Mais do que um traço de comportamento, a franqueza sempre foi uma das principais marcas criativas de Phil Collins. Desde que lançou o primeiro disco solo, no início dos anos 1980, o londrino escreve canções que ; nos momentos mais confessionais ; soam como cartas endereçadas a amigos. Na estreia, Face value (1981), acertou contas com uma crise doméstica: o fim do casamento com a canadense Andrea Bertorelli, primeira esposa. Já em Both sides (1993), os versos eram tão particulares que o cantor preferiu se isolar num estúdio caseiro e gravar todos os instrumentos por conta própria. Até por uma questão de coerência, Collins optou por um discurso direto para anunciar o divórcio com a musa que o acompanha há quatro décadas: a música pop.
As notícias sobre o fim da carreira de um dos maiores ídolos dos anos 1980 apareceram na mídia há uma semana. Num primeiro momento, de forma desencontrada, aos trancos, estampada em reportagem da revista FHM, reproduzida pela Time. ;Peço desculpas por ter sido tão bem sucedido. Eu honestamente não desejei que acontecesse dessa forma. Não é uma surpresa, portanto, que as pessoas tenham começado a me odiar;, o compositor teria dito. ;Não pertenço mais a esse mundo e acredito que ninguém vai sentir minha falta;, explicou. As declarações provocaram mal estar ; não pareciam combinar com a imagem do compositor romântico de 60 anos, elegante, que se instalou nas paradas de sucesso com hits como Do you remember? e Another day in paradise.
Poucos dias depois, no entanto, o músico usou o site oficial para desfazer o que classificou como um ;mal entendido; provocado por trechos de entrevista editados fora de contexto. Esclareceu que a despedida não tem a ver com fato de ter sido ;maltratado pela imprensa; ou por ;não se sentir amado pelos fãs;. ;Não estou parando porque não me adapto ao momento da música pop. Going back, meu último disco de estúdio, chegou ao primeiro lugar na parada britânica;, explicou, numa lista de motivos que termina com a razão oficial para o fim da carreira: ;Estou parando para ser pai em tempo integral dos meus dois filhos;, escreveu, em referência às crianças Nicholas e Matthew.
Apesar das negativas de Collins, o adeus do popstar pode ser visto de outra forma: é mais um sintoma de uma época que, assombrada pelo esfacelamento da indústria fonográfica, deixou de aceitar ídolos do porte do cantor, que, ao todo, emplacou 40 hits na parada dos Estados Unidos. Junto com Paul McCartney e Michael Jackson, foi um dos dos três artistas que bateram a marca dos 100 milhões de discos vendidos em duas frentes ; como artista solo e integrante de uma banda. No Genesis, o baterista habilidoso ajudou a criar uma grife do rock progressivo dos anos 1970. Paralelamente aos trabalhos no grupo ; que, na primeira formação, era liderado por Peter Gabriel ;, foi consagrado como ídolo de love songs em primeira pessoa, campeãs de vendas. Venceu sete Grammys e um Oscar, pela canção-tema da animação Tarzan (1999).
O disco mais recente de Collins, Going back, já indicava desconforto com a indústria pop. Abalado pelas críticas negativas ao álbum de estúdio Testify, de 2002, gravou duas dezenas de versões para canções da Motown, descortinando as influências de soul music. Sem medo de ser saudosista, o disco era apresentado com uma fotografia de Collins criança, tocando bateria. Foi graças ao instrumento que entrou no Genesis em 1970. Em resposta a um anúncio publicado na revista Melody Maker, foi à casa dos pais de Peter Gabriel para fazer o teste para a vaga. Enquanto os outros candidatos tentavam impressionar as celebridades, o londrino de Chiswick nadava na piscina, decorando as melodias. Permaneceu no grupo até 1996. Em 2007, juntou-se a Mike Rutherford e Tony Banks para uma turnê de flashback.
Gente como a gente
Em toda a década de 1980, Collins se dividiu em dois papeis igualmente cobiçados: o de vocalista e líder do Genesis e o de cantor solo, premiado em cerimônias da indústria e elogiado pela crítica. Em 2008, foi selecionado o 22; artista mais bem sucedido em ranking da Billboard. Nesse período, participou de campanhas humanitárias (como o Live Aid) e colaborou em discos de amigos como Peter Gabriel e na banda de jazz Brand X. Segundo a revista People, a dedicação à bateria provocou a redução da capacidade auditiva do músico, uma vértebra deslocada e danos nervosos. Ainda de acordo com a publicação, esses problemas impedem o britânico, que mora na Suíça, de continuar compondo e cantando. Collins, no entanto, não confirma a informação.
O nome de príncipe nunca enganou ninguém. No palco, nas rádios e nos toca-discos, Phillip David Charles Collins soava como o mais comum dos plebeus: com a aparência de um típico cidadão inglês (que nunca precisou esconder a calvície), cantou a sofreguidão do amor cotidiano, confessou crises matrimoniais e narrou os dramas de tipos anônimos, sem glórias. Não era um astro excêntrico como Michael Jackson nem um rockstar do porte de Paul McCartney. Mas, nos anos 1980, Phil converteu essa falta de ;sex appeal; em qualidade. Se aproximou do público ao cantar as incertezas de adultos e, por um tempo, se tornou símbolo dos homem sensível, sentimental. Esse público não abandonou o astro, que ainda lota turnês. Mas, diante de um mundo pop cada vez mais acelerado e efêmero, tudo o que restou a esse velho ídolo foi o silêncio. E o início de uma vida verdadeiramente privada.
Com o Genesis;
Nursery cryme (1971)
O terceiro disco do Genesis marca a estreia de Phil Collins na bateria. Não está entre os grandes álbuns do período, mas mostra as primeiras experiências da formação ;clássica; do grupo, um quinteto liderado pelo vocalista Peter Gabriel.
Foxtrot (1972)
Um dos álbuns mais respeitados de rock progressivo dos anos 1970 promoveu o Genesis ao Top 20 do Reino Unido, ainda que a banda ainda não tivesse atingido a popularidade de contemporâneos como Pink Floyd e Yes. A sonoridade siderada ganhou o rótulo de ;rock cósmico;.
The lamb lies
down on Broadway (1974)
Considerado a obra-prima do grupo por muitos fãs e críticos, o disco duplo, conceitual, representa o momento mais ambicioso na trajetória do Genesis. Foi o último a contar com a participação de Peter Gabriel. No seguinte, A trick of the tail (1976), Collins assumiria o papel de vocalista.
;e na carreira solo
Face value (1981)
A estreia solo de Collins soou como um contraponto à grandiosidade do Genesis: em canções introspectivas, o cantor surpreendeu os fãs ao abrir o jogo sobre as crises que corroeram o primeiro casamento. A bela In the air tonight resume o drama.
No jacket required (1985)
Vencedor do Grammy de melhor disco de 1985, o álbum sinalizou que a carreira solitária do compositor estava rendendo mais popularidade e elogios que as criações do Genesis. Os amigos Peter Gabriel e Sting participam das gravações.
;But seriously (1989)
O título indica um Phil Collins mais sério, e o conteúdo das canções faz justiça à intenção: o hit Another day in paradise trata do drama dos desabrigados. Já Colours aponta o dedo para a segregação racial na África do Sul. Nos discos seguintes, a carreira do cantor começaria a entrar em decadência.