Diversão e Arte

Jornalista Fernando Rosa vive entre o Rio Grande do Sul e Brasília

postado em 13/03/2011 12:40
Sempre digo que Brasília, mesmo na pior das situações, conta com artistas e bandas com identidade autoralPor onde anda Fernando Rosa? Quem acompanha a cena musical brasiliense certamente fez essa pergunta nos últimos meses. Um dos produtores musicais mais atuantes da cidade, o Senhor F não está na coxia de shows nem nas rádios: de férias, o programa Senhor F espera definições na Rádio Cultura. Mas, apesar da mudança para Porto Alegre ; onde trabalha com assessoria de imprensa;, o jornalista gaúcho de 56 anos vive entre o Rio Grande do Sul e Brasília, onde mantém uma revista eletrônica (www.senhorf.com.br) e o selo Senhor F Discos, de artistas como Beto Só e Superguidis. Em abril, organiza a segunda edição do festival El Mapa de Todos, desta vez na capital gaúcha. Dividido entre duas cidades, segue na defesa de uma missão antiga: descobrir e amplificar a criação musical.

O rock de Brasília ainda pulsa?
Olha, me sinto um pouco desconfortável para falar estando há quase dois anos fora do ambiente do rock da cidade. Sinto que temos uma produção interessante, mas ainda com dificuldades de posicionamento no cenário nacional, exceto o Móveis Coloniais de Acaju. Aliás, o MCA é exemplo para o conjunto da cena independente local e nacional, pela sua forma de atuar, de circular, de divulgar a sua música. Sempre digo que Brasília, mesmo na pior das situações, conta com artistas e bandas com identidade autoral. Exemplos disso são Móveis, Beto Só, Galinha Preta, Watson, Violator, todos artistas de ponta em seus respectivos gêneros. Mas penso que a cidade e seus artistas convivem com uma certa ;preguiça; no terreno da produção. Até hoje não sei se isso é uma característica da cidade, mas acredito que poderia ser diferente.

Como a internet mudou o rock da cidade?
A internet mudou não apenas a cena de Brasília, mas do país e do mundo todo. Aqui, especialmente, contribuiu para incluir a cidade no circuito nacional, de uma forma mais presente ; mas ainda insuficiente.

Mas a impressão é de que a internet, apesar das facilidades de divulgação, não revelou tantas novidades quanto muitos esperavam...
A ;facilidade; de divulgar, infelizmente, não está diretamente ligada ao crescimento da qualidade. A internet e o acesso às novas tecnologias aumentaram a quantidade, mas não necessariamente a qualidade. Isso é um processo, um ambiente confuso de migração de padrões de produção, difusão, relação entre artista e público. Por mais que seja questionada, o que seria da cena musical atual não fossem os artistas independentes? A falência do sistema anterior, das majors rádios, traz junto a decadência absoluta da produção mainstream. O que existe de novo, de melhor atualmente, do que Móveis Coloniais de Acaju, Macaco Bong, Vanguart, Superguidis, Violins, Cidadão Instigado e Guizado, entre outros? Enfrentamos, no entanto, um certo preconceito da ;velha guarda;, que para reconhecer o novo ; esteticamente ; ainda precisa do aval da rádio, do top ten de paradas fakes e da venda física. Pode-se argumentar que ainda são poucos os ;destaques;, mas quando, antes, não foi assim? A vantagem dos novos tempos é que existem centenas de grupos com produção disponível e acessível. O que antes era bem mais restrito, ou quase impossível de acontecer.

Com a internet, as bandas novas ainda desejam lançar discos da forma tradicional, com a grife de uma gravadora? Ou as ambições mudaram?
Sim, apesar dos novos tempos, o disco físico ainda é uma prova da sua existência enquanto artista, digamos assim. Mas isso não quer dizer que as bandas sonham em vender milhares de discos, até porque as prensagens são baixas. Nós, do selo Senhor F, e as bandas com as quais trabalhamos, apostamos em estabilizar um mercado médio, de vendas e de shows. Uma plataforma que sustente, que remunere a sobrevivência de artistas independentes de porte, digamos, médio. Algo como o mercado indie americano, que contempla a longevidade de artistas distante do mainstream. O crescimento econômico do país, o aumento da classe média, a promessa da banda larga, tudo isso colabora para a construção desse novo mercado.

Como surgiu o Senhor F? De onde veio o desejo de trabalhar com rock?

Senhor F surgiu da mistura do jornalista com o colecionador de informações sobre rock. Ouço rock desde a época em que morava no interior do Rio Grande do Sul, nos anos 1960. E, desde então, sempre busquei acompanhar a evolução do gênero. Sem preconceitos, mas ao mesmo tempo sem perder as referências históricas. O ;trabalho; com o rock veio com o desejo de coletivizar as informações que eu detinha, o que fiz com a criação da revista Senhor F, em 1998. Depois, a relação estendeu-se à produção, com a vontade de ajudar a desenvolver uma cena musical que passava por transformações. Nunca toquei em banda, a minha vocação para tocar e cantar é inversamente proporcional ao sentido que desenvolvi para ouvir.

