Diversão e Arte

Cristina Roberto lembra o tempo em que comandou o bar Bom Demais

postado em 13/02/2011 08:00
Ela não estava nem aí, quando a festa ficava animada no restaurante de comida natural Bom Demais, deixava o caixa e era a primeira a cair na dança sempre ao som de artistas da cidade, como Cássia Eller, Renato Matos, Liga Tripa. Bons tempos aqueles; Cristina Roberto teve um bate-papo com o Correio e falou dos momentos e de ;boas pessoas; que conheceu nos sete anos em que comandou um dos principais pontos de cultura da cidade, o Bom Demais, nos anos 1980. Lugar onde o então estudante do Ceub Renato Russo bebia seu chopinho nas madrugadas de sexta-feira. Já famoso, ele chegou a cantar Beatles numa memorável madrugada no bar de Cristina, na 706 Norte.

Era bom demais

José Carlos Vieira
Irlam Rocha Lima
Sergio Maggio

ideia era fazer apenas um restaurante de comida natural?
Eu era mãe solteira de três filhos e a única coisa que sabia fazer na vida era cozinhar. Mas eu tinha esse viés cultural, era atriz de teatro (trabalhou com Humberto Pedrancini), tinha alguma ligação com os artistas da cidade, como Renato Matos. Sempre dizia: ;Quero fazer uma Buzina do Chacrinha (o programa); na cidade (risos). Mas eu também era naturalista, gostava de comida natural etc. Achava difícil juntar essas coisas: a que acreditava em termos de alimentação e a vida noturna, o showbusiness. A intenção do Bom Demais não era nem tanto ser uma casa noturna, só que o meu amigo e astrólogo Geraldo Seabra fez o mapa astral do bar e disse: ;Você tem que abrir no dia 8 de agosto, às 11h da noite, que terá muito sucesso;.

Você tinha planejado uma inauguração assim?
Foi muito engraçado porque eu não tinha me programado para isso, minha ideia era fazer um restaurante de almoço, com algumas atividades culturais. O bar foi um sucesso, a cidade inteira estava lá para a inauguração de um restaurante natural. Tudo que a gente tinha para fazer um sonzinho era uma jukebox (radiola de fichas). As pessoas começaram a ficar assíduas, comecei a vender cerveja, que não era minha intenção, e o bar foi crescendo mais para o lado cultural do que para o natural.

Quando começou a programação artística regular?
Acho que quando abriu as portas. As pessoas começaram a me procurar para se apresentar na casa. Naquela época, Brasília era muito sedenta disso. Renato Matos, por exemplo, era ;empregado; da casa. Ele tinha salário mensal, o que garantia para ele o aluguel no fim do mês, fazendo apresentações ou não. Eu gastava um terço do meu faturamento para pagar músicos. A casa não me deu lucro. Depois de sete anos, saí de lá como eu entrei. Era muito complicado fazer tudo sozinha.

Além do Renato Matos, quais artistas começaram pelo Bom Demais?
Oficina Blues, Vagabundo Sagrado, Adriano Faquini, Rubi, Cássia Eller;

Como a Cássia Eller apareceu lá?
Conheci Cássia quando ela tinha 14 anos. Depois, Luciana Banana, que era atriz e casada com ela, me pediu um espaço para Cássia fazer um show no bar. Elas estavam precisando de dinheiro na época. Cássia chegou com uma banda muito fraquinha. Eu disse: ;Com esse grupo não dá; ; eu me metia na vida de todo mundo (risos). Naquela época, tocava lá um pessoal que eu chamava de a Banda dos Bons, que era Zequinha Galvão (bateria), Toni Botelho (contrabaixo) e Nelson Faria (guitarra) ; que participou da gravação do primeiro disco dela. Eles eram todos músicos vindos da academia, estudiosos, de escola de música, orquestra, e a Cássia era aquela irreverência toda. Eles fizeram o primeiro ensaio com ela e torceram o nariz para o ;muito rock; de Cássia. Eram ligados ao jazz, à MPB. Zequinha tinha uma coisa engraçada: quando ele não gostava da pessoa que estava acompanhando, começava a desmontar a bateria (risos). O pessoal da Banda dos Bons fez dois ou três shows com Cássia, mas desistiu porque ela ;desafinava muito; para os ouvidos eruditos (risos). Em seguida, montamos outra banda com Geraldinho Horta (baixo), Iltinho (guitarra), Marcão (bateria), e foi um sucesso absurdo, isso em 1987.

