postado em 15/03/2011 09:57
A segunda etapa do projeto Acordes do rádio ; 90 anos do violão brasileiro leva ao Centro Cultural Banco do Brasil expoentes de duas gerações distintas da música brasileira. Hoje, o violonista pernambucano Henrique Annes e a cantora paulistana Ná Ozzetti revisitam a era de ouro do rádio e apresentam repertório próprio com acabamento adequado à proposta da série de shows, em apresentações às 13h (gratuitas) e às 21h (com ingressos a R$ 15 e R$ 7,50). Apesar de entrarem no palco em momentos distintos ; primeiro, Annes; depois, Ná ;, os dois artistas priorizam elementos vitais para a popularização da música brasileira: um inscreve nas cordas do violão acordes escritos há décadas, enquanto o outro fornece nova interpretação a canções eternizadas por vozes do passado. Nas próximas terças, o CCBB recebe Marco Pereira, Paulo Bellinati e Weber Lopes (dia 22) e Mônica Salmaso e Guinga (dia 29).Roupagem
A cantora e compositora Ná Ozzetti deixou em São Paulo a percussão e as guitarras das suas apresentações habituais. Acompanhada dos violões de Marcos Alves e Carlos Chaves, do quarteto Maogani, ela vem a Brasília com uma sonoridade simplesmente acústica. ;Eles fizeram arranjos diferentes para músicas que eu canto. Adorei;, conta. A cantora reinterpreta faixas do disco Balangandãs (2009), dedicado a Carmen Miranda; trabalhos autorais e do grupo Rumo, dos anos 1980; e imprime nova energia a Aperto de mão, composição do músico Meira e imortalizada por Isaurinha Garcia, e Meu noivado, do violonista João Pernambuco. ;Embora já tenha gravado algumas músicas, conheço os arranjos na véspera dos shows. É legal ter a surpresa de trabalhar com a criação de outra pessoa sem que você tenha participado o tempo todo do processo. É muito rico. São arranjos que valorizam a voz e a canção. Mas têm um cuidado muito grande de valorizar o violão. Eu acho que combina com a minha voz;, destaca.
A oportunidade também vai servir para reavivar os anos 1980. De 1978 a 1992, ela participou do grupo Rumo, um dos principais pilares da chamada vanguarda paulistana. A atenção aos clássicos, principal característica do projeto Acordes do rádio, remonta àquele tempo. ;Na época, não tinha coletânea que nem hoje. A gente pesquisava em discos de 78 rotações. O Rumo introduziu isso na carreira, me mostrou a qualidade dessas canções. Eu sempre gostei muito de interpretá-las. Elas são um prato cheio para um intérprete, com muito conteúdo para explorar;, observa.
Ná não precisou mudar o seu jeito de cantar. A inspiração veio naturalmente, ao ouvir os originais. ;É uma coisa muito direta. Eu me deixo levar como elas foram cantadas originalmente. Não sou daquela época, sou contemporânea. E, inevitavelmente, tenho um jeito do meu tempo. Mas gosto de tentar explorar a forma como cantavam as intérpretes dessas décadas. Pra mim, é muito prazeroso. Chega a ser uma diversão. Naturalmente a minha voz vai se tentando moldar à sonoridade dos violões;, aponta a paulistana, que considera a era do rádio como uma matriz para a música brasileira atual. ;Projetos como esse são sempre bem-vindos. A gente tem que exercer a nossa memória cultural, alimentá-la o tempo todo;, completa.
Vitalidade
Annes, 64 anos, orgulha-se da intimidade que possui com o violão: são cinco décadas de uma amizade que começou nos anos 1960, aos 14 anos. ;Nessa época, tinha um programa, Quando os violões se encontram, numa rádio em Recife. Sempre às 19h, no domingo. Durou cinco anos. Foi aí que comecei;, lembra o pernambucano. Autodidata, conheceu ainda muito jovem Romualdo Miranda, Zé do Carmo, Alfredo Medeiros, músicos com composições contempladas no setlist de hoje, e Chico Soares. Com eles, aprendeu tudo que sabe. ;Esse pessoal morreu e é esquecido. Eu, honradamente, rememoro todo esse pessoal com o meu trabalho;, reforça. Criações suas, como Caribeana 3 e Prelúdio, também integram o show.
As faixas instrumentais, acredita o violonista, reproduzem a competição descontraída das rodas de choro. ;Tive o privilégio de frequentar. Acompanhar o outro e derrubá-lo. Aprendi a malícia, aquela coisa engraçada de um querendo ser mais rápido. Às vezes, um tocava com alma, o outro só com técnica. Dou mais valor ao músico que toca com o coração. É mais bonito;, descreve.
Se quando chegou ao rádio, Annes ;nem sabia o nome dos acordes;, hoje ele pode listar um currículo invejável e ainda em construção: fundador da cadeira de violão do Conservatório Pernambucano de Música, com mais de 20 discos gravados e um acervo doméstico de mais de 5 mil fitas do cancioneiro nordestino. Os dedos acostumados ao contato com as cordas o fazem recordar um fato curioso, que hoje provoca gargalhadas. ;Meu pai queria que eu fosse engenheiro agrônomo. Depois que ele viu que eu tinha talento, me obrigou a estudar música;, revela.
ACORDES DO RÁDIO ; 90 ANOS DO VIOLÃO BRASILEIRO
Hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Tc. 2, Lt. 22), show com o violonista Henrique Annes e a cantora Ná Ozzetti. Sessões às 13h, com entrada franca, e às 21h, com ingressos a R$ 15 e R$ 7,50 (meia). Classificação indicativa livre. Informações: 3310-7087.