Quando paga ingressos para assistir a desenhos animados no cinema, o público sabe o que esperar: a maioria dos lançamentos tenta alegrar o público infantil sem aborrecer os mais crescidos. É uma fórmula matadora. Ao criar guloseimas ;para toda a família;, os grandes estúdios adotam para ampliar o alcance das produções e, por consequência, engordar a bilheteria. Mas há quem sinta falta de um pouco de ousadia nesse cardápio colorido. Para esses, a telinha da tevê ainda oferece animações que desafiam o bom-mocismo da indústria do cinema com pinceladas de ironia, sarcasmo e gags que miram a cultura pop. Programa que, nos casos mais atrevidos, são desaconselháveis para menores.
Um dos grandes exemplos de travessura politicamente incorreta é a dupla Beavis & Butt-Head. Depois de entrar para a galeria dos tipos inesquecíveis dos anos 1990, os fãs encrenqueiros de rock retornam à MTV americana este ano, ainda sem data de estreia. Os personagens, criados por Mike Judge, viraram símbolos de uma década que transformou a tevê num laboratório para desenhos com tons de atrevimento. Desde a excelente aceitação de Os Simpsons ; que estreou em dezembro de 1989 e está na 22; temporada ; e a expansão da tevê a cabo, os canais investiram num filão que, hoje, resiste e se multiplica principalmente na internet.
É na web que fãs brasileiros se atualizam com novidades que muitas vezes ficam à margem da programação de tevês por assinatura. O Cartoon Network brasileiro, por exemplo, dedicava uma faixa noturna da grade a criações do canal americano Adult Swim, de artigos cult como Frango robô. Mas em sites oficiais, fóruns de fãs e no YouTube, é possível encontrar atrações novas (e outras não tão recentes) que conquistam os marmanjos com humor ácido e tramas que beiram o surrealismo. Happy tree friends, sucesso na MTV no início da década, é um desses casos em que as liberdades da internet são levadas ao extremo: os personagens delicados são literalmente massacrados por navalhadas de humor negro.
Para pais e filhos
Há casos, no entanto, em que programas concebidos para os pequenos caem nas graças dos pais e irmãos mais velhos. Na tradição de Bob Esponja e As meninas superpoderosas, As maravilhosas aventuras de Flapjack foi adotado por uma plateia que se deixa conquistar pelas doces loucuras de um menino, uma baleia e um pirata. Antes exibido pelo Cartoon Network, o desenho hoje navega nos mares da internet ; com uma tripulação de fãs de carteirinha. ;É uma animação infantil que não considera as crianças idiotas. Os roteiros são muito bem escritos, amarrados. Tecnicamente, a direção de arte é um primor. Ele e o Bob Esponja são casos clássicos de ;desenhos infantis que adultos adoram;;, observa o cartunista Allan Sieber.
Para o ilustrador Tiago Lacerda, as piadas de duplo sentido são um dos atrativos de uma linha de desenhos que inclui o cult Ren & Stimpy e A vida moderna de Rocko. ;Eles agradam ao público infantil e adulto sem menosprezar a inteligência das crianças;, reforça. ;Gosto do Ren & Stimpy, que não é muito infantil, e do Invasor Zim, que são para crianças mais espertas e passam tarde da noite no canal Nickelodeon;, opina o roqueiro e quadrinista Evandro Vieira. O Correio selecionou 10 séries animadas que, nascidas no século 21, têm o que falta às superproduções do cinema: uma pitada de descontrole.
Provocações animadas
American dad!
Nesta sátira política criada por Seth MacFarlane (de Uma família da pesada), uma família de classe média brinca com símbolos da sociedade americana: o pai é um agente republicano da CIA, a filha prega a favor dos liberais e o filho tem pinta de nerd. Na casa, ainda moram um E.T. e um peixe dourado com o cérebro de um esquiador. Onde ver: FX, domingos, às 23h.
Catscratch
Um trio de gatos arruaceiros abocanha uma fortuna deixada pela dona ; mas não consegue se manter longe das intrigas armadas com robôs gigantes, monstros, zumbis; O espírito nonsense da animação e os traços bizarros de Doug TenNapel rendem uma versão psicodélica, desvairada, de antigos cartoons. Onde ver: Nickelodeon, sábados e domingos, às 23h30
Cleveland show
Fruto de Uma família da pesada, a série acompanha o cotidiano da família afro-americana liderada por Cleveland Brown ; um personagem coadjuvante daquele desenho. A acidez dos diálogos também remete à criação de Seth MacFarlane. Na segunda temporada, o show já conta com 35 episódios e teve contrato renovado para mais um ano. Onde ver: FX, domingos, às 22h30.
