Diversão e Arte

Chico Díaz fala da carreira e do atual personagem, Astrogildo

postado em 10/03/2011 07:12
Chico passou anos encantado com o texto de Campos de Carvalho, até adaptá-lo: Ele já foi caboclo amazônico, malandro carioca, personagem gaúcho e até Corisco, célebre cangaceiro do bando de Lampião. Agora, Chico Díaz empresta sua figura plural a um tipo que transcende rótulos e regionalismos. Sua marca registrada é transitar entre a insanidade e a consciência apurada de si e do mundo. Esse homem, que se convencionou chamar de Astrogildo, já ganhou infinitas nomenclaturas, assassinou a lógica e faz viagens delirantes pelo mundo. A Lua vem da Ásia, primeiro monólogo da carreira do ator, faz temporada em Brasília de amanhã a 3 de abril, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). É inspirada em romance de mesmo nome, escrito em 1956 pelo mineiro Campos de Carvalho, que bebe na fonte do surrealismo.

Díaz conheceu o texto por intermédio do diretor Aderbal Freire-Filho, que já levou aos palcos O púcaro búlgaro, outra desvairada criação de Carvalho. ;Procurava um argumento que fosse próximo das minhas ansiedades, coisas que eu queria falar. Um texto em que eu pudesse colocar minha voz, meu corpo, minha inteligência, ou o que resta dela. Ser responsável pelo projeto;, explica o ator. O encantamento ficou em lenta digestão durante anos, até que, um dia, a tradução do texto para o palco surgiu aos borbotões, iniciando outro processo inédito para Chico: o de adaptar um texto. ;Parece complicado, mas o autor já escreveu na primeira pessoa, em forma de diário. Meu trabalho foi procurar as paisagens que queria percorrer. Formatei o texto nas horas vagas, entre um filme e uma novela;, descreve.

A história é um passeio pelos devaneios de um homem fértil em questionamentos, que mescla suas reflexões contraditórias com aventuras mundo afora, equilibrando-se na borda que separa a loucura da lucidez. Depois de um tempo confinado, decide desbravar o mundo. ;Ele é vários, várias instituições, possibilidades humanas e existenciais. Traz as culturas oriental e ocidental dentro de si. Concentra todas as informações possíveis;, revela Díaz. ;É um herói atlético, atravessa oceanos a nado, e sanguinário, mata muitos em sua jornada. Não é do bem ou do mal, mas um reflexo dos anseios humanos, sofre por ser múltiplo;, completa o diretor, Moacir Chaves, convidado por Chico para conduzir a montagem do espetáculo, que estreou no Rio de Janeiro, nos primeiros dias do ano, e agradou a plateia.

Mas a natureza irrequieta do ator não permitiu que ele se satisfizesse com os aplausos. Queria saber o que se passava na cabeça das pessoas que saíam da sessão. Incumbiu um produtor e um estagiário de fazerem entrevistas, munidos de câmeras de filmagem, depois das sessões. Hoje, guarda duas horas e 40 minutos de depoimentos sobre a peça. ;Há maluquinhos que falam que encontraram sua alma gêmea, pessoas com lágrimas nos olhos, gente que não consegue dizer nada. Conseguimos o que achamos que não conseguiríamos;, conta.

Vento favorável
Poucos sabem, mas o artista que costuma dar vida a brasileiros de todos os cantos do país nasceu no México. Filho de um diplomata paraguaio, passou ainda pelo Peru, Costa Rica e Paraguai, antes de chegar ao Brasil, aos 10 anos de idade. O ator, casado com a também atriz Sílvia Buarque, chegou a se formar em arquitetura e estagiar em escritório renomado. Quando terminou a universidade, já fazia parte de cinco longas-metragens. ;O cinema trouxe várias tribos e lugares. Comecei a ganhar dinheiro, ter aplausos e reconhecimento. Era como um circo, um dia a gente filmava na praia. No outro dia, era na selva. Se tivesse sido mais difícil, acho que não teria sido ator. Foi um vento favorável;, avalia. Apesar da guinada profissional, o gosto pelas pranchetas se mantém. Até hoje, Díaz desenha e pinta.

Este ano, seu flerte com o cinema continua. Ele foi convidado a integrar o elenco de Faroeste caboclo, filme de René Sampaio, inteiramente rodado em Brasília. Sua função seria viver Pablo, ;um peruano que vivia na Bolívia;, como diz a música de Renato Russo. Mas o martelo ainda não foi batido. O diretor português Leonel Vieira, com quem Díaz filmou Selva, já sinalizou querer incluí-lo na próxima produção, que será rodada no segundo semestre. Voltada para o mercado internacional, a película abordará aspectos do submundo carioca, como o jogo do bicho e a corrupção política que acaba sendo permissiva com o tráfico de drogas.

O ator, no entanto, não pretende abandonar sua empreitada poética. ;Quero rodar o país com A Lua vem da Ásia, quem sabe ir a Portugal e a países latinos. Essa é minha prioridade para este ano;, avisa. Sorte dos espectadores. E de Astrogildo, o herói do romance, que aguardava em sua insana solidão.

A LUA VEM DA ÁSIA
De Campos de Carvalho. Direção de Moacir Chaves. Adaptação e atuação de Chico Díaz. De amanhã a 3 de abril, no Centro Cultural Banco do Brasil (Setor de Clubes Sul, Trecho 2; 3310-7087). Sessões às sextas e sábados, às 21h, e domingo, às 20h. Ingressos: R$ 15 e R$ 7,50 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

NO QUARTO DE BONECA
; No período inicial dos ensaios, o ator passava horas em casa, decorando o texto em meio aos brinquedos da filha Irene, de 5 anos. A ambientação que ele escolheu para criar o universo de seu Astrogildo incluía uma caminha, cadeiras em miniatura e diversos itens de um pequeno quarto cor-de-rosa. ;Hoje, só mantive o piano dela em cena. Ela reclama, mas já perdeu;, brinca. O diretor Moacir Chaves e o cenógrafo Fernando Mello da Costa gostaram da proposta e mantiveram uma estética semelhante em cena. No ambiente do primeiro ato, em que o herói surreal está confinado em um quarto, os móveis têm proporções diminuídas. ;A ideia é mantê-lo restrito em um espaço inadequado;, destaca Chaves.

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