postado em 19/03/2011 07:00
Marquês de Sade afrontou a moral, os bons costumes e o cristianismo com textos abrasivos e embriagados de libertinagem. Sem amarras, sem concessões. A companhia mineira de teatro de marionetes PIGMALIÃOesculturaquemexe também é arredia a tradições: em vez de curvar-se ao paradigma da dramaturgia de bonecos, quase exclusivamente dedicada ao público infantil, anima os títeres livremente, com inclinação para a arte contemporânea. ;Essa mentalidade de que é só para criança domina geral e todos acabam aceitando, até bonequeiros que não concordam com isso. O que dá dinheiro para o teatro de bonecos são temáticas infantis e oficinas. Mas a gente não queria entrar nesse caminho. A gente acredita que é um símbolo forte, que pode atingir outros níveis de raciocínio;, argumenta Eduardo Felix, diretor do grupo. Hoje, às 21h, e amanhã, às 20h, no Teatro Plínio Marcos, ele e os outros cinco integrantes apresentam pela primeira vez a montagem A filosofia na alcova, motivada por obra homônima de Sade. Na última semana, organizaram performances de Bira e Bedé, baseada em Encontrando Godot, de Samuel Beckett.O nome do coletivo cita o mito de Pigmalião, artista cipriota que, pessimista quanto às mulheres reais, construiu uma escultura feminina para amar. A deusa Afrodite, sensibilizada com a devoção do servo, dá vida à musa inanimada do escultor. A lenda grega é seguida à risca pela companhia. ;A gente não fica fechado a teatro de bonecos. Também pesquisamos animação em stop motion, escultura cinética. Misturamos várias técnicas, sombras, atores, máscaras, marionetes de fios, bonecos de manipulação direta. Essa mistura é muito bem-vinda;, acrescenta Felix, 30 anos, cenógrafo formado em escultura pela Escola de Belas Artes na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Materiais
O Pigmalião é totalmente comunitário. Taís Scaff, Daniela Papini, Mariliz Schrickte, Igor Godinho, Huberth Allan e Eduardo trabalham como cenógrafos em outros espetáculos para obter recursos. ;Às vezes, temos que interromper as coisas para pegar trabalhos de cenografia porque precisamos de dinheiro. Mas deu liberdade, por exemplo, para montar o Marquês de Sade;, explica. Os materiais usados para a criação dos bonecos vêm de origens variadas. ;Tem uma grande mistura de madeira, isopor, revestimento de papel, fibra de vidro, massa plástica;, completa.
Eduardo, Taís e Daniela fundaram o conjunto de bonequeiros em 2007, depois de participarem do Festival de Cenas Curtas, em Belo Horizonte. Lá, ousaram com O presente, peça breve de sugestão erótica. A experiência mobilizou pesquisas. E a obra de Sade recebeu atenção. ;A ironia e o sarcasmo dele permitiam que a gente se aprofundasse na proposta de fazer teatro contemporâneo de bonecos. Eles são ilimitados de possibilidades, com licenças que o ator não tem;, diz Felix, que foi membro do Giramundo e trabalhou na minissérie Hoje é dia de Maria, da Rede Globo. ;Na época, eu era estagiário. Acabei desenvolvendo os mecanismos do boneco do pássaro. Comecei a trabalhar nas asas e, de repente, funcionou de um jeito muito legal. Era inexperiente. Mas foi engraçada a sensação de ver o seu trabalho na tevê;, lembra. Daqui, o Pigmalião segue com A filosofia na alcova para o Festival de Formes Br;ves, em maio, na cidade francesa de Reims.
Teatro visual
O texto de Sade foi publicado originalmente em 1795 e narra os arroubos eróticos dos libertinos Saint-Ange, Dolmancé e o Cavaleiro de Mirvel, que guiam a jovem Eugénie por um caminho de perversões sexuais e exacerbação do prazer. Na montagem da companhia mineira, a despeito da predominância de esculturas móveis ; mais de 40 bonecos ;, os atores também aparecem, com maquiagem e figurino. O tratamento visual é novidade no Brasil, segundo Felix. ;É um movimento forte na Inglaterra desde os anos 1970. O texto não vem em primeiro lugar na narrativa. Ele é tão importante quanto a imagem, e tudo vira uma coisa só;, destaca. A estética também é seguida pelos irmãos Adriano e Fernando Guimarães. ;Converso com eles há dois anos. Temos afinidade de linguagem. Eles sempre acharam legal a possibilidade de trabalhar com bonecos. Participei no ano passado de O aniversário de Infanta, espetáculo deles, e depois começamos a conversar sobre teatro visual;, conta.
A FILOSOFIA NA ALCOVA
Espetáculo com a companhia mineira de teatro de bonecos PIGMALIÃOesculturaquemexe, inspirado em texto original de Marquês de Sade. Hoje, às 21h, e amanhã, às 20h, no Teatro Plínio Marcos (Complexo Cultural Funarte; Eixo Monumental, Setor de Divulgação Cultural, Lt. II). Não recomendado para menores de 18 anos. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Informações: 3322-2053.