Frango robô
A animação em stop-motion foi coescrita pelo ator Seth Green e, nos Estados Unidos, é exibida no canal de desenhos para adultos Adult Swim (que, no Brasil, era transmitido à noite no Cartoon Network). A paródia da cultura pop dá a tônica do programa, cujo herói é um frango transformado em ciborgue por um cientista. Onde ver: Na internet. Site oficial: www.adultswim.com.
Happy tree friends
Os traços dos personagens são delicados, coloridos em tom pastel. A trilha sonora lembra canções de ninar. Mas toda essa aparência de fofura esconde o desenho mais cruel em cartaz. Os episódios curtos (com certa de cinco minutos de duração) terminam quase sempre em vermelho-sangue. Para estômagos fortes. Onde ver: Na internet, no site www.happytreefriends.com.
The Ricky Gervais show
O comediante inglês Ricky Gervais (da versão britânica de The office) gravou um programa de rádio cômico ; ao lado dos produtores Stephen Merchant e Karl Pilkington ; que virou fenômeno mundial de downloads. A adaptação para a HBO usa o áudio original com personagens de animação. Onde ver: HBO Plus, sábados, às 16h30; segundas, às 20h30; quartas, às 21h30.
Os pinguins de Madagascar
Os bichinhos mais venenosos do longa-metragem Madagascar (2005) ganham status de protagonistas numa série que, por conta do humor sarcástico, agrada a crianças e crescidinhos. Em 2010, foi o segundo programa infantil mais visto nos Estados Unidos, perdendo apenas para Bob Esponja.
Onde ver: Nickelodeon, de segunda a sexta, às17h30; sábados e domingos, às 11h e às 14h.
Superjail!
Transmitida nos Estados Unidos pelo canal Adult Swim, a série narra os estranhos incidentes de uma prisão fora do comum. As mudanças de tom, abruptas e fantasiosas, podem lembrar os filmes de David Lynch. E a violência é extrema ; portanto, tire as crianças da frente do computador. A segunda temporada estreia este ano. Onde ver: Na internet. Site oficial: www.adultswim.com.
Pelas beiradas
Desde os anos 1960 ; e especialmente nas duas décadas seguintes ; são produzidos desenhos animados para o público não infantil. No geral, produções alternativas para o cinema, como os filmes do diretor Ralph Bakshi e o longa Heavy metal ; Universo em fantasia (isso, sem levar em conta a animação japonesa, vanguardista desde sempre em vários sentidos).
O surgimento de Os Simpsons, em 1989, mostrou para público e emissoras de tevê que desenhos inteligentes e ousados, para pais e filhos e abordando diversos temas, eram viáveis. Ainda assim, o sucesso da família amarela não significou uma avalanche imediata de outros desenhos com propostas mais adultas. No começo dos anos 1990, as bobagens de Beavis & Butt-Head e a visionária ficção científica Aeon Flux fizeram a cabeça dos espectadores da MTV (que também levou ao ar Daria).
A Nickelodeon, que daria ao mundo Bob Esponja na virada do século, também contribuiu com os cascas-grossas Ren & Stimpy (1991). Mais ligado ao público infantil, o Cartoon Network investiu timidamente em animações alternativas, geralmente exibidas nas madrugadas ; isso, anos antes do surgimento da sessão Adult Swim (no Brasil, em 2005).
Sem papas na língua, South Park (1997) foi outro divisor de águas. Depois da série, passou a valer tudo. Ainda assim, Uma família da pesada só emplacaria em 2005, mesmo ano da estreia de American dad.
As maravilhosas aventuras de Flapjack
Criada pelo cartunista Thurop Van Orman, que trabalhou em As meninas superpoderosas, o desenho se transformou em febre entre adultos graças ao humor tresloucado, com toques surreais, e a tramas que surpreendem a cada minuto. O herói é um menino que, criado por uma baleia, sai numa aventura ao resgatar um pirata. Onde ver: Na internet. Site oficial: www.cartoonnetwork.com.
Odd job Jack
A comédia canadense narra os tropeços de Jack Ryder, sociólogo eternamente desempregado que pula de emprego temporário em emprego temporário ; todos estranhíssimos. Antes exibido pelo Cartoon Network americano, hoje faz sucesso na redes. Onde ver: Na internet. Site oficial: www.oddjobjack.com.