Diversão e Arte

Livro resgata o movimento Teatro em Bar, que enchia a cidade de arte

postado em 15/03/2011 09:21
Não precisa ser adivinho para tentar matar a charada: o que pode estar por trás de um porão de um bar apinhado de gente, em meados da década de 1980, em Brasília? Uma banda de rock, é claro, diria o leitor mais apressadinho. Ali, a unir acordes de guitarra com o tédio da juventude das superquadras. Lógico que essa resposta está parcialmente errada. Felizmente, nem sempre ;dois mais dois são quatro; quando a questão envolve agrupamentos humanos e seus anseios culturais. Alguns subsolos transbordavam de pessoas até o gargalo da escada para abrigar experimentos cênicos de um movimento conhecido como Teatro em Bar. Era assim, por exemplo, no Cafofo (407 Norte), um desses mitológicos espaços de boemia e de arte que desenharam a noite pulsante de uma cidade que se debatia para ficar livre do estigma de sede do poder e de escândalos políticos.
Lauro Nascimento, Neuza Deconto e Elisete Teixeira nos bastidores de Maria Mulher: camarim na cozinha
Se você não estava lá, no meio desse burburinho, nem se preocupe. A atriz e arte-educadora Elisete Teixeira cutucou a memória de quem viveu aquelas noites no importante livro-depoimento Teatro em Bar, um diálogo com o criador, que será lançado hoje, às 19h, no Café Savana (116 Norte), cujo proprietário, Marcelo Melo, foi um dos atores dessas peças curtas. Na obra, a autora, que participou como intérprete pioneira do movimento, coleta depoimentos diversos, sobretudo o de Lauro Nascimento, artista plástico, diretor e dramaturgo (autor do texto As namoradeiras, marcante encenação de Adriana Nunes, de Os Melhores do Mundo), que concebeu a ocupação dos bares pelo teatro. Ele, que atualmente reside em Montes Claros (MG), está na cidade para o lançamento e fará, ao lado da escritora, duas palestras gratuitas: amanhã, às 10h30, na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (FADM) e na quinta, às 15h, na Casa Laranja do Museu Vivo da História Candanga. Na pauta, memórias.

;Nos dias de apresentações, dividíamos a cozinha do bar com o camarim. Às vezes, entrávamos com um leve perfume de fritura. Mas, nos quatro dias que antecediam a estreia, ficávamos reunidos no porão criando, experimentando, colando, ensaiando, gargalhando e exercendo tudo que o motor do fazer artístico nos provoca. A surpresa e o mistério eram nossos temperos;, conta Elisete Teixeira.

;Além dos fregueses do bar, poetas, músicos, escritores e professores, nosso público era composto por gente de teatro, trabalhadores da construção civil, servidores públicos, empregadas domésticas e moradores das redondezas. Tenho certeza de que para os mais humildes aquele foi o único teatro que conheceram na vida;, observa Lauro Nascimento.
Elisete Teixeira e Geyse Palitot no espetáculo Bendita solidão
Os experimentos cênicos de Lauro Nascimento nasceram em 1979, no porão do Papos & Panquecas, no Lago Sul, com o espetáculo Romaria, uma colagem de textos sobre noite, boêmia, solidão e dor de cotovelo, com Gê Martú e Elisete Teixeira no elenco. E seguiram até 1992. Mas se intensificaram em 1985, quando ele retornou a Brasília. Ali, no Bar Cafofo, o criador ocupou, com 11 atores, o porão, batizado de Empório de Teatro da Asa Norte. As apresentações eram gratuitas e não havia cachê para os atores. O que unia todos era o desejo de estarem inseridos naquele movimento. Durante dois anos consecutivos, foram montadas 24 peças curtas que, no livro de Elisete Teixeira, ganham preciosa catalogação com fichas técnicas.

;A partir daí, as sucessivas mudanças de espaço (o Cafofo enfrentou crises) dispersaram o grupo. Era como se nós tivéssemos perdido uma referência. No entanto, a ideia dos experimentos continuou viva. Tanto é assim que, em 1989, retornamos ao Cafofo para mais duas experiências. Depois disso, a nosso pedido, antes de virar definitivamente depósito, o porão foi cedido, comercialmente, para a temporada do espetáculo Esperando Godot, de Beckett, com direção de Mangueira Diniz;, avalia Lauro Nascimento.

;É difícil falar desse processo todo, porque são tantas histórias, mas o principal foi aprender a possibilidade de fazer teatro do nada. Pintou a ideia e a gente ia atrás, em pouco tempo, sem medo da produção. Fizemos de tudo. Hoje, eu continuo fazendo o que nasceu dali;, conta a atriz Kuka Escosteguy.

Os 60 lugares marcados no Cafofo não davam para quem queria. Era preciso se entregar ao chão ou se espremer num vão qualquer. No palco, o improviso era só para lidar com a falta de recursos financeiros a fim de montar luz, cenário e figurino. A qualidade dos espetáculos, no entanto, se sobrepunha. E isso habita as lembranças descritas no livro de Elisete Teixeira.

TEATRO EM BAR: DIÁLOGO COM CRIADOR

De Elisete Teixeira. Editora Thesaurus, 140 páginas. Preço: R$ 20. Edição patrocinada pelo FAC. Lançamento nesta terça-feira (15/3), às 19h, no Café Savana (116 Norte). Palestras com a atriz Elisete Teixeira e o dramaturgo Lauro Nascimento, amanhã, às 10h30, na Faculdade de Arte Dulcina de Moraes (Conic), e quinta-feira, às 15h, na Casa Laranja do Museu Vivo da Memória Candanga. Inscrições gratuitas. Classificação indicativa livre.

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