Nahima Maciel
postado em 25/03/2011 07:15
Nas artes plásticas, a prática do desenho costuma ser encarada como um caminho para um lugar seguro. O traço é a anotação do artista, o registro de uma ideia, a maneira mais rápida de indicar os passos em direção ao produto final, à obra, seja ela pintura, escultura, instalação. No entanto, existe uma turma cuja intenção diante do desenho vai além do mero registro do pensamento. Para esse pessoal, o traço riscado no papel com lápis ou carvão nasce de um gesto espontâneo e, por isso, autêntico. O mercado pode não dar muito valor ao detalhe, mas para eles essa característica norteia uma produção consistente, delicada e muito reveladora.O mercado, de fato, desvaloriza a arte em papel de forma geral. No entanto, Virgílio Neto, Helouysa Maria, Eduardo Belga, Lucas Gehre e Taigo Meireles não estão muito preocupados. Ao contrário, sentem-se aliviados por encontrar amparo no papel e no grafite. A habilidade ; e pode parecer bizarro, mas nem todo artista plástico tem intimidade com o desenho ; ajuda a abrir portas.
Se nem sempre o trabalho autoral é suficiente para pagar contas, a facilidade em desenhar faz com que sejam requisitados para trabalhos de ilustração. O Diversão conversou com artistas que encaram o desenho como obra final e representam a produção mais jovem da cidade. São nomes surgidos na última década, formados em universidades locais e cuja investigação tem chamado atenção de críticos e curadores. ;O desenho é a forma natural em que a construção da linguagem se materializa, ainda na esfera do intuitivo. Eles usam o desenho por identidade e naturalidade;, avisa Ralph Gehre, artista plástico e curador.
Virgílio Neto,
formado em desenho industrial, 24 anos
Desenho é coisa solitária. É também ver. Observar, destrinchar, descascar. Neto gosta dessa prática. Para ele, é quase uma escrita. ;Às vezes é melhor você desenhar do que fotografar uma coisa atrás da outra. Você fica atento;, explica. E também desenvolve intimidade com o mundo. Durante os nove meses que passou em Londres, ele preencheu cadernos inteiros com desenhos. Os riscos funcionaram como um diário, embora também estejam repletos de reflexões sobre o próprio ato de desenhar. ;São muito comuns pessoas que são brigadas com o desenho. Elas acionam um botão e dizem ;eu não sei desenhar;. E outra coisa comum é dizer que existe um desenho correto. Que desenhar bem é retratar igual à realidade. Não é.; Ele começou a pensar no desenho com finalidade artística em 2008. Passou então a procurar cursos com objetivos específicos. Fez aulas de ilustração científica, de desenho de observação e outras. Em cada técnica, encontrou soluções para o que queria contar. O maior medo é sucumbir à beleza e ficar preso a um estilo. O desenho de Neto é bonito de ver e ele acha que isso pode viciá-lo, por isso procura sempre desafiar o próprio traço.
Helouysa Maria,
formada em artes plásticas, 24 anos
A combinação de violência, sensualidade e imediatismo levaram Helouysa a se encantar por carvão, grafite e folha de papel. Além dos materiais, outro pequeno detalhe seduz a artista. Ela só risca a folha diante de modelos vivos. E, de preferência, nus. ;O foco do meu trabalho é o modelo;, avisa. ;Quero trabalhar com a sensação. Gosto da ideia da energia que corre. Desenhar assim tem um ritmo, uma coisa que você não consegue controlar. É mais verdadeiro que outras técnicas.; A verdade é algo importante no contexto. Helouysa raramente faz retoques. Às vezes, gosta até de deixar o desenho sujo, com as manchas de carvão espalhadas pelo branco do papel. Não apaga porque se o fizesse estaria escondendo algo de si mesma. Se na escultura e na pintura retoques fazem parte do processo, no desenho as imperfeições compõem a obra e ajudam a revelar as intenções da artista. É quase como uma sessão de psicanálise, na qual subtexto e atos falhos ajudam a costurar o discurso.
Eduardo Belga,
formado em artes plásticas, 30 anos ;Existe um fantasma do que é o desenho correto;, acredita Eduardo Belga. ;Para mim, é um cálculo do que você pode desenhar e do que você quer desenhar. Não é ser perfeito. Até Michelangelo tem um traço calcado em imperfeições.; Belga divide o próprio trabalho em duas etapas. Há um lado lírico, no qual a experimentação é o limite, e o desenho se torna uma forma legítima de trazer para a realidade um pensamento onírico. E outro no qual o desenho é a forma mais rápida de materializar o pensamento. No caso de Belga, isso acontece com uma certa ênfase na perversidade e no erotismo. ;Mas para viver, tenho que fazer ilustração;, explica. Nesse caso, o artista precisa lidar com a perda da característica intuitiva para poder atender às encomendas.
Lucas Gehre,
formado em publicidade, 29 anos
O trânsito entre artes plásticas e arte sequencial é natural na rotina de Lucas Gehre. Independentemente do suporte e da linguagem, ele é guiado pelo desenho. ;O desenho acontece no ritmo do pensamento, é uma confirmação do meu cérebro;, explica um dos criadores da revista Samba. Temas recorrentes aparecem aqui e ali ; são cubinhos, aviões, árvores secas e carinhas semprem presentes ;, mas são figuras muito subjetivas, sem nenhuma intenção de narrar algo. As temáticas aparecem tanto nas HQs quanto nos trabalhos de artes plásticas. Lucas gosta de emendar o pensamento no lápis e no papel, mas também pode ser motivado pelo material do desenho. ;Muitas coisas me inspiram, estar com pessoas inclusive, mas materiais novos me dão uma vontade de desenhar"
Taigo Meireles,
formado em artes plásticas, 27 anos
Apesar de ser mais conhecido como pintor, Taigo Meireles sempre partiu do desenho. Durante algum tempo, com a finalidade de chegar à tela. Agora, com o intuito de compreender como acontecem as ligações entre a elaboração do pensamento e o gesto de riscar a superfície do papel. ;O desenho para mim é um ato de pensar, é uma maneira de conceber a realidade. Às vezes, até canso de olhar porque fico traduzindo as coisas em linhas, planos, pontos de fuga;, brinca. Taigo resolveu então investir no desenho de forma mais séria e fez uma série inteira dedicada ao círculo da luxúria visitado pelo poeta em A divina comédia, de Dante Alghieri.har!”