Mesmo trabalhando em Porto Alegre, a sua base continua sendo Brasília. Por que escolheu a cidade?
Na verdade, não escolhi a cidade, vim parar aqui em 1995 para trabalhar no Senado Federal, como assessor parlamentar. Mas hoje me considero um brasiliense, depois de mais de 15 anos morando e trabalhando na cidade. Gosto do clima, do jeito que as pessoas vivem e convivem, que é diferente de Porto Alegre, por exemplo. Não tenho dificuldade em me adaptar, mas prefiro lugares mais abertos, cosmopolitas, universais.

Por que fazer a segunda edição do festival El Mapa de Todos na capital gaúcha?
A realização do festival em Porto Alegre tem várias razões, especialmente a minha mudança para a cidade. Por isso, e também por dificuldades de sustentação em Brasília, inscrevemos o festival no edital da Petrobras para ser realizado lá. Sempre rolou uma certa campanha que defendia Porto Alegre como a cidade ideal para fixar o festival, por sua condição geográfica, pela tradição de integração e por ser sede do Fórum Social Mundial. Com isso, o festival El Mapa de Todos deve fixar-se em Porto Alegre, como evento anual, com realização de Noites El Mapa de Todos mensais em cidades e capitais sul-americanas. Já estamos, inclusive, negociando a integração do festival El Mapa de Todos na programação do Fórum Social Mundial, descentralizado, previsto para janeiro de 2012, na capital gaúcha e em cidades da região metropolitana.

Na sua área de atuação, quais foram as principais conquistas da gestão Gil/Juca no MinC?

Fui, e continuo sendo, um entusiasta da gestão Gil/Juca no Ministério da Cultura. Os dois sintonizaram perfeitamente com o clima do governo Lula, que apostou em quebrar vários paradigmas. Nesse período, o MinC abriu a caixa-preta da Lei Rouanet, do sistema de arrecadação dos direitos autorais, entre outros temas, integrou a sociedade no debate e, mais importante ainda, deu vida social e institucional ao ministério. Assim como Lula, na economia, apostou no mercado interno para enfrentar a crise mundial, no terreno da música o MinC investiu nas redes sociais, na cena independente, nos ;excluídos;, como contraponto à crise do mercado fonográfico.

E como avalia os primeiros meses da ministra da Cultura, Ana de Hollanda?
É preciso esperar um tempo mais para avaliar seus projetos para a pasta. É difícil começar a gestão de um ministério com um corte orçamentário de quase 30%, o que deve ter ocupado praticamente todo o tempo dos gestores até o momento. Não tenho, particularmente, receio de que o MinC retroceda nas questões centrais que marcaram o governo Lula, por tratar-se de processos construídos coletivamente com a sociedade. O único receio que poderíamos ter seria o da ausência do diálogo, mas acredito que, tão logo passe este primeiro momento de solavancos, o debate e a formulação coletiva continuarão pautando a ação do MinC.

Tem vontade de entrar na vida política?
Entrei na ;vida política; aos 20 anos, ainda no tempo da luta clandestina contra a ditadura. Nunca mais saí dela, sempre compondo as atividades de jornalista sindical, político e econômico com o cultural. Já exerci vários cargos políticos no terreno executivo, mas nunca cogitei qualquer função legislativa. Não tenho nenhuma contradição, ou conflito, mas nunca busquei isso, ou alguém me propôs. Acho que é o mesmo caso de nunca ter tocado em uma banda, falta vocação.

Você vive na ponte Brasília-Porto Alegre. O que as cenas roqueiras das duas cidades têm de melhor e o que uma precisa aprender com a outra? E por falar nisso, quais são as suas bandas favoritas das duas cidades atualmente?
São realidades diferentes, mas as duas submetidas às mesmas dificuldades atuais. Se em Brasília faltam casas, palcos, em Porto Alegre até que não dá para reclamar. Quanto à produção, ainda acho que as bandas de Brasília têm mais identidade. Em Porto Alegre, existe, por um lado, um culto ao que chamam ;rock gaúcho; e, por outro, um alinhamento a modelos externos, tipo britpop, mod etc., que acabam gerando subprodutos. Isso faz com que a banda mais importante surgida no Rio Grande do Sul nos últimos anos, Superguidis, fora desses padrões, tenha muito mais reconhecimento nacional do que regional, ou que boa parte das bandas esteja migrando para São Paulo, como Pública, Apanhador Só, Pata de Elefante e Volantes. Atualmente, as bandas preferidas seriam, citando três de cada cidade, Superguidis, Apanhador Só e Sociedade Bico de Luz, de Porto Alegre; e Móveis Coloniais de Acaju, Beto Só e Watson, de Brasília.

E de rock internacional, o que anda ouvindo? As novas bandas estrangeiras o instigam?
Pelas listas de melhores de 2010, às vezes acho que sou um dos poucos que ouvem bandas novas, de primeiro disco. Nenhuma delas capaz de provocar uma nova revolução no rock, mas a maioria legal de ouvir. Sem cair na onda dos ;hypes;, procuro acompanhar, ouvir as novidades, dentro do possível, devido à quantidade de lançamentos. Dos mais novos, tenho ouvido Surfer Blood, Smith Westerns, Soft Pack, Magic Kids, Avi Buffalo, Crocodiles, Best Coast, Wavves, Tame Impala e Jaill.

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