postado em 11/03/2011 07:20
Na família Amorim, a fotografia é mais do que instrumento particular de momentos únicos. Marcio, natural de Patos de Minas e funcionário do Banco do Brasil, veio para uma cidade ainda em construção, e enquadrou a mulher, Jodette, filhos e outros parentes numa paisagem que acabara de ser explorada pelo concreto. Ao fundo, traços de uma capital jovem e misteriosa. A filha caçula, Débora, fez do hobby do pai sua profissão, com lentes focadas nas manifestações culturais regionais. Com registros do pai numa mão e criações suas na outra, ela decidiu eternizar em livro retratos que evidenciam crescimento e amadurecimento da própria família. E de uma cidade que abrigou e abriga famílias inteiras. Brasília, uma arquitetura familiar, com lançamento marcado para amanhã, às 19h, no Balaio Café (201 Sul), cataloga imagens de Marcio e Débora, num álbum permeado de textos de Lara Amorim, prima da autora e curadora da obra.De 2001 a 2004, Débora trabalhou como repórter fotográfica. Hoje, é autônoma. Mas, até 1998, via o atual trabalho com olhar meramente contemplativo: bailarina e graduada em educação física pela Universidade de Brasília (UnB), ela costumava folhear, com olhar curioso e paciente, as páginas dos álbuns de família. Quando ainda nem pensava em clicar profissionalmente, sentava-se atenta às projeções organizadas pelo pai, um amador dedicado, que revelava tudo em laboratório próprio. O projetor de slides, de mais de 40 anos de idade, passou de Marcio para Débora. Com a relíquia, duas paixões: a cidade e a intimidade com a câmera. ;Hoje, eu brinco, porque ficava reclamando que não tive tantas fotos quanto meus irmãos, já que sou a mais nova. Mas eu gostava, desde criança, mais de ver do que de fazer. Depois que virei fotógrafa, ele me deu os álbuns. E eu pensava em, um dia, fazer um livro;, conta.
E foi assim, despretensiosamente, que a mais nova de três irmãos ; Marcus, Daniela e Mara ; decidiu verter fotos antigas e recentes em uma espécie de catálogo público e particular, familiar e cultural. ;A motivação foi o meu pai. O livro foi surgindo a partir das fotos da gente. Não tinha nada planejado antes. A gente pegou fotos e arrumou tudo a partir das imagens. Meu filho vai poder ver isso. E mais pessoas vão ter acesso;, observa.
Inspiração
Na seleção, Débora começou a notar que vários retratos, de autoria sua e do pai, pareciam tirados do mesmo ângulo, até mesmo com luz semelhante. ;E não foi proposital, porque a maioria das minhas foram feitas a trabalho;, explica. As coincidências de estilo foram reservadas ao segundo capítulo. No primeiro, com uma pequena intromissão de um retrato ao lado do filho, Bento, 4 anos, ela priorizou momentos domésticos da família nos primeiros anos da nova capital. No terceiro, ela revela a preocupação do pai em capturar momentos históricos: posse de Jânio Quadros, em 1961, chegada dos tricampeões de 1970 e o primeiro aniversário de Brasília. Ao lado de cada um deles, pares históricos congelados pela filha: posse de Lula, em 2003, e de Dilma, em 2011, e visita dos pentacampeões de 2002. Só faltou a produção da comemoração dos 50 anos, vitimada pelo desaparecimento de um computador. A última seção reproduz as experiências de Débora com a vida cultural da cidade, em registros de circo, dança, música e teatro.
O tratamento deixou nítidos manchas, arranhões e outras pequenas falhas. Marcas que denunciam a ação do tempo e que fornecem à coletânea status de memória. ;A gente preservou as características originais dos negativos. Não gosto de foto velha com cara de nova;, justifica Débora. Depois da metade dos anos 1970, Marcio, 70, passou a alimentar outra grande paixão: o aeromodelismo. Mas herança e talento permanecem.