Quando foi o grande momento da Cássia?
Foi nos shows das quintas-feiras, quando cabiam 200 pessoas na casa e outras centenas ficavam de fora. Tinha de tudo. O bochicho era grande, mas quando ela começava a cantar ninguém abria o bico. Era engraçado quando os vizinhos reclamavam do som e chamavam a Rocan, a polícia da época, para acabar com a música e eles não paravam, ficavam lá ouvindo Cássia cantar (risos). Cansei de ver a polícia com a viatura na porta assistindo ao show. Ela era magnética.

Como Cássia se destacava?
Embora curtisse rock e blues, ela pegava músicas bregas, como as de Evaldo Braga, e dava uma roupagem pop. Ela cantava e também fazia performances, como na música de Arrigo Barnabé Pô, amar é importante. Cássia fazia a voz do homem e a da mulher na música. As pessoas iam ao delírio com aquilo. Tudo para Cássia era levado com bom humor, alegria, leveza e ela passava isso para as pessoas nos shows.

Outra estrela que frequentava o bar para um chopinho básico
era Renato Russo. Tímido, ele preferia ir quando a casa estava mais vazia.
Renato era muito amigo do Marcelo Beré (Udigrudi). Ele ia muito lá com o Beré e ficava sempre recolhido, discreto. Teve uma noite que ele chegou, umas 2h da manhã, e Nice (então mulher de Beré) estava cantando acompanhada por Toninho Maia na guitarra. Renato era muito amigo de Toninho, porque ensaiava no estúdio Art Manha. Depois que Nice cantou, ele pegou o microfone e soltou a voz, interpretando canções dos Beatles por quase toda a madrugada. Na plateia, apenas umas 10 pessoas, no máximo. Nessa época, Renato já era famosíssimo.

Por que o Bom Demais ocupa o imaginário das pessoas até hoje?
O Bom Demais acabou em 30 de dezembro de 1990. Estava muito cansada, o Collor assumiu o governo, o dinheiro sumiu, mas o bar foi um dos espaços mais ricos de Brasília, mais democráticos. Tudo acontecia ali, de debate político a encontro de poetas, como Fernando Mendes Viana e Cassiano Nunes. Tinha até a calçada da fama criada por Reynaldo Jardim. Na parede do bar, havia uma foto do Reynaldo e do Caetano Veloso com as mãos na calçada da fama. O bar era quase um pé-sujo, localizado no meio de oficinas mecânicas da Asa Norte, mas com uma energia imensa. Tinha um palco pequeno e atrás dele um painel feito por Paulinho Andrade. Inúmeras bandas de rock também tocaram lá, como Marciano Sodomita, Akneton, Mata Hari, Little Quail, Capital Inicial, Raimundos ; eles me chamavam de Tia Cristina.

Como são os saraus em sua casa atualmente?
Trabalho muito, não tenho tempo para nada. Me casei quatro vezes. Costumo dizer que eu caso porque não tenho tempo para namorar (risos). Então, eu faço um sarau lá em casa. Começou numa época em que tinha me separado, estava muito doída.Minha casa tem um palco ;natural;. Um dia, o Renato Vasconcelos foi lá e disse que a casa era muito interessante, mas que faltava um piano. Decidi comprar um piano, arrumar gente para tocar, daí nasceu o sarau.

O que você acha de políticos intrometerem-se na vida cultural da cidade?
Não vejo nenhum político de Brasília capacitado para falar da vida cultural da cidade. Eles nem frequentam a cena cultural e, se frequentam, é para buscar voto. Não vejo um político realmente preocupado com isso.

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