Diversão e Arte

Festival de Gotemburgo mostra força da indústria cinematográfica na Suécia

País produz 40 longas-metragens por ano e dita tendências para o mercado norte-americano

Ricardo Daehn
postado em 07/02/2011 08:04
Gotemburgo (Suécia) - As ondas do destino, que há 15 anos projetaram o cinema do dinamarquês Lars von Trier (e o então revolucionário movimento do Dogma), definitivamente, numa mudança de curso, oscilam a favor das cinematografias suecas e norueguesas. No 34; Festival Internacional de Cinema de Gotemburgo - uma das cinco maiores vitrines comerciais para filmes no mundo -, é nítido o entusiasmo por fitas que têm colecionado prêmios (no ano passado, foram 170, um recorde) e batalhado pela resistência de retratos humanos (contra o cenário homogênico das extravagâncias hollywoodianas). São produções que ditam tendência para líderes da sétima arte nos Estados Unidos, sedentos de novas versões para sucessos como Os homens que não amavam as mulheres (sob o comando de David Fincher), Easy money (com Zac Efron), e Deixe-me entrar.

She Monkeys (Apflickorna), da estreante Lisa Aschan, foi escolhido o melhor filme nórdico do festival"Se os resultados comerciais confirmam um impulso para a Suécia, em termos de criação, podemos cercar uma perspectiva escandinava. Tratar de modo sombrio relações familiares, num viés psicológico, é algo cultural, não restrito a Ingmar Bergman, que, na verdade, já bebia do teatro de August Strindberg e de Henrik Ibsen. Trata-se de algo enraizado", observa a atriz Pernilla August (a Shmi Skywalker de Guerra nas estrelas), reluzente no festival (encerrado ontem) que exibiu tanto Miss Kicki (no qual está perfeita) e a estreia como diretora de longas, em Beyond (premiado em Veneza).

"Tínhamos uma diretora, uma roteirista e uma produtora: tínhamos, portanto, tudo", diverte-se Pernilla, ao reforçar uma preocupação da indústria sueca, que luta pela equiparação de sexos. Recentemente, mais de 120 mil euros estimularam a admissão de diretoras num setor movimentado pelo investimento anual de mais 40 milhões de euros.

Exemplar no potencial feminino, a estreante cineasta Lisa Aschan, premiada nesta 34; edição do Festival de Gotemburgo com a estreia mundial de She monkeys (prestes a representar a Suécia no Festival de Berlim), é categórica: "É fundamental criar um ambiente no qual todas as vozes sejam ouvidas". Aos 32 anos, ela causou frisson com sua fita de produção modesta (R$ 2 milhões), que trata de um embate hípico entre meninas, embalado, na embrionária criação, por uma imagem de Shirley Temple e um texto do francês Georges Bataille.
[SAIBAMAIS]
Em linha oposta, com experiência de mais de 35 anos em set, e no ramo documental (com 17 filmes já exibidos em cinemas), a diretora Maj Wechselmann - que apresentou em Gotemburgo You decide (Det ar upp till dig) - endossou a atual visibilidade das mulheres. "Conto com o apoio da imprensa que sempre nivelou documentários e ficções. Além do mais, o sistema que realinha a posição das mulheres está em curso. É sempre vantajoso ser mulher", brinca a realizadora, que há dois anos teve 1,2 milhão de espectadores, via tevê. "O suporte digital propiciou a entrada de mais jovens mulheres no mercado. Eu mesma, aos 69 anos, venho me adaptando à realidade das câmeras menores, que dão dinâmica aos projetos", explica.

Documentários
Visões autênticas do mundo são fomentadas por suecos como o artista plástico Pal Hollender, autor do longa Finding Ali, no qual retoma o contato com o afegão Ali Sajjad, que o guiou, há uma década, noutra empreitada cinematográfica. "Desde a projeção de Michael Moore (Fahrenheit - 11 de setembro), diretores e espectadores têm se interessado pelo documentário. Em salas menores, representam um bom público", conta.

Para além do processo artesanal adotado por Hollender, com consumo médio de 2,2 milhões de euros, cerca de 40 longas têm sido criados anualmente na Suécia. Em acordo que vigora até 2012, o governo, a própria indústria de cinema e a televisão formam a base de recursos das fitas. Dez por cento das bilheterias são entregues ao Swedish Film Institute para realimentar a cadeia produtiva.

