Diversão e Arte

Após longo período, adolescência volta a conquistar o cinema brasileiro

postado em 02/02/2011 07:40
Olivia Torres e Kayky Brito em cena de Desenrola: retrato fiel da época vivida pelos personagensO surfista bronzeado ainda tem encantos, mas pode não ser tão atraente quanto o nerd da turma, sincero e sentimental. O roqueiro continua rebelde ; mas, nos momentos de tristeza, rasga o coração em textos sofridos de blog. E a mocinha não abandona o sonho do amor perfeito, mesmo quando o romantismo tem que se adaptar a um mundo em que meninas engravidam, abortam, fazem escolhas erradas, amadurecem às vezes cedo demais. A paisagem pode lembrar os sucessos de bilheteria dos anos 1980. Mas, na nova safra de filmes brasileiros sobre adolescentes, uma conclusão parece inevitável: a juventude não é um sonho de verão. Evitar a ingenuidade é o compromisso de longas-metragens ;teen; como As melhores coisas do mundo, Os famosos e os duendes da morte, Sonhos roubados e Desenrola, lançados nos cinemas entre 2010 e 2011. Apesar das diferenças de tom e estilo, eles compartilham o desejo de ver a puberdade sem a névoa cor-de-rosa (choque) das comédias norte-americanas dos anos 1980. John Hughes, o diretor de Gatinhas e gatões e Curtindo a vida adoidado, é uma referência afetiva. Mas, para os cineastas que se dedicam ao tema, o realismo vence a fantasia. ;O adolescente é extremamente rico como personagem de uma trama e os assuntos a serem abordados são infinitos;, resume a diretora gaúcha Ana Luiza Azevedo, de Antes que o mundo acabe, recém-lançado em DVD. Em cartaz nos cinemas, a comédia Desenrola é um exemplo dessa renovação do cinema juvenil nacional. A trama, sobre as descobertas amorosas de uma menina de 16 anos (Olivia Torres), foi inspirada em fitas oitentistas como Menino do Rio (1981). O clima de férias, no entanto, não lima a ambição de um retrato fiel do período em que os personagens vivem. O roteiro foi desenvolvido após uma série de leituras organizadas em escolas e via internet. ;Tentamos deixar o filme aberto. O elenco tem a idade dos personagens. Eles puderam modificar os diálogos e sugerir mudanças. A ideia era buscar uma certa honestidade;, observa a diretora Rosane Svartman. A plateia ainda é restrita, mas as possibilidades de diálogo com o espectador são exploradas lentamente. ;O público jovem está abandonado pela produção brasileira há muitos anos;, observa Pedro Butcher, do site Filme B, especialista em análise de mercado. Apesar do entusiasmo, os números de bilheteria ainda não são animadores, chegando ao máximo na casa dos 300 mil espectadores. ;O começo da retomada do cinema brasileiro (em 1995) foi marcado por filmes para adultos. Hoje, os adolescentes assistem a lançamentos como Tropa de Elite 2. Não vai ser fácil reconquistá-los do dia para a noite;, observa Pedro. Para Ana Luiza Azevedo, as dificuldades de conquistar a plateia passam por uma resistência dos próprios adolescentes. ;Jovens de 15 a 25 anos são o maior público do cinema. Isso é estatística. Mas o adolescente é comandado pelo grupo. E o grupo é bastante influenciado pela grande mídia. Como nossos filmes não têm a força da mídia que as grandes produções americanas têm, é natural que eles não apareçam tanto;, afirma a cineasta, que integra a Casa de Cinema de Porto Alegre, produtora de fitas como Houve uma vez dois verões e Meu tio matou um cara, ambos com protagonistas jovens. Eu não sou daqui Se comparado ao marasmo dos anos 1990, o cinema jovem do Brasil passa por um período de colheita, com uma variedade de opções que oscila das narrativas mais introspectivas (Os famosos e os duendes da morte) às populares (Desenrola, High School Musical ; O desafio). As intrigas de Desenrola são encenadas à beira da praia, no calor carioca. Já as descobertas de As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzky (também lançado em DVD), surgem antes e depois da aula, no cotidiano de um colégio paulistano. Em Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho, e Antes que o mundo acabe, as angústias de crescer à margem da metrópole agregam mais um elemento raro ao gênero: a melancolia e o vazio existencial no interior gelado do Rio Grande do Sul. Já A alegria, dirigido por Marina Meliande e Felipe Bragança, desenha o retrato da geração anos 2000 no Rio de Janeiro em ritmo