postado em 24/02/2011 08:13
As inquietações femininas sempre renderam pano pra manga no teatro, mas as atrizes Telma Smith e Lorena Compoi resolveram dar a sua própria abordagem sobre a questão. Depois de uma longa pesquisa, elas perceberam que deveriam mergulhar na complexidade das relações entre mãe e filha. ;Partimos de uma fase da Simone de Beauvoir, que dizia que não se nasce mulher, torna-se mulher. Falamos dessa relação dialética, em que mulheres aprendem juntas a desempenhar seus papéis;, destaca Telma Smith. O resultado dessa reflexão é a peça Descalça?, que saiu dos palcos capixabas para um tour pelo Brasil. Em Brasília, o espetáculo ficará em cartaz amanhã e sábado, no Teatro Garagem, 913 Sul, sempre às 21h, dando visibilidade à nebulosa produção do Espírito Santo, que não costuma baixar nos teatros da cidade. O nome Descalça? é consequência de um desdobramento da pesquisa. No começo, as atrizes ficavam ligadas por uma corda durante todo o espetáculo, dando a ideia de um cordão umbilical. Como alguns movimentos ficavam impossíveis, elas se desataram e passaram a investigar a possibilidade de movimentar o jogo cênico com bonecas. Insistiram ainda em acessórios e figurinos, antes de chegar à seguinte frase de Clarice Lispector: ;Como evitar a alegria de andar descalça;. Os sapatos foram o mote para a mudança temática. Vinte e oito calçados, entre sandálias, saltos e sapatilhas, foram encapados pela figurinista Francina Flores e sempre que um novo par surge em cena, é sinal de uma nova personagem.
Apesar de a maternidade ser o eixo que norteia a trama, outros dilemas femininos surgem no palco, como a adolescência, a primeira menstruação, a escolha do vestido de noiva, o parto, a menopausa, as doenças. ;Falamos da mulher a partir de sua relação com outras mulheres;, destaca Telma. A inspiração inicial partiu das duas atrizes, que, juntas, compõem o Grupo Beta de Teatro. Depois de devorar referências como Clarice, músicas do Chico Buarque e filmes de Pedro Almódovar, elas se renderam ao livro Bisa Bia, Bisa Bel, de Ana Maria Machado. ;Tinha perdido minha mãe, estava carente de colo, companhia feminina. Passamos dois anos pesquisando o universo feminino;, destaca Lorena Compoi.
A imersão incluiu entrevistas com diversas mulheres, sempre direcionando o prazer e o desprazer de andar calçadas e sua relação com o mundo e com as outras mulheres que as cercam. ;Para algumas delas, andar descalça representa liberdade. Para outras, é uma castração. No fundo, essa metáfora tem a ver com a sua base, com a forma como você se posiciona no mundo;, afirma Telma. As entrevistas foram as mais ecléticas possíveis e incluíram desde a filha da atriz, de 4 anos, a uma desconhecida senhora de 65 anos.
Para dar amarração ao texto, Telma e Lorena convidaram dois diretores que não se conheciam: Aline Ferraz, de São Paulo, e Fernando Marques, de Vitória, no Espírito Santo, onde o projeto foi produzido. A partir das conversas e inspirações que tinham, as atrizes criavam improvisos, que os dois transformavam em dramaturgia. Cenas foram desmembradas e trechos de contos foram incluídos.
Descalça? ganhou dois prêmios da Funarte, um para montagem e outro para circulação (Myriam Muniz), que permitiu à peça excursionar por diferentes estados, como Paraná e Bahia além de Brasília.
DESCALÇA?
Do Grupo Beta de Teatro, do Espírito Santo. Com Lorena Compoi e Telma Smith. Amanhã e sábado, às 21h, no Teatro Garagem (913 Sul - 3445-4415). Entrada franca. Não recomendado para menores de 12 anos