Nahima Maciel
postado em 02/03/2011 07:00
Há um espaço entre o humano e o animalesco em o remorso de baltazar serapião (assim mesmo, em letras minúsculas). É um espaço que o leitor consegue definir após se questionar algumas vezes se o autor quis dizer aquilo mesmo, mas é um espaço inexistente na vida dos personagens do romance. O autor em questão é Valter Hugo Mãe, um português nascido em Angola há 39 anos, que surpreendeu Portugal, em 2007, com uma narrativa coloquial densa e responsável por ganhar o Prêmio Literário José Saramago. A família Serapião vive nos confins de um Portugal rural, e os indícios fornecidos pelo narrador levam apenas a crer em um tempo em que senhores mandavam em seus empregados e tudo se passava segundo a vontade (e brutalidade) dos poderosos. Pois a tal família Serapião pertence a um senhor, embora não seja escrava, e conta com o desdém de outros camponeses porque tem amor desmesurado por uma vaca. O animal ocupa um quarto e tem direito a mais dignidade do que as mulheres da família. No ambiente de Baltazar, as mulheres são bichos e objetos de um desejo considerado demoníaco. Como corpos portadores de maldição que denigre o homem, tornam-se alvos de comportamento animalesco.
Machismo
É do machismo ainda presente no mundo contemporâneo que Hugo Mãe quer falar. E com um mergulho em português ;estragado;, consegue fazer da linguagem um ambiente para seus personagens dantescos. É preciso ler de uma só vez o romance para perder o fôlego (e a esperança) na narrativa que não comporta redenção. Uma brecha que Hugo Mãe não concede a seus personagens.
Autor convidado para participar da 9; Festa Literária Internacional de Paraty, marcada para julho, Hugo Mãe mora em Vila do Conde, no norte de Portugal, desde os 10 anos de idade. A popularidade alcançada graças ao prêmio Saramago não o motivou a mudar-se para Lisboa. Para continuar a escrever, prefere sua aldeia de pescadores. Mas se Lisboa não o raptou, as solicitações decorrentes do prêmio o perturbaram. O escritor decidiu passar um tempo em uma aldeia histórica deserta a cinco quilômetros da Espanha para conseguir concluir o próximo romance. A narrativa trata de um homem que se aproxima dos 40 anos e não teve filhos. ;Eu chego aos quarenta anos em setembro e não tive filhos. Estou furioso com isso. Odeio-me muito. Vou precisar de me desculpar de algum modo;, diz Hugo Mãe, em entrevista por e-mail, enviada de ;uma população próxima;, único lugar com ;rede; disponível.