, quando bate num lugar muito íntimo;, conta. ;Geralmente, primeiro eu resolvo cantar, depois gravo. Todas que estão no disco são músicas que eu vinha cantando nos shows, com a banda. Vêm de um amadurecimento de show. É difícil cantar música dos outros, apropriar-se, incorporar; Tem que ter uma incorporação.; Foi assim, por exemplo, com Black is beautiful (Marcos e Paulo Sérgio Valle), Dengue (Leci Brandão) e Clariô (Péricles Cavalcanti), das quais Arícia se apropria em Onde mora o segredo.

Crítica // Onde mora o segredo ****

Pense e dance

O nome de Arícia Mess tem sido mais conhecido dos créditos de discos de outros cantores, como compositora. Pena que a cantora não apareça com mais frequência. Ela é dona de uma voz que soa poderosa sem esforço e de uma musicalidade marcada por um suingue igualmente natural. Em Onde mora o segredo, essas características se encaixam com perfeição com um repertório bem encadeado e com arranjos nos quais os recursos eletrônicos não se sobrepõem aos demais instrumentos, mas os apoiam, criando uma sonoridade que exala suor, sensual, que induz o ouvinte ao movimento. Isso, mesmo em canções intimistas, como o delicado e delicioso sambinha Gosto mais, de sua autoria. Chega ao ápice em Porta aberta, que tem contagiante levada soul. Mas, em Onde mora o segredo, esse e outros ritmos e gêneros que costumamos abrigar sob o rótulo de black music, ou música negra, se reinventam em um som moderno e particular, inteligente e ao mesmo tempo extremamente dançante.

ONDE MORA O SEGREDO
Segundo disco da cantora e compositora niteroiense Arícia Mess, produzido por ela, Carlos Trilha e Fernando Morello. Lançamento Tratore, 11 faixas. Preço médio: R$ 30.RR)

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