postado em 07/02/2011 08:13
Ortinho pode não ter ficado tão conhecido como seus companheiros de manguebeat, mas é bem provável que você já tenha escutado alguma música dele por aí. Ex-líder da banda Querosene Jacaré, parceiro de Chico Science em Sangue de bairro, o cantor e compositor pernambucano também está nos créditos dos discos mais bacanas da onda iê-iê-iê que se ergueu recentemente no pop nacional. Em Iê iê iê, o álbum que Arnaldo Antunes lançou em 2009, ele é coautor de três faixas: Meu coração, Envelhecer e A casa é sua. Em Feito pra acabar, CD de estreia de Marcelo Jeneci, assina duas (com Jeneci e Arnaldo): Café com leite de rosas e Pense duas vezes antes de esquecer. Nada como um bom cartão de visitas para entrar (em tempo) na festa e apresentar seu terceiro e melhor disco solo, Herói trancado.
Produzido por ele e o guitarrista Yuri Queiroga, Herói trancado traz 11 canções, quase todas compostas por Ortinho de dois anos para cá. Café com leite de rosas e Pense duas vezes antes de esquecer estão lá, ao lado de Retrovisores, outra ótima dobradinha com Arnaldo Antunes (e Mauro Fini). Foi o reencontro com Arnaldo, aliás, que deu o tom do álbum, bem mais pop do que os anteriores Ilha do destino (2002) e Somos (2006). "Fazer três músicas para o Iê iê iê foi um aprendizado. Arnaldo é um grande mestre, um compositor sempre atual, que nunca se acomoda", elogia o pernambucano, que já tinha uma parceria com o "professor" (e Antonio Risério) em seu disco de estreia, a música O engano do humano.
Ortinho conta que tinha outra ideia para o terceiro CD. O plano era lançar um disco com as sobras dos anteriores, material mais do que suficiente. "O repertório estava pronto, mas achava meio solto, queria amadurecer mais", lembra. "Quando Arnaldo veio para a Praia dos Carneiros (a 110km de Recife), a gente se encontrou e começou a compor com essa linguagem. Peguei o fio da história, me desviei do disco que estava fazendo e acabei descobrindo o que vinha buscando: uma outra forma de compor, mais brasileira do que regional, não tão fincada em Pernambuco."
Entre amigos
Fazia um tempo que ele vinha tentando se desvincular um pouco da "necessidade regionalista" e experimental de sua antiga banda, a Querosene Jacaré, também presente no primeiro disco solo. O segundo já indicava uma linha mais pop (romântica, até), mas a guinada só veio mesmo com o terceiro. Em Herói trancado, Ortinho faz música universal cercado de conterrâneos, como Dengue (que toca baixo em 10 faixas) e Jorge Du Peixe (voz em Saudades de mundo), ambos da Nação Zumbi; Vicente Machado, baterista do Mombojó (e do disco todo); e o pianista Vitor Araújo (Retrovisores e Sonhar de novo). Na outra ponta, paulistana, vieram Edgard Scandurra (guitarra em O cara do outro lado), Luiz Chagas (guitarra em Herói trancado e Sonhar de novo) e Arnaldo Antunes, nos vocais de Retrovisores.
Cada um dos convidados, segundo ele, contribuiu com a própria musicalidade para este que é seu disco mais compacto - e ao mesmo tempo, mais elaborado, em termos de arranjos. "Deixei aberto para que os músicos participassem. Dengue, por exemplo, trouxe muita coisa dele, é um cara bacana de trabalhar em estúdio", ressalta o cantor, que de última hora incluiu uma nova versão para Você não sabe da missa um terço, do repertório do Querosene. É a única antiga do repertório. Entrou porque ganhou um arranjo mais groove - criado quando ele brincava ao violão - e realmente caiu bem ali.
Com a turma dos sonhos
Nascido em Caruaru, Ortinho (na certidão, Wharton Gonçalves Filho) demorou para gostar do Recife. Ia à capital pernambucana quando criança, aproveitar a Praia de Boa Viagem com a tia e os primos, mas na adolescência não quis saber disso não. Morou em Belo Jardim (cidade natal de Otto) entre 1981 e 1983, e achava bom mesmo era viver no Alto do Moura, um vilarejo perto de Caruaru, terra de Mestre Vitalino, onde estudava artes plásticas com o casal Jairo Arcoverde e Betty Gatis.
"Ah, eu estava buscando o que fazer da vida, estudava teatro, artes plásticas%u2026", lembra. "Um dia, vi na televisão uma entrevista de Fred Zero Quatro e Chico Science falando do que estava acontecendo no Recife. Paralisei. Quando vi Otto passando ali também, entrei no quarto, peguei uma roupa e falei: 'Vou nessa!' Não deu outra. Cheguei e logo me juntei com essa turma que eu estava, inconscientemente, buscando há muito tempo."
Não demorou para montar a Querosene Jacaré e entrar para a equipe de Baile perfumado, o filme de Lírio Ferreira e Paulo Caldas que foi premiado no Festival de Brasília e reuniu meio mundo daquela nova cena pernambucana. Sangue de bairro, parceria dele e de Chico Science, entrou na trilha do longa. Ortinho também se arriscou como ator. "Fui um daqueles cangaceiros", ri o cantor, que trocou Pernambuco por São Paulo no início dos anos 2000, mas já há um bom tempo descobriu que o melhor é passar um mês lá, outro acolá. "Enquanto der, fico na ponte-aérea. Gosto de viver no Recife."