postado em 04/02/2011 08:18
Daniel Bejar, 38 anos, admite logo de início: é um cara estranho. Com uma voz anasalada que por vezes lembra o Bob Dylan de Blonde on blonde (1966), o canadense fala um idioma quase incompreensível pela geração My Space: prefere poesia a rock ;n; roll, escreve canções cheias de referências a filmes antigos e livros obscuros, admite que não entende nada das manhas de um bom refrão. Por acaso, tropeçou na música pop. ;Não sei compor. Gosto é de cantar;, confessou recentemente ao site The A.V. Club. Modéstia à parte, é essa posição de desconforto, de inadequação às ondas do rock independente, que faz de Bejar uma figura admirável ; já que nada ordinária. Imprevisível, sim. Mas, mesmo quando se multiplica em coletivos de power pop (The New Pornographers) e art rock (Frog Eyes), não esquece de apresentar um RG que os fãs identificam imediatamente. Entre todos os lares do compositor nenhum soa tão particular quanto o Destroyer, a banda mutante que ele lidera desde meados dos anos 1990.
Talvez para justificar o nome, o Destroyer dinamita o próprio estilo a cada disco. A reconstrução começa dois, três anos depois ; e com materiais sempre inusitados. Desde 2001, quando lançou o lânguido (e ótimo) Streehawk: a seduction, o projeto ;solo; de Bejar garantiu um porto de prestígio numa fase luminosa do rock canadense. Mas é com o recém-lançado Kaputt que ele dá o salto que pode ampliar o público de uma banda até agora tratada como uma pepita do underground. ;Esta é a minha primeira tentativa de gravar um álbum pop;, afirmou. A sonoridade do disco deve provocar certo choque em quem se afeiçoou às belezas excêntricas de Rubies (2006) e Your blues (2004). Na transformação mais radical da carreira, o compositor dá refresco às guitarras para se dedicar a um mix de synthpop dos anos 1980 com jazz e ambient. Uma combinação tão démodé que poderia soar simplesmente esdrúxula, datada. Mas não para Bejar, que se derrama sobre melodias tiradas no saxofone e a atmosfera de melancolia criada por camadas e mais camadas de sintetizadores. O sonho, desta vez, evoca uma temporada chuvosa. Nuvens de chumbo.
Ar de solidão
Nas letras, Bejar narra histórias de personagens solitários, que vagam como almas penadas pela noite da cidade. O universo de referências, desta vez, parece se retrair ; sem tantas notas de rodapé, as canções soam mais límpidas, mais diretas do que os fluxos de consciência que sempre foram tão caros ao cantor. Até o jeito de cantar parece diferente, mais contido. Entre as influências do disco, ele cita as trilhas sonoras de filmes dirigidos por Michael Mann (Fogo contra fogo) e Alan Rudolph (Equinox). Só desdenha da comparação com hits oitentistas. ;Muitas dessas bandas eram estridentes, juvenis, românticas. Não acredito que eu me aproxime delas;, retrucou.
Em comparação aos discos anteriores, uma marca do Destroyer não mudou: enigmáticas, as canções ainda permitem uma infinidade de interpretações. Tanto que os fãs criaram um site, o Destroyer Wiki, dedicado a destrinchar as criações do músico (em www.deftone.com/destroyer). Sem, é claro, tentar encontrar respostas fáceis. ;A intenção do site não é chegar a uma conclusão sobre os temas das músicas. Eu não sei sobre o que elas tratam. E ninguém sabe;, avisou o webmaster. Sob a névoa de Kaputt, o mistério continua.
Se gostou, ouça
Conheça as várias personalidades de Daniel Bejar
The New Pornographers
; No supergrupo de power pop, Bejar assina faixas viciantes como Jackie, dressed in cobras e Silver Jenny dollar. É o playground do compositor. Ouça em www.myspace. com/thenewpornographers.
Frog Eyes
; O caos é a identidade deste quarteto liderado por Carey Mercer. Estranheza das boas. Apesar de não integrar o grupo, Bejar dividiu o álbum Notorious lightning solo com eles. Ouça em www.myspace.com/ frogeyes.
Swan Lake
; Uma banda ;de compositores;, formada por Bejar, Mercer (Frog Eyes) e Spencer Krug (Wolf Parade e Sunset Rubdown). Despretensioso e experimental. Ouça em www. myspace.com/swanlaketheband.
Hello, Blue Roses
; Colaboração entre Bejar e a namorada Sydney Vermont, artista plástica de Vancouver. Lançou o álbum de estreia em 2008. Ouça em www.myspace.com/helloblueroses.
DESTROYER
Conheça a banda canadense em www.myspace.com/destroyer. O disco Kaputt é um lançamento da Merge Records. Importado. ****