lento e diálogos sem sentido. O segundo longa-metragem da trilogia Coração no fogo, que a dupla está realizando (o primeiro foi A fuga da mulher gorila), não é nem de longe o filme ;pipoca e refrigerante; para plateias de shopping centers. ;A maioria dos filmes para adolescentes feitos recentemente busca um olhar didático e comportamental. Não era esse o nosso foco central. Nosso interesse é estético e ético, acima do interesse por tema ou nicho de público;, afirma Bragança. O filme concorreu na mostra competitiva em 35mm do 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e deve estrear em meados deste ano. Vossa santidade, John HughesJohn Hughes (1950-2009) foi o responsável por estouros de bilheteria durante os anos 1980 com comédias juvenis exibidas exaustivamente na Sessão da tarde, da Rede Globo. Na década de 1990, ele continuaria bem-sucedido como produtor e roteirista da série de filmes Esqueceram de mim. Tachado de frívolo, Hughes é hoje celebrizado como gênio de um gênero cinematográfico menor. Morreu em 2009 de ataque cardíaco durante uma caminhada matinal. DESENROLA (Brasil, 2010, comédia, 88min, não recomendado para menores de 12 anos). De Rosane Svartman. Com Olívia Torres, Marcelo Novaes e Kayky Brito. Confira salas e horários no Roteiro. Julia Barros, Fiuk e Francisco Miguez em As melhores coisas do mundo: descobertas antes e depois das aulas Éramos tão jovens... Uma breve linha do tempo do cinema juvenil brasileiro Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968) ; Um dos maiores fenômenos juvenis do cinema brasileiro fez a cabeça de 4,1 milhões de espectadores. Na trama, com um quê de fita de ação e sequências musicais, Roberto Carlos é perseguido por uma quadrilha. Dirigido por Roberto Farias, de Assalto ao trem pagador. Menino do Rio (1981) ; O ator André de Biasi (antes do Lula de Armação ilimitada) acelerou os batimentos femininos no papel do surfista Ricardo Valente, que, apaixonado por uma menina rica, enfrenta o preconceito da classe alta carioca. Antônio Calmon, autor de novelas como Vamp, voltaria a dirigir Biasi em Garota dourada, de 1984. Bete Balanço (1984) ; As aventuras cariocas de uma estrela do rock de Governador Valadares (interpretada por Deborah Bloch) tratou os hits dos anos 1980 como válvula de escape para o público jovem. A trilha sonora, escrita por Cazuza e gravada pelo Barão Vermelho, se transformou num dos maiores símbolos pop da década. Uma escola atrapalhada (1990) ; Apesar de ter sido lançado como um filme dos Trapalhões, os humoristas fazem apenas pequenas participações num sucesso de público (2,5 milhões de ingressos) sobre picardias estudantis. No elenco, Angélica assume o posto de protagonista ao lado de Supla, o par romântico. O grupo Polegar participa. Sonho de verão (1990) ; Pegando carona no sucesso de Uma escola atrapalhada, as Paquitas e os Paquitos ; assistentes de palco do programa de tevê da Xuxa ; vão à forra e transformam uma casa abandonada numa colônia de férias. Sérgio Mallandro e Faustão participam. Houve uma vez dois verões (2002) ; Depois de um período de maré baixa nos anos 1990, os adolescentes voltam à tela nesta comédia gaúcha de Jorge Furtado (O homem que copiava). Com uma diferença marcante em relação aos hits dos anos 1980: em vez de sol, tempo nublado, praias nada turísticas e conflitos nem um pouco banais. Podecrer! (2007) ; Inspirado no livro de Marcelo O. Dantas, é um ;filme de época; sobre a juventude carioca do início dos anos 1980. Os figurinos são cuidadosos e o clima de flashback soa convincente, mas a trama parece tão descartável quanto a dos sucessos teen década. Apenas o fim (2008) ; A comédia romântica dirigida pelo iniciante Matheus Souza vai aos corredores de uma universidade carioca para acompanhar o desfecho de uma história de amor. Uma DR saborosa entre Gregório Duvivier e Erika Mader ; temperada por cultura pop. Cinema adolescente Em 2010/ As melhores coisas do mundo, de Laís Bodanzky/ Antes que o mundo acabe, de Ana Luiza Azevedo/ Os famosos e os duendes da morte, de Esmir Filho/ Sonhos roubados, de Sandra Werneck /High School Musical ; O desafio, de César Rodrigues: Em 2011 /Desenrola, de Rosane Svartman/ Capitães de areia, de Cecília Amado/ A alegria, de Marina Meliande e Felipe Bragança

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação