Diversão e Arte

Os 7 maiores atores do cinema brasileiro na última década avaliam carreira

Ricardo Daehn
postado em 20/03/2011 03:40

Mais de 19 milhões de espectadores concentrados nas filas de três filmes: os vitoriosos números da carreira do ultra-atarefado ator Wagner Moura desmentem qualquer resquício de descrença no cinema brasileiro, com amplo prestígio solidificado na última década. ;Tecnicamente, não devemos nada a nenhum país, e vamos continuar firmes na estrada;, promete Selton Mello, outro que exerce forte magnetismo sobre o público de ;um país cheio de nuances;. ;Cada estado apresenta uma forma de expressão própria e isso está no nosso cinema;, completa o astro de Meu nome não é Johnny, que, em entrevista ao Correio, registra impressões do set e do avanço da sétima arte, num recorte de 10 anos.

Nas lembranças de sete atores, que, a exemplo do astro de Tropa de elite, acumulam em média 15 experiências em longa nesse período, figuram experiências de aclamação no exterior até de vaias, recebidas em certames como o Festival de Brasília. ;Houve várias versões para aquela vaia. Mas, com Bicho de sete cabeças, vi realmente um preconceito com um ator de televisão, para, em seguida, presenciar o apoio à obra, o trabalho falando por si só, e uma reação absolutamente oposta à da vaia;, conta Rodrigo Santoro. Colega dele em empreitadas no set, Lázaro Ramos é outro que viu a década passar, com enorme senso de aproveitamento. ;Não fiquei isolado num gueto: me exercitei como ator;, observa, fazendo ecoar a máxima do amigo baiano Wagner Moura: ;Humanizar personagens é o meu trabalho ; pessoas têm que ser representadas como pessoas;.

; Talento exportação
Rodrigo Santoro


Uma década, contada até 2010, foi o tempo para uma impressionante maturação de carreira cinematográfica para Rodrigo Santoro: aos 26 anos, na estreia dele em filmes, o fluminense galgou a ator internacional, requisitado em produções como 300 e O golpista do ano, além de outras com a assinatura de Roland Joffé e Steven Soderbergh. A sinceridade é intensa quando ele explica a ascensão no mercado estrangeiro, dada pela ;vontade de entrar em contato com outras culturas;. ;Eu comecei a trabalhar fora, como consequência das coisas que eu fiz aqui. Foi um processo de três anos, depois da exibição de Bicho de sete cabeças, Abril despedaçado e Carandiru;, analisa.Rodrigo Santoro: carreira em Hollywood

Antes de se aventurar no mercado sólido ; ;em que o dinheiro investido tem que voltar; ;, povoado por estruturas de blockbusters como as de 300, ;com quatro câmeras filmando, num fundo azul;, Rodrigo tomava o cinema por ;um sonho antigo;. ;A minha geração, que é a do Selton Mello e do Wagner Moura, pegou o começo da retomada. Depois daquele abismo e vazio, vimos o cinema ressurgir.;

Aos 35 anos, Rodrigo revê a participação no longa Bicho de sete cabeças, que muito repercutiu no Festival de Brasília de 2000 (com direito a Candango de melhor ator), como um marco. ;Foi um divisor de águas mesmo, até na minha formação como indivíduo, além de ter importância no novo cinema brasileiro. Com aquela oportunidade, vi as pessoas trabalhando sem receber. Filmávamos por puro tesão e vontade. Eu acho que isso é muito a identidade do nosso cinema;, opina, ao falar da fita de Laís Bodanzky que, com menos de 50 cópias, alcançou boa bilheteria, na base do ;boca a boca;.

Sem crença numa ;fórmula exata; para êxitos comerciais, Rodrigo Santoro prefere ser guiado pelo que chama de ;estímulo;, na escolha de projetos. ;É impressionante como em pouco tempo, nos últimos 10 anos, a indústria cinematográfica avançou. Há problemas de distribuição e de salas insuficientes, mas é grande o volume de filmes que a gente tá produzindo: tem de tudo, agora;, avalia. O entusiasmo e a ;vontade de dialogar mais com o público; criaram o desafio do risco de adentrar o campo da produção, com o longa Heleno, em torno da figura do jogador Heleno de Freitas, a ser lançado no segundo semestre.

Prestes a ter a voz nos cinemas, com a dublagem de Rio (de Carlos Saldanha, da série A era do gelo), em que dá vida aos diálogos de um ornitólogo, Rodrigo Santoro, por causa de Heleno, se restabeleceu no Brasil, por 10 meses. O voto é praticamente de confiança no gosto nacional, diante das opções na bilheteria. ;É como se o público brasileiro estivesse se reeducando, né? ;, observa, ao deixar aparentes as expectativas com um lote de cinco projetos dispostos ao longo de 2011. ;Sempre penso: ;Caramba! Será que o pessoal vai ver, cara?; Queria tanto que as pessoas buscassem o equilíbrio ; não saíssem de casa só para ir dar risada ou só para ir ver o 3D;, diz. Em defesa da difusão do cinema brasileiro, Santoro é favorável ao ;inegável poder; da Globo Filmes, ;que deve ser usado, sim;. ;Na produção de filmes, já temos briga de cachorro grande;, brinca, citando concorrências entre Warner, Fox, HBO e Telecine.

; Principais filmes

; Bicho de sete cabeças (2001)
; Abril despedaçado (2001)
; Carandiru (2003)
; Não por acaso (2007)
; Os desafinados (2008)

; Nada de descanso
Selton Mello


Há quase dois anos, foi Selton Mello que prometeu ;sumir; um pouco das salas de cinema. Na época, vários filmes com ele se encavalavam nos lançamentos. ;Aconteceu assim, só que fica uma superexposição: quem gosta do meu trabalho deve estar adorando e quem me acha um zé mané deve odiar;, brincou. Trabalhar menos até configurou objetivo, mas a imagem do ator não descola do imaginário do público: só com Lisbela e o prisioneiro, A mulher invisível e Meu nome não é Johnny foram 7,6 milhões de interessados nas filas dos cinemas.

;O espectador brasileiro é coautor de nossa filmografia tão extensa e engenhosa. O comprometimento com o público é algo que me estimula constantemente. Não há prazer maior do que ver um cinema cheio e as pessoas embarcando no seu filme. Poder sentar em uma poltrona e ouvir a sua língua é o que motiva: há o reflexo ali, a 24 quadros, de um pouco de nossa história, nossas fragilidades e virtudes;, observa. Sem reservas, Selton já se aventurou, por duas vezes, na direção (Feliz Natal e O palhaço), função em que ;transparece o que você pensa da vida e fica em evidência o seu olhar;. ;Até então, você fica protegido pelas máscaras das personagens;, enfatiza.Selton Mello: referência do interior

Mesclar ideias com realizadores distintos e tentar se ;cutucar, passeando por gêneros diversos; foram metas do ator, ao longo da última década que, igualmente, abrigou improvisos. ;Acredito no despreparo para o trabalho. Quando você se prepara demais, praticamente você está fazendo um monólogo. Seguro de si, nem vai ouvir como o outro vai interagir com você ; e atuar é jogar;, diz, com três décadas de profissão. No momento, Selton Mello integra as filmagens de Billi Pig, comandado pelo brasiliense José Eduardo Belmonte.

Nascido em Passos (MG), mas criado desde um mês em São Paulo, Selton reclama para si uma referência cultural de interior fortíssima ; ;assim, de fazenda, de terra e de andar a cavalo; ;, fator que o aproxima dos mundos dos espectadores nacionais. ;Somos plurais, e muitos. Feitos da mesma matéria dos sonhos. E o cinema é parente próximo dos devaneios ilusórios;, filosofa o ator, que de Lisbela e o prisioneiro a A erva do rato, passando por Lavoura arcaica e Meu nome não é Johnny, diz ter elaborado caminho que reproduz o raciocínio ;de que, nós brasileiros, somos muita coisa;. Nó pódio, a sétima arte tem valor inestimável. ;Me tornei uma pessoa melhor, através de todas as experiências. Devo tudo isso ao cinema, e estou apenas começando;, comenta.

; Principais filmes

; O auto da compadecida (2000)
; Lavoura arcaica (2001)
; O cheiro do ralo (2006)
; Meu nome não é Johnny (2008)
; Jean Charles (2009)

; Questão de identidade
Lázaro Ramos


;De repente, acho que nós ; atores muito com a cara de ;gente como a gente; ; estávamos no lugar certo, na hora certa. O cinema do começo dos anos 2000 buscava contar a trajetória do brasileiro não oficial. O foco passou a ser o da identidade com o brasileiro;, relembra o ator baiano Lázaro Ramos. Opção ;improvável; no perfil de escalação dos atores, até então, em voga, Lázaro não deixou passar a chance. ;O diferencial é que o protagonismo para negros vinha sendo muito raro ou então estava atrelado à exclusão social ou à violência urbana;, observa o versátil ator de Madame Satã e Cidade Baixa.

;Em dívida; não apenas com o aprendizado no teatro, mas, na mesma medida, ;com o respeito e o carinho com que o cinema me tratou;, Lázaro se diz grato a personagens importantíssimos em filmes capazes de ressaltar o talento dele, ;sem ser colocado como coadjuvante;. A constância no trabalho ; ;até para a elaboração de arquétipos novos; ; é um fato que o ator gosta de ressaltar. O rigor foi tamanho que ele precaveu uma superexposição. ;Aconteceu naturalmente: os convites começaram a ser muito parecidos e compreendi que era o momento de dar um pouco de descanso no cinema;, conta.Lázaro Ramos: olhar diferente

A estratégia de ampliar as frentes de trabalho garantiu êxitos como o de O homem que copiava (2003). ;Foi um filme feito com 200 atores, na sua maioria brancos, e para fazer um protagonista, que era gaúcho, eu fui escolhido apenas porque o diretor achou que um cara com minhas características poderia fazer. Jorge Furtado não mudou uma linha do texto porque era um ator negro. O filme é bom e bem contado: isso é uma nova linguagem, isso é um novo momento;, festeja.

A etapa, cristalizada a partir do começo deste século, faz paralelo com outra fase para o cinema nacional, pelo que o intérprete avalia. ;Se você for lembrar, noutro período da produção cultural, o nosso protagonista era o Armando Bogus, o Lima Duarte, o José Wilker, o Antonio Pitanga e o Milton Gonçalves. Vivemos o resgate dessa época, porque, houve um período intermediário em que, de repente, o cinema entrou numa crise, parou de ser produzido e voltou com filmes que não trazia identidade que os unisse;, diz.

No tipo de história dessa ;retomada;, cineastas como Guel Arraes, Marcelo Gomes, Sérgio Machado, Fernando Meireles e até Cacá Diegues (;reavaliando o cinema dele;) se projetam no crivo de Lázaro. ;Quando, por exemplo, o Karim Ain;uz vai lá fazer O céu de Suely, não é um olhar alegórico, é algo do que seja próximo a ele. Acho saudável que histórias realmente passadas no nordeste no Rio Grande do Sul sejam contadas livres de ;aspectos estrangeiros;. Elas revelam um olhar totalmente diferente ; afetuoso e curioso sobre cada personagem;, arremata.

; Principais filmes

; Madame Satã (2002)
; O homem que copiava (2003)
; Meu tio matou um cara (2004)
; Cafundó (2005)
; Ó paí, ó (2007)

; Efeito multiplicador
João Miguel


Da revisão do clássico A hora e a vez de Augusto Matraga ; que rendeu carta de ;pedido de benção; ao diretor Roberto Santos e a Leonardo Villar, ambos da equipe de 1965 ; ao papel do sertanista Cláudio Villas-Bôas (de Xingu), passando por tipos como ;um caminhoneiro existencialista;, em Beira do caminho, e um filósofo racionalista em Ex-isto, o ator João Miguel promete invadir, nos próximos meses, a mente dos cinéfilos interessados no trabalho dele. ;Há um público que reconhece meu trabalho no cinema. Já ouvi, na rua, gente falando: ;Pô, quando eu sei que você tá num filme, eu vou ver;. Isso é um orgulho imenso e o maior dos prêmios;, observa o ator baiano.

Outro nordestino, o colega José Dumont (O homem que virou suco), é referência, quando João analisa o campo das atuações ;num nível mais autoral;. ;Penso muito nele porque acho que o Zé, de alguma maneira, nos abriu as portas para que fizéssemos de um novo jeito;, explica. Sem refugos, o ator encara até ;folhetim;, especialmente se for no cinema, e sob o comando do amigo Marcelo Gomes, caso de Era uma vez, Verônica, em torno da classe média de Recife, ;num registro parecido com o do cinema argentino;. ;Se o cinema ajuda na construção de identidade, num país tão multifacetado, com mil parcelas, a disponibilidade de cair em abismos e a vontade da descoberta leva nós, atores, a termos mil caras;, descreve.

Marcas autorais povoam as experiências de João Miguel no set. ;Fiz muitos filmes de primeiros diretores. Não vejo isso como um movimento nem como uma monopolização, eu vejo como um acontecimento natural: surgiram pessoas como o Lázaro Ramos, o Wagner Moura e o Irandhir Santos;, avalia, catapultado para o sucesso, com Cinemas, aspirinas e urubus (2005). A popularidade de João Miguel, já no teatro, desafiou o exíguo circuito de um espetáculo independente, ao concentrar público superior a 120 mil. Se comunga das ideias da geração que, ;a partir dos anos 1970, teve várias perspectivas políticas e sociais;, na ficção, inserido em filmes como Se nada mais der certo (de José Eduardo Belmonte), João Miguel reverte a própria criatividade em roteiro de longa a ser dirigido. ;Me nutri de memórias para criar os personagens. Será uma história de amor, passada na Paraíba e embrenhada em olhar estético diferenciado.;

; Principais filmes

; Cinemas, aspirinas e urubus (2005)
; Eu me lembro (2005)
; O céu de Suely (2006)
; Estômago (2007)
; Se nada mais der certo (2008)


; A arte da modéstia
Ângelo Antônio


É quase um ritual: a cada aniversário, em junho, o ator Ângelo Antônio se dá conta de que está no set. O presente do exercício regular da profissão se estende ao público, pelo que indicam os resultados de bilheteria associados ao ator mineiro que, nas telas, deu as mãos para dois personagens imantados pela simplicidade: Francisco Cândido Xavier e outro Chico, aquele que educou tanto Zezé Di Camargo quanto Luciano.

Premiado pela Associação Paulista de Críticos de Artes, no papel do pai dos cantores, o ator também colheu elogios por causa do líder espiritual. ;Nas ruas, do porteiro ao gerente, me falavam mais do Francisco de Camargo do que dos personagens das novelas. Não foi complicado interpretá-lo, porque, sem reservas, ele é transparente e tem uma alegria surpreendente. Fui pra fazenda e convivi com ele um bom tempo para sentir como era aquele ser humano, perceber como ele vibrava;, relembra. Com filmografia enxuta, mas expressiva, Ângelo traz um termômetro favorável, quando o assunto é cinema brasileiro. ;Se, antes, as pessoas reclamavam, hoje, só recebemos elogios relacionados à qualidade técnica;, observa.

Com segura dose do próprio carisma embutido nas personagens, na fala mansa, Ângelo opina sobre o fenômeno de bilheteria atrelado à Chico Xavier. ;As pessoas estão com a necessidade de se alimentar com temas relacionados à transcendência, independente da religiosidade ou da espiritualidade. Sem o peso da materialidade, Chico é cativante, por preencher uma lacuna, admirado pela humanidade e gentileza;, diz. A compaixão também é traço de personagem em Não se pode viver sem amor, no qual é parceiro de um menino que procura pelo pai.

Para o futuro próximo, o ator vai encorpar ainda mais as obras para cinema, com Amazônia Caruana, em que vive um pajé e uma participação no mais recente filme de Breno Silveira (de 2 filhos de Francisco). Como de costume, o aniversário de 2011 será em meio à parafernália cinematográfica: no filme de Philippe Barcinski, vive sujeito que vai do sucesso à derrocada.

; Principais filmes

; 2 filhos de Francisco ; A história de Zezé Di Camargo & Luciano (2005)
; Batismo de sangue (2006)
; Sonhos roubados (2009)
; Chico Xavier (2010)
; Amor? (2010))

; Registro inconformado
Leonardo Medeiros


É com naturalidade que, aos 46 anos, Leonardo Medeiros revê, num retrospecto, para além ;da alegria e do trabalho;, uma fase de ;operariado;, na década cinematográfica iniciada em 2000. ;Os diretores buscam atores em que confiem. É uma mão de obra muito específica e difícil de ser encontrada: isso afunila para alguns poucos nomes;, avalia. Sem parâmetros para uma imediata análise do bloco de filmes que ajudou a construir ; ;é uma fase para ser revista dentro de uns 20 anos, num prisma com categoria histórica; ;, Medeiros lamenta apenas a efemeridade com que foram tratados títulos como Lavoura arcaica, ;uma obra-prima muito rapidamente descartada;.

;Todas as experiências das quais participei não tiveram continuidade. Foram tiros no escuro e que terminaram ali mesmo. Então, você não tem uma corrente estética do cinema brasileiro. A não ser os filmes de favela e de violência dos quais não tomei parte;, comenta. Com boa dose de exagero, ele decreta: ;Eu fui um fracasso no cinema. Fiz 20 longas-metragens que pouquíssima gente viu. Tive muitos filmes com bilheterias de apenas 20 mil pessoas;.

Incógnitas que cercam produtos audiovisuais vitoriosos como Tropa de elite, que ;lotam o cinema;, não necessariamente lhe tiram o sono. ;Me pergunto: como detectar motivos dessa identificação? Não há resposta e, por isso, reforço que sejam tiros e que nem sempre você está procurando o sucesso;, diz. Numa busca ;aleatória; e nunca dimensionada na fundação de uma ;linguagem do cinema brasileiro;, o ator apostou na composição de tipos para Não por acaso e para fitas de potencial autoral, como O veneno da madrugada e Budapeste ; dobradinha com a grife de do diretor de fotografia Walter Carvalho.

;Ele, que é um diretor arrojado e o melhor fotógrafo de cinema do país, me ensinou muita coisa. Já no Lavoura arcaica houve um processo intenso, para uma obra-prima que foi rejeitada pela crítica e tem sido cultuada por jovens. Acho que o Lavoura traz valores universais que ganharam reconhecimento com o tempo;, opina.

; Principais filmes

; Cabra-cega (2004)
; O veneno da madrugada (2004)
; Feliz Natal (2008)
; Nossa vida não cabe num Opala (2008)
; Budapeste (2009)


; Imagens rompidas
Caio Blat


Numa bússola imaginária, o propósito de carreira do ator Caio Blat apontaria para risco e ousadia. Um marco zero da trajetória, por intenção, acidentada veio com o longa Cama de gato. ;Fiz com uma vontade de romper com a imagem de bom moço da tevê. Foi meu début no universo dos festivais e dos debates. Um filme que mudou muito a forma como me enxergavam;, relembra. O passaporte, agregado à nudez frontal e à pontuação de trama rude, tem um carimbo de inovação que ecoa em Bróder! (2010), que lhe rendeu um Kikito de melhor ator em Gramado (RS). ;Talvez seja o momento mais importante da minha carreira no cinema até agora, um rico trabalho de composição. Muita gente já assistiu ao filme e nem me reconheceu;, orgulha-se.

;Delicado; e liberto do ;complexo de épico, como diz o Tom Zé;, no entendimento do protagonista, Bróder! estende o conceito de urgência do cinema, no início da década, atento em ;revelar o Brasil sem cara na tevê, com favela e presídio;. ;Bróder! marca uma transição: o primeiro filme feito na favela, sobre violência e tudo, mas no qual ela não entra em cena;, avalia. Para o ator de Carandiru e Baixio das bestas ; esse último acavalado à genética dos filmes alternativos dele, exibidos no Festival de Brasília ;, a década passada favoreceu uma mudança na linguagem das telas: ;Nos últimos cinco anos, os cineastas se ocupam com filmes cada vez mais pessoais, íntimos e simples. Acho que o cinema argentino revelou essa camada de subjetividade;.

Nessa onda de novos roteiros, há fitas de amor, amizade e de relações familiares. ;O Proibido proibir, por exemplo, aborda esses temas. Há comédias românticas como Histórias de amor duram noventa minutos e a renovação da comédia política, com O bem amado;, comenta. A lufada de diversidade, na opinião do intérprete, é um segundo passo para a fase de revisão para temas como a ditadura. ;Existiu uma ansiedade grande e uma enxurrada de tramas em torno da ditadura;, observa o ator de Batismo de sangue e O ano em que meus pais saíram de férias. ;Acho que agora diretores como o José Eduardo Belmonte começaram a olhar mais para a vida privada. É um caminho bonito e salutar;, conclui.

; Principais filmes

; Lavoura arcaica (2001)
; Cama de gato (2002)
; Carandiru (2003)
; Batismo de sangue (2006)
; Bróder! (2010)

O preparador de elenco

Da urgência da ;revelação do Brasil, feita epicamente; ao amadurecimento da perspectiva do cinema voltado para ;a vida privada, num caminho salutar;, o ator Caio Blat ; convidado para a análise de uma década de filmes nacionais ; é fonte forte: praticamente cresceu cercado pelo aparato audiovisual. Blat foi um dos que partilhou com o pernambucano Irandhir Santos (Tropa de elite 2) a introdução de um diferencial para intérpretes: o recurso do preparador de elenco.

;Fátima Toledo, por exemplo, trouxe para a preparação, além da mão firme, resultados efetivos no processo;, relembra Irandhir, ao enfatizar ainda a relevância de discussões sociais e de quebra de parâmetros estéticos nas telas. ;Acho que, primeiro, vem a beleza da minha postura diante da arte;, diz, ao comemorar múltiplos prêmios e filmes. Exemplo de sucesso, nesse período, está em atores do porte de Matheus Nachtergaele, que chegou a presenciar três possibilidades de Oscar para produções saídas da lista de 15 títulos em que atuou, estendendo a prática dos palcos. ;O ator de teatro está mais preparado, mais disciplinado, mas a televisão não deixa de ser um celeiro de atores;, opina Leonardo Medeiros, outro habitué das telas. ;São atores menos mimados e mais dispostos ao trabalho;, arremata.

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