Preservação da memória e promoção no exterior - a cargo do Swedish Institute %u2014são ferramentas que fortalecem o consumo interno dos filmes suecos, que ocupam um terço do mercado exibidor. "Com a facilidade tecnológica, há o avanço da pirataria. No combate disso, estudamos agilizar o barateamento da venda de filmes pela internet. O ano será de transformação, com prometida adesão absoluta do sistema de projeção digital nas salas, numa realidade em que ao menos metade dos filmes já é feita no suporte. Aliás, o último dos 10 laboratórios de filmes está prestes a fechar", conta Lars Hedenstedt, gestor do Swedish Institute.

"Sem Hollywood, em Trollywood"
Transformação é palavra de ordem no cinema sueco. "Nossas escolas de cinema (uma em Gotemburgo e outra em Estocolmo), nos últimos dois anos, impulsionaram a carreira de estreantes, premiados em Cannes (Ola Simonsson e Camilla Skagerstr;m), em Berlim (Babak Najafi) e outros talentosos, como Lisa Langseth (Pure) e Hakon Liu (Miss Kicki), que vieram de curtas", observa Pia Lundberg, diretora do Departamento Internacional do Swedish Film Institute. Alargando o potencial de vendas, thrillers e filmes de zumbis e afins, associados às coproduções (passado o efeito Millennium, adaptado para as telas), alavancam o mercado que vende 17 milhões de ingressos por ano.

Sede para projetos de diretores como Josef Fares e Lukas Moodysson, além de base para o set dos filmes do dinamarquês Lars von Trier, a cidade de Trollh;ttan (na costa ocidental) é plataforma decisiva para a expansão - com estúdios e centros de pós-produção - da atividade, em muito concentrada na gigante Film i V;st, dirigida por Tomas Eskilsson. "Sem Hollywood, em Trollywood. É o que costumamos dizer por aqui", ri Eskilsson, ao falar do foco, há sete anos, concentrado nas coproduções internacionais. "Privilegiamos títulos com potencial de ocupar as listas oficiais de festivais internacionais, e por isso, apoiamos pessoas como Susanne Bier (atual representante da Dinamarca no Oscar, com In a better world), Michael Winterbottom (autor regular, no circuito Cannes, Berlim e Bafta) e Florin Serban (romeno, vencedor de dois prêmios em Berlim)."

Dupla promissora

Andreas ;hman
; Foi por pouco: entre os nove pré-candidatos às cinco vagas de filme estrangeiro, o sueco Andreas ;hman , 26 anos, teve a indicação ao Oscar batida na trave. Vindo da animação, o autodidata levou Simple Simon, comédia com personagem abatido pela síndrome de Asperger, à condição de terceiro filme mais visto na Suécia, em 2010. Longe do "desafio unidimensional do drama", ;hman - que perdeu uma irmã (em acidente), aos 9 anos - prefere outro espectro: "Quero falar sobre vida, enfocar coisas que engrandeçam e tragam esperança".

Hakon Liu
; "A atriz Pernilla August foi minha bagatela de fim de ano, em 2009", diverte-se Hakon Liu, estreante em longas nascido na Noruega e formado na Suécia, ao falar do limitado orçamento para debutar, sob o apoio do projeto Rookie, com o filme Miss Kicki. Aos 36 anos, ele conta que teve o caminho pavimentado pelo apoio do Swedish Film Institute, na experiência com curtas. Numa trama terna (sob pontos de contato com Sofia Coppola) - de aproximação entre uma mãe e o filho --, nada lembra a violência emanada por alguns imaturos diretores nórdicos. "Acredito na sensibilidade: não me interesso pela agressividade masculina. Pessoas e personagens ruins não são meu tema", diz.

; Os vencedores/ Confira os premiados na 34; edição do Festival Internacional de Cinema de Gotemburgo

Prêmio Dragon para melhor filme nórdico - She Monkeys (Apflickorna, 2011), de Lisa Aschan, vencedor ainda do Prêmio Fipresci I Prêmio Dragon para filme nórdico, na escolha do público - I miss you (Jag saknar Dig, 2011), de Anders Gr;nros I The Ingmar Bergman Internacional Debut Award - Blue Valentine (EUA, 2010), de Derek Cianfrance I Prêmio Dragon de melhor longa, na escolha do público - Tears of Gaza (Dinamarca, 2010), de Vibeke Lokkeberg / Prêmio Dragon de melhor documentário sueco - I was worth 50 sheep (Jag var v;rd 50 lamm, 2011), de Nima Sarvestani / Prêmio Dragon para melhor revelação - Roberto Pérez Toledo (pelo curta espanhol Los gritones)

O repórter viajou a convite da Embaixada da Suécia

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